Número do processo: 1008636-63.2017.8.26.0576
Ano do processo: 2017
Número do parecer: 375
Ano do parecer: 2017
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1008636-63.2017.8.26.0576
(375/2017-E)
Indisponibilidade de bens determinada em liquidação extrajudicial – Imóvel posteriormente arrematado em alienação judicial – Pretensão do arrematante de ordem do MM. Corregedor Permanente, para levantamento da indisponibilidade – Impossibilidade de atendimento do pleito – O pedido de levantamento somente pode ser formulado ao órgão que solicitou a restrição – Distinção entre cancelamentos direto e indireto da indisponibilidade – Parecer pelo desprovimento do recurso.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Cuida-se de recurso interposto em face de r. sentença que indeferiu pedido de ordem para levantamento de indisponibilidade de bem, decretada em liquidação extrajudicial. Sustenta a recorrente haver arrematado o bem em hasta judicial, o que fulminaria a indisponibilidade, de modo que o cancelamento da averbação respectiva seria de rigor.
O Ministério Público opinou pelo desprovimento.
É o relatório.
Consoante se verifica de fls. 7, o decreto de indisponibilidade do imóvel em pauta teve origem em liquidação extrajudicial. Partiu, pois, muito provavelmente (à míngua de precisa informação nos autos), do Banco Central do Brasil. Esta E. CGJ limitou-se a comunicar a respectiva ocorrência ao MM. Corregedor Permanente, que, a seu turno, está incumbido de oficiar ao Cartório de Registro de Imóveis, para averbação.
Por cediça jurisprudência desta E. CGJ, bem como do C. CSM, o decreto de indisponibilidade obsta apenas alienações voluntárias do bem. Não impede, porém, alienações forçadas. Assim é que eventual carta de arrematação comportará registro.
E a arrematação do bem implica cancelamento indireto da indisponibilidade. Significa dizer que o arrematante poderá aliená-lo sponte própria, haja vista não ser o destinatário da ordem de indisponibilidade.
O registro da arrematação, todavia, não acarretará automático cancelamento direto da restrição, que seguirá averbada, até que o órgão que a decretou solicite cancelamento.
A distinção entre cancelamentos direto e indireto veio precisamente delineada em parecer dos Ilustres Juízes Assessores Álvaro Mirra e Vicente Amadei:
Como bem lembrado pelo ilustre Oficial Registrador autor da consulta, Dr. Flauzilino Araújo dos Santos, constitui entendimento firmado pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura, a partir de acórdãos relatados pelo eminente Desembargador Dínio de Santis Garcia, então Corregedor Geral da Justiça (Apelações Cíveis ns. 13.838-0 e 15.296-0/4 j.03.08.1992), o de ser possível o registro de cartas de arrematação ou de adjudicação expedidas em ações de execução, independentemente do cancelamento direto e autônomo dos registros de penhoras, arrestos e sequestros anteriores.
Isso porque, segundo tal orientação, fundada na doutrina de Afrânio de Carvalho, são duas as espécies de cancelamento das inscrições imobiliárias: uma direta, dependente de assento negativo; outra indireta, consistente na ressonância de inscrições subsequentes sobre as anteriores. O registro de arrematações e adjudicações está incluído, precisamente, nesta última modalidade de cancelamento – ‘indireto’ –, já que, a arrematação e a adjudicação têm força extintiva de onerações pessoais e reais, trasladando-se, especialmente no caso da arrematação, o vínculo da penhora para o preço da aquisição do bem.
E é exatamente por se referir ao denominado ‘cancelamento indireto’ de inscrição imobiliária que se torna desnecessária a elaboração de assento negativo de penhoras, arrestos e sequestros antecedentes, exceção feita à hipótese de registro de hipoteca.
Pertinente transcrever, neste passo, trecho de um desses venerandos acórdãos que tiveram voto condutor da lavra do eminente Desembargador Dínio de Santis Garcia:
‘Quanto ao modo, são duas as espécies de cancelamento das inscrições imobiliárias: uma: direta, dependente de assento negativo; outra: indireta, consistente na ressonância de inscrições subsequentes sobre as anteriores (cfr. AFRÂNIO DE CARVALHO, ‘Registro de Imóveis’, 1977, pág. 158).
Assim, o registro da arrematação (para o caso, o da adjudicação) não reclama o cancelamento direto e autônomo do registro das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova. Isso se dá porque a arrematação (aqui: a adjudicação) tem força extintiva das onerações pessoais e até mesmo das reais (cfr. artigo 251, II, Lei n. 6015, de 31 de dezembro de 1973; AFRÂNIO DE CARVALHO, op. cit., pág. 83), e da extinção do direito é que deriva a admissão de cancelamento do registro que lhe corresponda (RIFA SOLER, ‘La anotación preventiva de embargo’, 1983, págs. 510 e ss.). O vínculo da penhora traslada-se para o preço da aquisição, sobre o qual concorrem os credores (LOPES DA COSTA, com apoio em DÍDIMO DA VEIGA e CARVALHO SANTOS, ‘Direito Processual Civil Brasileiro’, 1947, IV, pág. 169).
Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo, salvo quanto à hipoteca, em vista da necessidade de qualificar-se pelo registro a ocorrência – que não é automática – da causa extintiva segundo prescreve o artigo 251, II, da Lei n. 6.015, citada’. (Ap. Cív. 13.838-0, j. 24.02.1992).” (Protocolado CGJ n° 11.394/2006 (238/06-E), Des. Gilberto Passos de Freitas, DJ 20/7/06)
Outro parecer, agora da lavra do Ilustre Juiz Assessor Swarai Cervone de Oliveira, bem discorreu acerca da impossibilidade de se determinar levantamento da averbação nesta sede:
Tal como se dá com as averbações de penhoras, uma vez arrematado o bem, cabe ao arrematante buscar o levantamento das constrições perante os juízos que as determinaram. Esse já era o entendimento da Corregedoria Geral da Justiça ao tempo em que se entendia a arrematação como modo originário de aquisição.
Não se obsta a arrematação de bem declarado indisponível, conforme decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n 512.398, Relator Ministro Félix Fischer:
“Tenho contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao § 1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.”
Porém, a ordem judicial – do juízo da origem – mostra-se imprescindível para o cancelamento direto da indisponibilidade, já que determinada pelo Juízo da 12ª Vara Federal de São Paulo (e não exatamente por Comissão Parlamentar de Inquérito, conforme se pode ver da AV. 9, da Matrícula 148.846, à fl. 166), no exercício regular da jurisdição, não cabendo sequer ao Juiz Corregedor Permanente ou a esta Corregedoria Geral de Justiça, no exercício de atividade meramente administrativa, deliberar a respeito. Como se sabe, no sistema jurídico constitucional brasileiro, admite-se que os atos dos demais Poderes do Estado – legislativos e administrativos – sejam revistos pelos juízes, no exercício da jurisdição, mas o contrário, ou seja, a revisão dos atos jurisdicionais dos juízes pelas autoridades legislativas ou administrativas, isso não se admite (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, vol. I, p. 310).
Em resumo, não cabe, na via administrativa, determinar o cancelamento da averbação da indisponibilidade. Somente a autoridade de onde ela emanou pode fazê-lo. A 1ª Vara de Registros Públicos nada mais fez, à época, após ser instada pela Corregedoria Geral da Justiça, do que cumprir a determinação judicial da 12ª Vara Federal.” (PROCESSO N° 2015/21245, Des. Elliot Akel, DJ 12/6/15)
Por fim, Vossa Excelência seguiu idêntico entendimento, em v. acórdão que culminou com as seguintes conclusões, de todo pertinentes à hipótese vertente:
“Portanto, daí decorrem as seguintes conclusões: a) a arrematação, forma de alienação forçada do bem e de aquisição derivada da propriedade, pode ser levada a cabo e registrada não obstante a indisponibilidade (essa impede, apenas, a alienação voluntária); b) registrada a carta de arrematação, ocorre o cancelamento indireto das penhoras e, portanto, afasta-se a indisponibilidade; c) tornando-se o bem disponível, ele pode ser alienado pelo arrematante, razão pela qual a escritura de venda e compra posterior pode ser registrada; d) cabe ao proprietário, se assim o desejar, providenciar o cancelamento direto das penhoras, perante os Juízos de onde elas provieram.” (Apelação nº 0019371-42.2013.8.26.0309, DJ 26/7/17 – o grifo não consta do original)
Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.
Sub censura.
São Paulo, 1º de novembro de 2017.
Iberê de Castro Dias
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 07 de novembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: KERLI CRISTINA SOARES DA SILVA, OAB/SP 226.598 e JOSE LUIS DELBEM, OAB/SP 104.676.
Diário da Justiça Eletrônico de 29.11.2017
Decisão reproduzida na página 304 do Classificador II – 2017
Fonte: INR Publicações.
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