CSM/SP: Registro de Imóveis – Registro de loteamento – Ação penal ajuizada contra o ex-proprietário do imóvel e atual sócio administrador da empresa titular de domínio da área – Crime contra o patrimônio – Art. 171, § 3º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal – Valores consignados na denúncia que não representam risco patrimonial aos adquirentes dos lotes – Pagamento do débito fiscal que deu origem à ação penal – Situação excepcional que autoriza o registro pretendido do loteamento – Dá-se provimento ao recurso para determinar que o procedimento de registro do loteamento prossiga na forma da Lei nº 6.766/79.


  
 

Apelação Cível nº 1003311-21.2019.8.26.0291

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003311-21.2019.8.26.0291
Comarca: JABOTICABAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003311-21.2019.8.26.0291

Registro: 2020.0000413369

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003311-21.2019.8.26.0291, da Comarca de Jaboticabal, em que é apelante F. E. J. LTDA., é apelado O. DE R. DE I. T. E D. E C. DE P. J. DA C. DE J..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para determinar que o procedimento de registro do loteamento prossiga na forma da Lei nº 6.766/79, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003311-21.2019.8.26.0291

Apelante: F. E. J. Ltda.

Apelado: R. DE I. T. E D. E C. DE P. J. DA C. DE J.

VOTO Nº 31.149

Registro de Imóveis – Registro de loteamento – Ação penal ajuizada contra o ex-proprietário do imóvel e atual sócio administrador da empresa titular de domínio da área – Crime contra o patrimônio – Art. 171, § 3º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal – Valores consignados na denúncia que não representam risco patrimonial aos adquirentes dos lotes – Pagamento do débito fiscal que deu origem à ação penal – Situação excepcional que autoriza o registro pretendido do loteamento – Dá-se provimento ao recurso para determinar que o procedimento de registro do loteamento prossiga na forma da Lei nº 6.766/79.

1. Trata-se de apelação interposta por F. E. J. Ltda. contra r. sentença que manteve a recusa do registro do loteamento a ser implantado no imóvel objeto da matrícula nº (…) do R.I.(…) em razão de ação penal, por crime contra o patrimônio, em que figura como réu o exproprietário do imóvel e atual sócio administrador da empresa titular de domínio da área.

A apelante alega, em suma, que o registro do loteamento foi recusado em virtude do mero ajuizamento de ação penal contra o ex-proprietário do imóvel e atual sócio administrador da empresa titular de domínio da área, sem exame da potencial existência de risco aos futuros adquirentes dos lotes. Aduz que o loteamento foi aprovado pelos órgãos competentes e que se encontra com todas as obras de infraestrutura finalizadas. Afirma que a ação penal referida pelo registrador (Processo nº 0003289-21.2015.403.6102, em curso perante a 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de (…)) é decorrente de débito fiscal, objeto da ação de execução fiscal ajuizada pela União – Fazenda Nacional contra (…) (Processo nº 0009876-25.2016.403.6102, em curso perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de (…)). Esclarece que, na referida ação de execução fiscal, foi indicado à penhora o imóvel objeto da matrícula nº (…)do Oficial de Registro de Imóveis de (…), cujo valor é suficiente para saldar o débito em questão. Ressalta que para integralização do capital social da empresa, D.L.B. ofertou dois outros imóveis e que, além disso, é proprietário de mais vinte e oito imóveis, o que comprova a existência de lastro patrimonial para suportar eventual responsabilização no âmbito cível e criminal, bem como a ausência de risco aos futuros adquirentes dos lotes. Acrescenta que tanto os sócios, quanto a própria empresa não possuem dívidas, exceto aquela objeto da referida ação de execução fiscal, já garantida por penhora. Por fim, lembra que o art. 55 da Lei nº 13.097/2015 protege os adquirentes de lotes ao dispor que as alienações não serão objeto de evicção ou de ineficácia, ficando os credores do loteador sub-rogados nos preços ou nos créditos imobiliários decorrentes das vendas realizadas. Pugna, assim, pela reforma da sentença, para deferimento do pretendido registro (fl. 321/333).

A fl. 344/345, a apelante noticia o pagamento do débito objeto da ação de execução fiscal ajuizada pela União – Fazenda Nacional (Processo nº 0009876-25.2016.4.03.6102 da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de (…)), apresentando os documentos a fl. 346/357.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 375/377).

É o relatório.

2. O registro do loteamento “J.S.” foi negado com base no disposto no art. 18 da Lei nº 6.766/1979, porque D.L.B., sócio administrador da apelante e proprietário anterior do imóvel, figura como réu em ação penal por crime contra o patrimônio, nos termos da nota de devolução elaborada pelo Oficial registrador (fl. 27).

As certidões a fl. 93/94 e 308/309 demonstram que o imóvel objeto da matrícula nº (…) do R.I.(…)  foi de propriedade de D.L.B.,, que o transferiu à apelante a título de conferência de bens para integralização do capital social.

Por sua vez, os documentos a fl. 151/154 comprovam que o anterior proprietário do imóvel e sócio da apelante, atual titular de domínio, foi denunciado em ação penal em trâmite perante a 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de (…) (Processo nº 0003289-21.2015.4.03.6102), como incurso, em tese, nas sanções do art. 171, § 3º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal.

No mais, ficou provado o pagamento do débito objeto da ação de execução fiscal ajuizada pela União – Fazenda Nacional contra D.L.B.,(Processo nº 0009876-25.2016.4.03.6102), em curso perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de (…) (fl. 346/357) que, segundo consta, teria dado origem à ação penal apontada pelo registrador como óbice ao registro do loteamento.

A propósito da obrigatoriedade de se fazer prova da ausência de risco aos adquirentes dos lotes, para além da expressa disposição trazida pelo § 2º do art. 18 da Lei nº 6.766/79, o Item 181 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, vigentes à época da qualificação do título, também previa que:

“Item 181. As certidões de ações pessoais e penais, inclusive da Justiça Federal, e as de protestos devem referir-se ao loteador e a todos aqueles que, no período de 10 (dez) anos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel; serão extraídas, outrossim, na comarca da situação do imóvel e, se distintas, naquelas onde domiciliados o loteador e os antecessores abrangidos pelo decênio, exigindo-se que as certidões tenham sido expedidas há menos de 6 (seis) meses”.

No caso concreto, a apelante está regularmente constituída e registrada na JUCESP, com patrimônio sólido e capital social integralizado (fl. 30/31 e 240/255), não aparentando, por esse enfoque, qualquer risco aos futuros adquirentes.

A gleba foi transferida à apelante para integralização do capital social, em 03 de agosto de 2018, quando não havia qualquer restrição ou constrição sobre o imóvel. Atualmente, também não existe penhora, indisponibilidade ou qualquer ônus inscrito na matrícula da gleba parcelada (fl. 93/94).

Ora, a despeito da ação penal em que D.L.B. figura como réu pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 171, § 3º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal, é possível afirmar que o óbice apresentado pelo registrador não pode resultar em supostos prejuízos aos futuros adquirentes, conforme se depreende da detida análise dos documentos juntados.

Assim se afirma, pois a União – Fazenda Nacional já requereu a extinção da ação de execução fiscal, em virtude do pagamento do débito (fl. 348/349).

Veja-se que a quitação da dívida fiscal constitui fato novo que pode ser considerado no julgamento da dúvida, eis que posterior à sua suscitação.

O procedimento de registro de loteamento envolve a prática de um conjunto de atos que incluem a publicação de edital e a possibilidade de oferecimento de impugnação por terceiro, com instauração de contraditório (art. 19 da Lei nº 6.766/79), o que também permite que se considere fato ocorrido durante seu processamento e que está intrinsecamente relacionado ao motivo da recusa do registro, como ocorre in casu.

Aliás, deveria o registrador, primeiramente, solicitar melhores esclarecimentos sobre a ação penal, inclusive exigindo a apresentação de cópias do processo ou certidão de objeto e pé mais detalhada. Contudo, recusou o registro de plano.

Nesse cenário, considerando as alegações da parte no sentido de que a ação penal diz respeito ao débito fiscal que foi objeto da ação de execução, o pequeno valor referido na denúncia (fl. 350/355) e a prova do pagamento (fl. 346/347), assim como o considerável patrimônio do réu (fl. 256/265), é possível afirmar que não há risco de prejuízo aos futuros adquirentes dos lotes na hipótese de eventual condenação, o que afasta o óbice apresentado ao registro do loteamento.

Em hipóteses semelhantes à versada nos autos, este Conselho Superior da Magistratura, embora em caráter excepcional, vem admitindo, mais recentemente, o registro do loteamento:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Loteamento. § 2° do art. 18 da Lei n° 6.766/79. Item 181 do Capítulo XX das NSCGJ. Ações cíveis contra ex-proprietário de parte da gleba loteada. Ação de improbidade administrativa e ação penal contra ex-sócio da loteadora. Ausência de constrições ou indisponibilidades incidentes sobre a gleba loteada. Ações com garantia do juízo já apresentada. Patrimônios que indicam ausência de risco a futuros adquirentes. Situação jurídica que demanda tratamento excepcional. Precedentes do Eg. CSM. Recurso provido, para julgar a dúvida improcedente” (TJSP; Apelação Cível nº 1002685-02.2017.8.26.0637; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Tupã – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/08/2019; Data de Registro: 20/08/2019).

“Registro de Imóveis – Registro de loteamento – Ações penais movidas contra sócios da exproprietária do imóvel – Crime contra o patrimônio – Art. 168-A, inciso I, do Código Penal – Ações penais suspensas em razão de parcelamentos realizados com fundamento em lei posterior à consolidação dos valores devidos – Valores consignados nas denúncias que são inferiores às das garantias, constituídas pela ex-proprietária do imóvel em favor da Prefeitura Municipal, para o custeio das obras de infraestrutura – Recusa que não decorreu da existência de risco patrimonial aos adquirentes dos lotes – Situação excepcional que autoriza o registro pretendido do loteamento – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente” (TJSP; Apelação Cível nº 0004484-82.2018.8.26.0566; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de São Carlos – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 06/06/2019).

Acrescente-se, por oportuno, que a excepcionalidade da solução adotada no presente caso não é afastada pelo art. 55 da Lei nº 13.907/2015[1], porque não beneficia os adquirentes dos lotes por contratos não registrados.

Por fim, o afastamento do fundamento da recusa previsto na r. sentença não autoriza o imediato registro do loteamento pois não comprovado, nestes autos, que a Prefeitura foi comunicada e que houve publicação do edital conforme previsto no art. 19 da Lei nº 6.766/79.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para determinar que o procedimento de registro do loteamento prossiga na forma da Lei nº 6.766/79.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.


Nota:

[1] Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. (DJe de 16.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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