STJ preserva melhor interesse da criança em decisões recentes sobre adoção e acolhimento


  
 

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ confirmou, na semana passada, uma liminar e concedeu habeas corpus para revogar a decisão que determinou o acolhimento institucional de um bebê de um ano e seis meses, que conviveu desde o nascimento com a mãe registral, passando poucos dias no abrigo. Mesmo havendo indícios de irregularidades na adoção, a transferência para um abrigo, no caso, não seria a solução mais recomendada, em vista ao melhor interesse da criança.

No curso da ação de nulidade do registro civil do bebê, uma decisão do tribunal estadual determinou a suspensão do poder familiar e o acolhimento institucional, por identificar sinais de falsidade nas declarações para o registro de nascimento, bem como suspeita de pagamento pela criança.

O habeas corpus dirigido ao STJ questionou a decisão, sustentando que o acolhimento institucional foi determinado exclusivamente com base em “suposições e deduções oriundas de declarações infundadas” do Ministério Público relativas à falsidade do registro civil. O pedido menciona que a criança não corre risco, que ela sofre por não estar convivendo com a mãe afetiva e que é infundada a afirmação de que teria havido pagamento pelo bebê.

A decisão da presidência do STJ, em regime de plantão, deferiu a liminar para que a criança ficasse com a mãe afetiva até o julgamento do mérito do habeas corpus. A relatora, a ministra Isabel Gallotti, destacou que a criança foi entregue irregularmente para a mãe registral logo após o nascimento. A decisão liminar de acolhimento institucional somente foi proferida quando ela contava com oito meses de vida. Ela observou ainda que a mãe registral e sua companheira estão inscritas no cadastro nacional de adoção e não há menção de risco algum à integridade física e psicológica do bebê.

Retorno de criança a abrigo, em meio à pandemia, seria inadequado

Também na semana passada, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino concedeu liminar em habeas corpus para que um bebê de dois meses, em processo de regulamentação de guarda, fique sob os cuidados do casal guardião durante o período de pandemia do Coronavírus. Em ação de regulamentação de guarda ajuizada pelos atuais guardiões, o juízo da Vara da Infância e da Juventude determinou o acolhimento institucional da criança. Ao analisar o caso, o tribunal estadual considerou não haver flagrante ilegalidade na decisão e manteve o bebê no abrigo.

No habeas corpus impetrado no STJ, o casal alegou que a permanência no abrigo contraria frontalmente os interesses da criança, especialmente diante do cenário ocasionado pela Covid-19. Os guardiões afirmaram que há consentimento da mãe biológica em seu favor e que não se trata de adoção ilegal, pois o bebê foi registrado pela própria genitora, que posteriormente concedeu a guarda de fato aos pais afetivos.

Segundo Sanseverino, o STJ possui entendimento no sentido de que o uso de habeas corpus para defender interesses afetos ao direito de família não é adequado, já que, nesses casos, é preciso fazer uma análise detalhada das provas. Ele ressaltou, entretanto, que existe a possibilidade de concessão do habeas corpus quando a decisão questionada se mostra manifestamente ilegal ou absurda – como na hipótese do bebê de dois meses recolhido ao abrigo no momento de pandemia.

Ainda de acordo com o ministro, nas instituições de acolhimento de crianças e adolescente costuma haver grande fluxo de educadores, voluntários e visitantes, assim como atividades que promovem agrupamento de pessoas. Ele disse que a manutenção do bebê com os atuais guardiões é a medida mais prudente e eficaz para preservar a saúde e a segurança da própria criança.

Impactos da pandemia para crianças e adolescentes em acolhimento

Presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Silvana do Monte Moreira afirma que as duas decisões do STJ se aproximam por priorizar o melhor interesse da criança, preconizado no artigo 227 da Constituição Federal. “Em ambos os julgados, o melhor interesse vem sendo atendido e ambas as crianças estão inseridas no lugar de filhas que são”, avalia.

Segundo Silvana, têm sido diversas as repercussões da pandemia do Coronavírus nos processos de adoção, tais como apadrinhamentos afetivos, colocações em famílias acolhedoras e agilização dos estágios de convivência. “Isso tudo para crianças e adolescentes que aceitam as modalidades de colocação, para comarcas que trabalham com tais modalidades e, ainda, para municípios que implantaram o programa Família Acolhedora – FACO como política pública”, acrescenta a advogada.

Ela aponta, contudo, que a realidade está longe do cenário ideal. “Mesmo se encontrando expresso em lei (parágrafo 3º, artigo 34 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) que o Estado apoiará a implementação de acolhimento em família acolhedora como política pública, essa é mais uma lei que o Governo Federal descumpre, dentre tantas outras”, critica Silvana.

Cuidadores, assim como crianças e adolescentes, também se vêem isolados no atual contexto. “Precisamos ponderar: quem cuida de quem cuida? Esses educadores e cuidadores têm famílias, se expõem em transporte público lotado, com pessoas que acham, por exemplo do próprio Estado, que a pandemia não passa de uma balbúrdia. Situação complexa essa de desserviço, onde as ordens para a manutenção das vidas são publicamente quebradas por quem deve delas cuidar em termos de nação”, ressalta Silvana.

Advogada questiona conceitos de adoção “irregular” e “à brasileira”

Ainda em comentário às decisões recentes do STJ, Silvana do Monte Moreira questiona os conceitos de “adoção irregular”. Ela defende que os interesses de crianças e adolescentes à espera de uma família não fiquem à mercê de formalidades como a ordem da fila de adotantes. “Não quero aqui defender a quebra do sistema, mas a flexibilização com regras, na forma proposta no PL que antecedeu a Lei 12.010/2009”, pondera Silvana.

A discussão perpassa questões culturais do País, de acordo com a especialista. “Não adianta em um país afetivo como o Brasil, com a cultura do filho de criação, tentar reprimir a adoção consensual legítima, pois incentiva-se a ilegitimidade.”

Silvana pontua que, se ocorrer dentro do que se entende como consensualidade, a adoção não será irregular. Ela explica com uma situação hipotética: “Minha manicure tem uma filha que conheço há 15 anos. Se a filha dela engravida e resolve entregar a criança para mim, essa é uma adoção consensual. Contudo, se a mesma manicure for passar férias no interior da Paraíba e lá a filha da prima da vizinha entregar a ela um bebê para ela ‘dar’ no Rio, e caso essa criança seja a mim entregue, essa não será uma adoção consensual”, difere. Há como provar as razões da entrega do primeiro exemplo, ao passo que não há qualquer razão que consubstancia o segundo.

A advogada questiona, ainda, a expressão “adoção à brasileira”, afirmando que a nacionalidade deve ser valorizada, não apequenada ou estereotipada. “Tratando de crime, e não de adoção, já que não se pode macular o instituto da adoção, um dos atos mais sublimes do direito, o artigo 242 do Código Penal estabelece que registrar como seu filho de outrem, dar parto alheio como próprio, com pena de reclusão de 2 anos. Essa prática não é, de forma alguma, confundida com adoção e muito menos pode ter a ela atrelada a nossa nacionalidade”, aponta Silvana.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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