Apelação Cível – Mandado de Segurança – Base de cálculo do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) – Valor venal – Valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação – Impossibilidade de utilizar os parâmetros do Decreto nº 55.002/2009, que alterou o Regulamento do ITCMD

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 1040866-78.2017.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUIZO EX OFFÍCIO, são apelados THAÍS KEIKO MONTEIRO e BEATRIZ AKEMI MONTEIRO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Após o voto da Relatora, que foi acompanhada pelo 2º Juiz, apresentou o 3º Juiz, voto divergente. Nos termos do artigo 942 do novo CPC, aplicada a técnica de ampliação do Colegiado, foram convocados os Desembargadores Nogueira Diefenthäler e Marcelo Berthe, que acompanharam a Relatora. Resultado do Julgamento: Por maioria de votos, reexame necessário e recurso voluntário da Fazenda Estadual improvidos. Vencido o 3º Juiz, que declara., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARIA LAURA TAVARES (Presidente), FERMINO MAGNANI FILHO, FRANCISCO BIANCO, NOGUEIRA DIEFENTHALER E MARCELO BERTHE.

São Paulo, 3 de abril de 2018.

Maria Laura Tavares

Relator

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 23.544

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1040866-78.2017.8.26.0053

COMARCA: SÃO PAULO

RECORRENTE: JUÍZO EX OFFICIO

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADOS: THAÍS KEIKO MONTEIRO E OUTRA

INTERESSADO: SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Juíza de 1ª Instância: Simone Viegas de Moraes Leme

APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – Base de cálculo do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) – Valor venal – Valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação – Impossibilidade de utilizar os parâmetros do Decreto nº 55.002/2009, que alterou o Regulamento do ITCMD – Inconstitucionalidade dos arts. 7º-A, 7º-B e 12 da Lei nº 11.154/91 do Município de São Paulo reconhecida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça – Base de cálculo do IPTU que deve servir de referência para o cálculo do ITCMD na transmissão causa mortis – Possibilidade, todavia, de cobrança de eventual diferença pela Fazenda Estadual, por meio de procedimento próprio, assegurando ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa (art. 148, CTN) – Sentença mantida – Reexame necessário e recurso voluntário da Fazenda Estadual improvidos.

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por THAÍS KEIKO MONTEIRO E OUTRA contra ato do SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando afastar as disposições do Decreto nº 55.002/09, que resultou na majoração da base de cálculo do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, assegurando o direito líquido e certo de recolher o tributo com base na Lei Estadual nº 10.705/00, adotando como base de cálculo o valor venal fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. Pretende a concessão de medida liminar para realizar o recolhimento do ITCMD incidente sobre transmissão dos imóveis em virtude do falecimento notificado, adotando como base de cálculo o valor venal fixado para o lançamento do IPTU, nos moldes da Lei Estadual nº 10.705/00, afastando a sua exigência com base no Decreto nº 55.002/09.

A medida liminar foi deferida a fls. 42/43, para determinar que seja utilizado o valor venal do IPTU como base de cálculo para o ITCMD.

O representante do Ministério Público em primeira instância deixou de apresentar manifestação por entender que a demanda versa sobre direito disponível, envolvendo partes maiores e capazes (fls. 77/78).

A r. sentença de fls. 88/91, cujo relatório é adotado, concedeu a segurança para, confirmando a decisão liminar, determinar que seja considerado o valor venal do IPTU da data do óbito como base de cálculo do tributo ITCMD, afastando, por conseguinte, a aplicação do disposto no Decreto Estadual 55.002/2009. Custas na forma da lei, sem incidência de verba honorária.

A Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recurso de apelação a fls. 97/104 alegando, em síntese, que a impetrante não prova a existência de direito líquido e certo que ampare a pretensão inicial, já que o seu argumento central é a ilegalidade do artigo 16, parágrafo único, nº 2, do Decreto Estadual nº 46.655/2002, na redação dada pelo Decreto nº 55.002/2009, que regulamentou a Lei Estadual nº 10.705/2000, disciplinadora do ITCMD no âmbito do Estado de São Paulo; que o dispositivo invocado não padece de ilegalidade, eis que elaborado em consonância com a legislação de regência, bem como em observância com todo o sistema jurídico; que os Estados Membros têm a capacidade de auto organização, autolegislação, autogoverno e auto-administração (artigos 1º, 2º, 18, 25 a 28 da Constituição Federal), o que pressupõe uma autonomia financeira, sem a qual não se pode falar de Federação; que só ao legislador estadual compete a fixação de regras sobre impostos cuja instituição seja de sua competência, desde que respeitadas as limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152 da CF) e os princípios gerais (arts. 145 a 149, da CF); que no Estado de São Paulo, a Lei Estadual 10.705/2000 dispõe sobre o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (cf. art. 97, do CTN); que é inquestionável a inexistência de respaldo legal que permita a impetrante adotar a base de cálculo do ITCMD que bem lhe aprouver; que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal deste bem ou direito, observando-se que a lei em questão considera valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão (data do óbito) ou da realização do ato ou contrato de doação (art. 9º, § 1º); e que aludido dispositivo legal deve ser combinado com o preceito contido no artigo 13, inciso I, da mesma Lei Estadual, dispositivo este que exige, quando se tratar de imóvel urbano ou direito a ele relativo, que o valor desta base de cálculo não seja inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU.

Afirma que o legislador paulista não está exigindo que o valor a ser utilizado para efeito de apuração da base de cálculo do ITCMD seja igual ao valor venal lançado pelo Fisco do Município da situação do imóvel para a cobrança do IPTU, mas apenas impede que seja utilizado para apuração da base de cálculo do ITCMD valor inferior àquele lançado pelo município para cobrança do IPTU; que para a apuração do ITCMD incidente na transmissão causa mortis ou doação, a base de cálculo é o valor venal do bem imóvel transmitido, e o valor venal, nos termos da lei, é o valor de mercado; que desde a promulgação da Lei Estadual 10.705/00, há expressa previsão legal para que a Fazenda do Estado de São Paulo possa exigir, como base de cálculo do ITCMD, o valor de mercado do bem; que o disposto no art. 10 do mesmo diploma dá conta que a atribuição de valor ao bem pelo contribuinte está sujeita à anuência pela Fazenda e, caso a Fazenda não concorde como valor atribuído ao bem pelo contribuinte, instaurar-se-á procedimento administrativo de arbitramento do valor do bem, com a notificação do contribuinte para impugná-lo; que a nova redação do art. 16 do RITCMD não alterou nem aumentou a base de cálculo do referido imposto, apenas regulamentou o emprego do “valor venal de referência para fins de ITBI” como base de cálculo para o ITCMD, posto que tal possibilidade já havia desde a entrada em vigor da Lei Estadual; e que a decisão apelada afronta o princípio da isonomia, instituindo tratamento desigual entre aqueles que se encontram em situação equivalente, além de negar a aplicação dos dispositivos legais acima mencionados, ferino o princípio da legalidade.

O recurso preencheu os requisitos de tempestividade e regularidade (fl. 117) e é ora recebido em seus regulares efeitos. Não houve contrarrazões (fl. 109).

Há reexame necessário.

É o relatório.

A questão posta nestes autos cinge-se à fixação da base de cálculo do imposto de transmissão causa mortis e doações (ITCMD). O artigo 38 do Código Tributário Nacional determina o quanto segue:

“A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.”

O legislador estadual deve observar as normas do Código Tributário Nacional, sendo a ele defeso aumentar a base de cálculo ou a alíquota de tributo de sua competência em desrespeito a regras superiores.

A lei que rege o imposto de transmissão causa mortis e doações no Estado de São Paulo é a Lei Estadual nº 10.705/2000, com alterações da Lei nº 10.992/2001, que determina o quanto segue:

Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considerasse valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

(…)

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU;

II – em se tratando de imóvel rural ou direito a ele relativo, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.

Tem-se, portanto, que (i) a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem transmitido; (ii) considera-se valor venal o valor de mercado do bem na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação; (iii) e, no caso de imóvel urbano, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor fixado para o lançamento do IPTU.

Evidente que a base de cálculo do tributo, fixada pela lei, não é necessariamente o valor fixado para o lançamento do IPTU, como querem as impetrantes.

A base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem, ou seja, o valor de mercado na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

O valor que é a base de cálculo do IPTU é somente referência para a base de cálculo mínima do ITCMD.

Tem-se, assim, que o legislador estadual não fixou, ao contrário da legislação anterior (Lei Estadual nº 9.561/66), que a base de cálculo do ITCMD é a mesma base de cálculo para o IPTU.

A legislação fixa que a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado dos bens transmitidos, na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação, fixando, como valor mínimo, o valor utilizado para cálculo do IPTU.

No caso dos autos, a Fazenda Estadual pretende aplicar o Decreto Estadual n° 55.002/2009, vigente à data da abertura da sucessão, desconsiderando os valores dos bens imóveis informados pelas impetrantes e utilizando o valor venal de referência calculado pela Municipalidade de São Paulo para fins de incidência do ITBI, embora superior ao valor venal utilizado como base de cálculo do IPTU.

Todavia, não há como prevalecer o entendimento da autoridade impetrada no que tange à base de cálculo do ITCMD para a hipótese de transmissão causa mortis, ainda que os valores venais de referência do ITBI divulgados ou utilizados pelos Municípios sejam, em tese, mais próximos dos valores de mercado dos bens transmitidos.

É que, ao adotar a base de cálculo utilizada pela Municipalidade de São Paulo para a cobrança do ITBI, o Decreto Estadual nº 55.002/2009 extrapolou sua função regulamentar, promovendo verdadeira alteração da base de cálculo do ITCMD, o que não é admissível por violar o princípio da legalidade tributária, disposto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal e artigo 97, incisos II e IV, do Código Tributário Nacional:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

(…)

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(…)

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

(…)

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

(…)

Merece ser observado que os artigos 7º-A, 7º-B e 12 da Lei Municipal de São Paulo nº 11.154/1991, acrescentados pela Lei Municipal nº 14.256/2006, foram declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 7º da Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelas Leis nºs 14.125, de 29 de dezembro de 2005, e 14.256, de 29 de dezembro de 2006, todas do Município de São Paulo, que estabelece o valor pelo qual o bem ou direito é negociado à vista, em condições normais de mercado, como a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Acórdão que, a despeito de não manifestar de forma expressa, implicitamente também questionou as disposições dos artigos 7º-A, 7º-B e 12 da mesma legislação municipal – Valor venal atribuído ao imóvel para apuração do ITBI que não se confunde necessariamente com aquele utilizado para lançamento do IPTU – Precedentes do STJ – Previsão contida no aludido artigo 7º que, nessa linha, não representa afronta ao princípio da legalidade, haja vista que, como regra, a apuração do imposto deve ser feita com base no valor do negócio jurídico realizado, tendo em consideração as declarações prestadas pelo próprio contribuinte, o que, em princípio, espelharia o “real valor de mercado do imóvel” – “Valor venal de referência”, todavia, que deve servir ao Município apenas como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de venda, não podendo se prestar para a prévia fixação da base de cálculo do ITBI – Impossibilidade, outrossim, de se impor ao sujeito passivo do imposto, desde logo, a adoção da tabela realizada pelo Município – Imposto municipal em causa que está sujeito ao lançamento por homologação, cabendo ao próprio contribuinte antecipar o recolhimento Arbitramento administrativo que é providência excepcional, da qual o Município somente pode lançar mão na hipótese de ser constatada a incorreção ou falsidade na documentação comprobatória do negócio jurídico tributável – Providência que, de toda sorte, depende sempre da prévia instauração do pertinente procedimento administrativo, na forma do artigo 148 do Código Tributário Nacional, sob pena de restar caracterizado o lançamento de ofício da exação, ao qual o ITBI não se submete – Artigos 7º-A e 7º-B que, nesse passo, subvertem o procedimento estabelecido na legislação complementar tributária, em afronta ao princípio da legalidade estrita, inserido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal – Inadmissibilidade, ainda, de se exigir o recolhimento antecipado do tributo, nos moldes estabelecidos no artigo 12 da Lei Municipal nº 11.154/91, por representar violação ao preceito do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal – Registro imobiliário que é constitutivo da propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, razão pela qual deve ser tomado como fato gerador do ITBI – Regime constitucional da substituição tributária, previsto no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, que nem tem lugar na espécie, haja vista que não se cuida de norma que autoriza a antecipação da exigibilidade do imposto de forma irrestrita – Arguição acolhida para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo.” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0056693-19.2014.8.26.0000 – Órgão Especial – Rel. Des. Rel. PAULO DIMAS MASCARETTI – j. 25.03.2015).

Ora, se até para a cobrança do ITBI pela Municipalidade de São Paulo não é possível adotar a nova forma de cálculo estabelecida na legislação municipal (valor venal de referência divulgado pela Secretaria Municipal de Finanças), com maior razão deve ser afastada a sua aplicação para o cálculo do ITCMD incidente sobre imóveis urbanos localizados no Município de São Paulo.

Na ausência de outro parâmetro válido para o cálculo do ITCMD relativo aos imóveis transmitidos causa mortis, merece ser adotada como referência a base de cálculo do IPTU, já que representa o valor mínimo indicado na legislação de regência, ressalvada, todavia, a possibilidade de cobrança de eventual diferença caso a Fazenda Estadual discorde do valor indicado pelas impetrantes, por meio de procedimento próprio que assegure às contribuintes o exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme disposto no artigo 148 do Código Tributário Nacional:

“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”

Nesse sentido já se manifestou este Egrégio Tribunal de Justiça, destacando-se:

“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO EX OFFICIO – Mandado de Segurança – ITBI Município de São Paulo – Pretendido recolhimento do tributo com base no valor venal do imóvel utilizado para fins de IPTU – Preliminar de ausência de prova pré-constituída afastada – ITBI – Lei Municipal nº 14.256/06 – Declaração de inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça – Pode o Município, no entanto, valer-se do art. 148 do CTN quando entender que o valor declarado pelas partes esteja em desacordo com o mercado imobiliário, podendo nesta hipótese arbitrar a base de cálculo para efeito de pagamento de ITBI mediante o devido processo, atendido o princípio do contraditório – Recursos improvidos.” (Apelação/Reexame Necessário nº 1049825-09.2015.8.26.0053 – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. REZENDE SILVEIRA – j. 21.06.2016).

“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO EX OFFICIO – Mandado de Segurança – ITBI – Lei Municipal nº 14.256/06 – Pretendido pelo impetrante o recolhimento do tributo pelo valor venal de IPTU. 1) Preliminar de inadequação da via eleita afastada. 2) Recurso voluntário da Municipalidade que pugna pelo valor auferido nos termos dos arts. 7º-A e 7º-B da Lei nº 11.154/91 – Utilização de valor fictício, apurado unilateralmente pela Administração – Impossibilidade, em razão da declaração de inconstitucionalidade dos artigos 7º– A e 7º-B da Lei nº 11.154/91 pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. 3) Recurso oficial acolhido para reformar a sentença – Impossibilidade de fixação da base de cálculo do ITBI com base no valor venal de IPTU – Base de cálculo que deve ser fixada em razão do preço de mercado, revelado pelo instrumento de compra e venda – Possibilidade do Município impugnar o valor, com base no art. 148 do CTN – Sentença reformada para denegar a segurança – Recurso voluntário improvido e recurso ex officio provido.” (Apelação/Reexame Necessário nº 1001322-20.2016.8.26.0053 – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. EUTÁLIO PORTO – j. 21.06.2016).

Dessa forma, merece ser mantida a sentença recorrida, que deu correta solução à lide, com observação quanto à possibilidade de cobrança de eventual diferença caso a Fazenda Estadual assim pretenda, respeitados os ditames do artigo 148 do Código Tributário Nacional.

Pelo exposto, pelo meu voto, nego provimento ao reexame necessário e ao recurso voluntário da Fazenda Estadual.

Eventuais recursos que sejam apresentados deste julgado estarão sujeitos a julgamento virtual. No caso de discordância esta deverá ser apresentada no momento da interposição dos mesmos.

Maria Laura de Assis Moura Tavares

Relatora

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

Adotado o relatório da Eminente Desembargadora Maria Laura de Assis Moura Tavares, ouso divergir, respeitosamente, da Ilustre Relatora Sorteada, pelas razões a seguir especificadas.

Pondere-se, desde logo, a existência de reexame necessário, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei Federal nº 12.016/09.

Os recursos oficial e de apelação, apresentado pela parte impetrada, data vênia, comportariam provimento, respeitado, contudo, o entendimento em sentido contrário manifestado pelo Digno Juízo de Primeiro Grau.

Trata-se de mandado de segurança, objetivando o recolhimento do ITCMD, nos termos da Lei Estadual nº 10.705/00, sem a incidência das alterações introduzidas por meio do Decreto Estadual nº 55.002/09.

E, o Governo do Estado de São Paulo, no exercício da competência tributária prevista no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, instituiu, em 28.12.00, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, conforme o disposto na Lei Estadual nº 10.705/00, alterada, posteriormente, pela Lei Estadual nº 10.992/01, regulamentada por meio do Decreto Estadual nº 46.655/02, modificado, em parte, mediante a edição do Decreto Estadual nº 55.002/09.

Pois bem. A matéria jurídica debatida nos autos está relacionada com a base de cálculo do ITCMD que, de acordo com o disposto no artigo 9º da Lei Estadual nº 10.705/00: “é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs.” Na sequência, no respectivo § 1º, do mesmo dispositivo legal, prevê o seguinte: “considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.” (destaques acrescidos)

Ademais, o artigo 16, inciso I, letra “a”, do Decreto Estadual nº 46.655/02, que regulamentou as disposições da legislação acima mencionada, tem a seguinte redação: “O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art. 13): I em se tratando de: a) urbano, não inferior ao fixado para o lançamento do Impostosobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU.

De outra parte, o Decreto Estadual nº 55.002/09 que alterou o parágrafo único do mencionado artigo 16, autorizou a consideração, pela Fazenda Pública, na hipótese de bem imóvel urbano, o valor venal de referência divulgado e utilizado pela Municipalidade, para a cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI.

Outrossim, no caso concreto, a despeito do r. entendimento em sentido contrário, é possível concluir que não há nenhuma irregularidade na edição do Decreto Estadual nº 55.002/09, passível de reconhecimento e correção, máxime, no que se refere ao princípio da reserva das leis.

Com efeito. O valor venal de referência do bem imóvel mencionado no Decreto ora analisado corresponde, na realidade, ao de mercado, já previsto no § 1º do artigo 9º da Lei Estadual nº 10.705/00. Daí porque, não há falar em afronta ao referido princípio constitucional da reserva legal. Afinal, a base de cálculo do ITCMD não foi modificada por meio do Decreto Estadual nº 55.002/09, limitado, apenas e tão-somente, à definição do “valor venal de mercado.”

Finalmente, é relevante consignar que o valor venal do IPTU não foi completamente descartado pelo Governo do Estado, para fins de recolhimento do ITCMD, uma vez que poderá, ainda, ser utilizado para a cobrança deste último tributo, sempre que o montante de referência for inferior àquele, conforme a previsão contida no artigo 1º, parágrafo único, do Decreto Estadual nº 55.002/09.

Portanto, a denegação da ordem impetrada em mandado de segurança seria de absoluto rigor para, invertido o resultado inicial da lide, reconhecer a legalidade do ato administrativo ora impugnado.

Ante o exposto, com a licença da Ilustre Relatora Sorteada, da qual, ouso, respeitosamente, divergir, o meu voto DARIA PROVIMENTO aos recursos oficial e de apelação, apresentado pela parte impetrada, para os fins acima especificados.

FRANCISCO BIANCO

3º Desembargador

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Reexame Necessário nº 1040866-78.2017.8.26.0053 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Maria Laura Tavares – DJ 25.04.2018

Fonte: INR Publicações.

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TJ|SP: Arrolamento – Alvará – Outorga de Escritura – Bem imóvel cedido em vida pela falecida e seu marido, ora inventariante – Pedido de autorização judicial para outorga da escritura aos cessionários – Concordância dos herdeiros – Deferimento

Registro: 2017.0000270903

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2108616-79.2016.8.26.0000, da Comarca de Guaíra, em que é agravante ESPÓLIO DE ANA MARIA DO NASCIMENTO JACOB DO NASCIMENTO SAITO (JUSTIÇA GRATUITA), é agravado O JUÍZO.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.

Desembargadores COSTA NETTO (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.

São Paulo, 18 de abril de 2017.

[ANGELA LOPES]

[Relatora] Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 544

Agravo de Instrumento n. 2108616-79.2016.8.26.0000 Origem: 2ª Vara Cível da Comarca de Guaíra

Juíza: Dra. Renata Carolina Nicodemos Andrade

Agravante: ESPÓLIO DE ANA MARIA JACOB DO NASCIMENTO SAITO

Agravado: O JUÍZO

ARROLAMENTO – ALVARÁ – OUTORGA DE ESCRITURA – Bem imóvel  cedido em vida pela falecida e seu marido, ora inventariante – Pedido de autorização judicial para outorga da escritura aos cessionários – Concordância dos herdeiros – Deferimento – Documentos que comprovam a quitação do preço perante os cedentes, bem como a liberação da hipoteca pendente sobre o imóvel – Inexistência de óbice para a outorga da escritura, pois o imóvel não integra o acervo hereditário, não havendo necessidade de partilha – Além disso, considerando que o alvará não se destina à venda do bem, o que implicaria reverter ao Espólio o produto da venda em patrimônio partilhável, não há que se falar em burla à arrecadação do respectivo imposto de transmissão – Outorga de escritura diretamente aos cessionários finais que não viola a continuidade registrária – Precedentes  jurisprudenciais deste e. TJSP neste sentido – Decisão reformada – RECURSO PROVIDO.

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra r. decisão que, rejeitando os embargos de declaração, manteve decisão anterior que determinou o aditamento às primeiras declarações para a inclusão de um imóvel em nome da falecida Ana Maria Jacob do Nascimento Saito.

Sustenta o Espólio agravante que o imóvel foi prometido há mais de vinte anos, não havendo necessidade de partilha, já que basta a outorga da escritura aos compromissários, pedido este formulado em primeiras declarações.

É o relatório.

Depreende-se dos autos que Ana Maria Jacob do Nascimento Saito faleceu em 27/10/2005, deixando viúvo meeiro e dois filhos maiores. De acordo com o viúvo e inventariante, Sergio Saito, a falecida deixou unicamente um veículo e um saldo residual de previdência privada, que foram devidamente declarados, conforme fls. 11/12.

Ao apresentar as primeiras declarações, o inventariante nomeado, com a concordância dos herdeiros, requereu a expedição de alvará para outorga da escritura de um imóvel localizado na Rua 5 nº 409, na Comarca de Bauru/SP, que foi objeto do “contrato particular de cessão de compromisso de venda e compra”, celebrado em 07/01/1993 pela falecida Ana Maria e seu marido Sergio com Julio Cesar Nascimento e Adriana da Cunha Barcelos do Nascimento (fls. 22/24).

Consta dos autos, ainda, que em 03/11/2004, os compradores Julio e Adriana cederam referido imóvel a Célio Rivelino Moraes e Andréia da Cunha Barcelos Moraes (fls. 18/21).

assim decidiu:

Ao apreciar o pedido de alvará, a MM. Juíza a quo

“.  3. Sem prejuízo, a fim de regularizar a situação do imóvel residencial, situado na Rua 5 nº 409, Conjunto Habitacional Aniceto Carlos Nogueira, o bem deverá fazer parte das declarações e plano de partilha, porque ainda se encontra em nome da falecida e seu cônjuge, devendo o inventariante proceder ao aditamento, no prazo de 15 (quinze) dias. Após o aditamento, deverá ser lavrado termo de cessão de direitos hereditários em favor da última compradora, devendo comparecer em cartório os herdeiros e cessionários para a assinatura do termo…

Contra essa decisão foram opostos embargos de declaração, sobrevindo a r. decisão agravada nos seguintes termos:

“…não se reconhece a transferência de bem imóvel, senão após o seu registro, conforme disposto no art. 1.227 do Código Civil segundo o qual ‘os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código’. Dessa forma, a inclusão de bem imóvel que compõe o espólio nas declarações é medida que se impõe, a fim de que seja inventariado e recolhido o imposto devido, se o caso…”

Respeitado entendimento contrário, a r. decisão não pode prevalecer.

Com efeito, extrai-se dos autos que em 01/05/1992, o imóvel foi transmitido à falecida Ana Maria e seu marido Sérgio, por meio de promessa de venda e compra celebrado com a Companhia de Habitação popular de Bauru – COHAB/BAURU, com gravame de hipoteca em favor da Caixa Econômica Federal.

Ao celebrarem o contrato particular de cessão de compromisso de venda e compra, em 07/01/1993, constou expressamente  daquele instrumento que os cessionários comprometeram-se ao pagamento das parcelas da hipoteca junto ao agente financeiro (cláusula quinta – fl. 23).

Após determinação desta Relatora, o inventariante agravante comprovou, pelos documentos de fls. 50/51 e fl. 54, a regular quitação e a liberação da hipoteca, inexistindo qualquer outro gravame pendente sobre o imóvel em questão. Logo, com a quitação do preço perante os cedentes e perante o agente financeiro, não se vislumbra qualquer óbice à outorga da escritura aos cessionários.

Além disso, tendo em vista que a cessão de direitos sobre o bem foi realizada antesdo falecimento, o imóvel não integra o acervo hereditário e, portanto, não há necessidade de que seja inventariado e partilhado, sendo suficiente a autorização para que seja cumprida a obrigação de outorgar a escritura.

Por essas razões, considerando que o alvará não se destina à venda do bem, caso em que o produto da venda seria revertido ao Espólio em patrimônio partilhável, não há que se falar em burla à arrecadação do respectivo imposto de transmissão.

Por fim, a outorga poderá ser realizada diretamente pelos cedentes aos cessionários finais, considerando que a cessão intermediária também não foi registrada na matrícula, não acarretando, portanto, violação à continuidade registrária.

Nesse sentido é a jurisprudência desta e. Corte:

APELAÇÃO – ALVARÁ – Pedido de alvará judicial para possibilitar a outorga de escritura definitiva – Compromissos de compra e venda não registrados – Pedido que não ofende o princípio registrário da continuidade – Sentença anulada – Recurso prejudicado.” (Apelação nº 0002183-46.2013.8.26.0338, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J.B. PAULA LIMA, j. 29/11/2016);

Agravo de Instrumento em arrolamento sumário – Insurgência contra a decisão que determinou a juntada do comprovante do protocolo do ITCMD junto ao posto fiscal ou que fosse comprovada a isenção do pagamento do tributo – Não incidência do imposto no caso em comento, vez que o bem não integra o acervo hereditário – Bem alienado em vida pela ‘de cujus’ e seu falecido marido – Precedente do C. STJ – Decisão reformada – Recurso provido.” (Agravo de Instrumento nº 2142156-55.2015.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J.B. Paula Lima, j. 15/12/2015);

Alvará – Escritura definitiva a ser outorgada pelos espólios – Cessões de direitos por meio de compromissos de compra e venda não registrados – Não violação ao princípio da continuidade registrária – Possibilidade da outorga da escritura – Recurso provido.” (Apelação nº 0021053-77.2013.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fábio Quadros, j. 26/03/2015);

Inventário. Determinação de recolhimento ou comprovação de isenção do ITCMD. Alienação e quitação do preço antes do falecimento. Imóvel não integra o patrimônio do “de cujus”. Não incidência de ITCMD. Expedição de alvará a ser apreciada em primeira instância. Recurso parcialmente provido.” (Agravo de Instrumento nº 2208016-37.2014.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, j. 20/02/2015);

Inventário. Alvará para outorga de escritura. Bem alienado pela própria falecida anos antes de seu falecimento. Recolhimento do imposto “causa mortis”. Descabimento. Imóvel que não mais integra o acervo hereditário. Precedentes jurisprudenciais. Decisão reformada. Recurso provido.” (Agravo de Instrumento nº 0097938-44.2013.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Joaquim dos Santos, j. 17/09/2013).

Em conclusão, é caso de acolhimento do pedido formulado pelo agravante, para expedição do alvará judicial para autorizar a outorga da escritura definitiva de compra e venda do imóvel descrito nas primeiras declarações.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

ANGELA LOPES

Relatora

Fonte: 26º Tabelionato de Notas | 26/04/2018.

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TJ/SP impede distrato de imóvel financiado com alienação fiduciária

Para o TJ/SP não cabe à construtora rescindir os contratos nem ser responsabilizada pela restituição de valores que já tenham sido pagos. A discussão, que envolve imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida, deve ser entre o cliente e o banco que emprestou o dinheiro

Nem todos os contratos de compra e venda de imóveis na planta podem ser rescindidos. Os chamados distratos vêm sendo vetados pelo Judiciário nos casos em que o comprador optou pelo financiamento bancário desde o período de construção e, na busca por juros mais baixos, assinou cláusula prevendo alienação fiduciária – quando o bem fica em propriedade do financiador até o pagamento total da dívida.

A lógica é a de que o imóvel está quitado e no nome do banco. Ao comprador é permitida a posse, até que termine de pagar todas as parcelas que são devidas. Por isso, para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), não cabe à construtora rescindir os contratos nem ser responsabilizada pela restituição de valores que já tenham sido pagos. A discussão, que envolve imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida, deve ser entre o cliente e o banco que emprestou o dinheiro.

Havia dúvida e decisões divergentes sobre esse assunto até pouco tempo. Com a crise no setor imobiliário vieram os milhares de processos de clientes interessados em romper os contratos de compra de imóveis na planta. Seja porque não tinham mais como pagar, seja por acreditarem que, como os preços baixaram, haviam feito um mau negócio.

Para definir a restituição dos valores aplicava-se, na maioria das vezes, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Os compradores moviam as ações contra as construtoras e incorporadoras e conseguiam ter de volta até 90% do que foi pago. Havia decisões nesse sentido tanto aos financiamentos comuns, feitos diretamente com as empresas, como aos que previam a alienação fiduciária, firmados com os bancos.

“Os juízes entendiam que para o consumidor é tudo uma coisa só. Então, a construtora era obrigada a rescindir o contrato, devolver o dinheiro e depois, se quisesse reaver o prejuízo, teria que se entender com o banco”, diz o advogado Rodrigo Iaquinta, do Braga Nascimento e Zilio Advogados.

Rodrigo Iaquinta viu o jogo virar recentemente, como representante de uma incorporadora em um desses processos. O cliente tinha financiamento com alienação fiduciária concedido pela Caixa Econômica Federal e havia ingressado com ação somente contra a incorporadora. Ele pedia para rescindir a compra do imóvel e ter de volta todas as parcelas pagas.

O caso foi julgado pela 27ª Vara Cível de São Paulo (processo nº 1093621-35.2017.8.26.0100). O juiz Vitor Frederico Kümpel determinou a inclusão da Caixa no processo e, por se tratar de instituição federal, mandou que os autos fossem encaminhados para julgamento no Tribunal Regional Federal (TRF).

Na segunda instância também tem sido proferidas decisões pela impossibilidade dos distratos. Há entendimento na 6ª e na 7ª Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em um dos casos (processo nº 10273 97-42.2016.8.26.0071), o consumidor havia conseguido decisão favorável na primeira instância.

Para o relator, o desembargador Rodolfo Pellizari, no entanto, o comprador não teria mais como devolver o imóvel porque ele já não era mais o proprietário. “Consta averbado o contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia, em que o comprador transferiu a propriedade do imóvel ao banco, ficando apenas com a posse”, afirma em seu voto.

O desembargador acrescenta no voto que, para a rescisão ser possível, o comprador deveria primeiro quitar integralmente o contrato com o banco e recuperar a propriedade do imóvel para então devolvê-la para a vendedora.

Luis Rodrigo Almeida, do escritório Viseu Advogados, entende que só seria possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a esses casos se não existisse uma lei específica para regular a alienação fiduciária. “Mas existe, é a de nº 9.514, de 1997”, diz. “A alienação fiduciária protege o mercado imobiliário como um todo. Ela tem regras específicas, céleres e ocorre de forma extrajudicial, o que faz a taxa de juros ser mais baixa”, acrescenta.

O advogado chama a atenção, no entanto, que os financiamentos desde o período de obras só são possíveis, junto aos bancos, nas compras referentes ao programa Minha Casa, Minha Vida. Nos demais são permitidos só depois de emitido o Habite-se. Ou seja, nesses demais casos, como ainda não há envolvimento com o banco, os distratos são possíveis e devem ser discutidos diretamente com as incorporadoras e construtoras.

Nos contratos com alienação fiduciária, porém, o banco não aceita o imóvel de volta. O que pode acontecer é ele tomar o bem se o comprador deixar de pagar. E, nessas situações, o trâmite costuma ser bastante rápido e sem garantias de que o cliente vá receber os valores que já havia pago. “O banco não negocia, ele manda o imóvel para leilão”, frisa o advogado Marcelo Tapai, sócio do Tapai Advogados.

Se o comprador deixar de pagar três parcelas consecutivas, explica Tapai, o banco encaminha uma notificação via cartório e o comprador tem 15 dias para pagar todo o atrasado. Se não pagar, é feita a consolidação da propriedade, de forma extrajudicial – também em cartório – e o primeiro leilão ocorre em 30 dias. Se o imóvel não for arrematado, um segundo leilão é marcado para os próximos 30 dias e o imóvel pode ser vendido pelo valor da dívida (desde que não seja inferior a 60% do valor de avaliação).

Do total arrematado o banco desconta a dívida (valor que faltava para quitar o bem) e a taxa do leiloeiro. O que sobrar, se sobrar, é devolvido ao comprador que deixou de pagar. Por isso não há garantia de que haverá devolução.

A alienação fiduciária, nesse sistema que envolve os contratos imobiliários, é tema de um recurso extraordinário (RE 860.631) que teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro. No caso, que envolve um comprador e a Caixa Econômica Federal, discute-se a constitucionalidade da execução extrajudicial dos contratos.

Uma das alegações é a de que ficam comprometidos o amplo acesso ao contraditório e o direito de defesa. O resultado do julgamento deverá ser replicado pelas instâncias inferiores a todos os casos que tratam do mesmo tema.

Fonte: IRIB – IBRAFI | 26/04/2018.

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