1VRP/SP: Registro de Imóveis. É possível o registro de venda e compra com alienação fiduciária quando o comprador – devedor tem indisponibilidade de bens.


  
 

Processo 1106718-63.2021.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Fabiano Dalbon Batista – – Elisângela Patriota Batista – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JONILSON BATISTA SAMPAIO (OAB 208394/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1106718-63.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: Fabiano Dalbon Batista e outro

Requerido: 9º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Fabiano Dalbon Batista e Elisângela Patriota Batista em face da negativa do Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro de instrumento particular de venda e compra com financiamento bancário garantido por alienação fiduciária, tendo como objeto o imóvel da matrícula n. 159.302 daquela serventia.

O título foi devolvido em razão da existência de ordem de indisponibilidade dos bens do coadquirente Fabiano, oriunda da 6ª Vara do Trabalho de Campinas (Processo n. 01332009820085150093), conforme registro datado de 04/02/2021 sob o n. 9038 no Livro de Indisponibilidade de Bens da serventia (protocolo n. 664243), o que impede a inscrição da garantia fiduciária em favor do Banco Bradesco. O registro do contrato depende, em outros termos, do prévio cancelamento da referida restrição judicial (fl. 55).

A parte requerente alega que não está se desfazendo de bens, mas, ao contrário, está aumentando o seu patrimônio, o que não é proibido pela lei de indisponibilidade; que, ao indeferir o pedido, o Registrador cria ao credor de boa-fé ônus para o qual não deu causa.

Juntou documentos às fls. 03/45.

O Oficial manifestou-se às fls. 49/52, sustentando que o item 412 do Capítulo XX das NSCGJSP impõe aos registradores de imóveis o dever de consultar a CNIB antes da prática de qualquer ato de alienação ou oneração de bens; que o instrumento particular que se pretende registrar representa dois negócios distintos. Para o primeiro (venda feita por Amanda e Antônio a Fabiano e Elisangela), não há óbice ao registro, já que o subitem 412.32 do Cap. XX das NSCGJ autoriza a prática do registro aquisitivo e a imediata constrição do bem, independentemente de consulta aos adquirentes. Porém, o segundo negócio (alienação fiduciária em favor do Banco Bradesco) gera conflito com a indisponibilidade conforme a jurisprudência pacífica do C. Conselho Superior da Magistratura no sentido de que a ordem de indisponibilidade obsta a oneração voluntária do bem (Apel. Cível n. 0009247-50.2017.8.26.03440); que, conforme entendimento exarado por este juízo na dúvida de autos n. 1075541-86.2018.8.26.0100, não cabe cindibilidade do título para inscrição de apenas um dos negócios entabulados; que, todavia, tal posicionamento foi alterado pela E. CGJSP no Rec. Adm. n. 1117050-60.2019.8.26.0100 (Parecer CG 128/2020-E): a indisponibilidade atingiria apenas os direitos do fiduciante e não o imóvel propriamente dito, pelo que autorizou-se consolidação da propriedade em nome do fiduciário ainda que existente indisponibilidade dos bens do fiduciante. Por fim, aduz que, se admitida a inscrição do contrato em sua integralidade, envolvendo os dois negócios jurídicos, a indisponibilidade seria averbada em ato contínuo, nos termos do subitem 412.3 do Capítulo XX das NSCGJ, e atingiria somente os direitos do fiduciante e não o imóvel em si, o que impediria o fiduciante de transmitir seus direitos enquanto não cancelada a restrição; que é favorável à mudança do paradigma lançado no feito de autos n. 1075541-86.2018.8.26.0100, do que decorreria o surgimento de nova exigência: necessidade de se aditar o título para constar ciência do credor acerca da indisponibilidade que será averbada após o registro, com fulcro nos itens 44 e 44.1 do Cap. XVI das NSCGJ e art. 4º do Decreto n. 93.240/86, regulamento da Lei n. 7.433/85, que impõem aos instrumentos particulares os mesmos requisitos aplicáveis aos atos notariais.

Vieram documentos às fls. 53/114.

O Ministério Público opinou pela improcedência, com afastamento do óbice registrário (fls. 118/120).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994).

No mérito, porém, a dúvida não procede. Vejamos os motivos.

A recusa ao registro do instrumento particular de venda e compra com financiamento bancário garantido por alienação fiduciária na forma como apresentado, fls. 07/41, foi amparada em posicionamento deste juízo acerca da impossibilidade de cindibilidade do título para inscrição apenas de um dos negócios entabulados (autos n.1075541-86.2018.8.26.0100), já que é incontroverso que a ordem de indisponibilidade não obsta o registro de venda e compra.

A par disso, o Oficial sustenta que é favorável à superação de tal paradigma em conformidade com posicionamento posteriormente adotado pela E. Corregedoria Geral da Justiça de SP no Recurso Administrativo n. 1117050-60.2019.8.26.0100 (parecer CG 128/2020-E).

O entendimento mais recente da E. Corregedoria Geral da Justiça, acima mencionado, foi exarado em parecer que manteve decisão deste próprio juízo, a qual permitiu a averbação de consolidação da propriedade de imóvel em favor da credora fiduciária em virtude do inadimplemento, a despeito da existência de averbação de indisponibilidade contra a devedora fiduciante.

A solução dada no referido procedimento fundamentou-se na lógica de que não há como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o devedor ainda não detém a propriedade plena, de modo que incabível que tal restrição se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações.

Destacou-se que o entendimento contrário, no sentido de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade, vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária.

A decisão foi mantida no parecer mencionado pelo Oficial (CG 128/2020- E), de lavra do Juiz Assessor da Corregedoria Alberto Gentil de Almeida Pedroso, com aprovação pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Anafe, em solução diversa ao que até então vinha sendo adotado pela E. CGJSP (nossos destaques):

“Entretanto, adentrando na análise do modelo idealizado pela Lei n.° 9.514/97 para alienação fiduciária, não parece existir óbice algum ao ato de consolidação da propriedade em favor do credor, desde que observado o procedimento legal – pois a indisponibilidade não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

(…) O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes.

Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade.

Em reforço, vale trazer à baila posição atual da Jurisprudência sobre o não alcance das ordens judiciais de constrição de bens contra o executado (devedor) em relação as propriedades resolúveis oriundas de alienação fiduciária em favor dos credores fiduciários:

Agravo de Instrumento – Decisão que indeferiu o levantamento de indisponibilidade sobre bem imóvel alienado fiduciariamente – Impossibilidade – Alienação fiduciária anterior à citação do devedor na ação civil pública, bem como, à determinação de indisponibilidade – Ausência de comprovação da má-fé – Constrição que deve recair sobre os direitos derivados da alienação fiduciária – Decisão reformada Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2033445-14.2019.8.26.0000, Comarca: Ubatuba, Agravante: BANCO TRICURY S.A. Agravado: MUNICÍPIO DE UBATUBA, Rel: Drº Jefferson Moreira de Carvalho)”.

A mesma lógica se aplica ao caso concreto.

Isso porque o codevedor Fabiano Dalbon Batista, contra quem recai a ordem de indisponibilidade (fl. 05), não detém a propriedade plena do imóvel em conformidade com o que dispõe a Lei n. 9.514/97 (que instituiu e regulamentou a alienação fiduciária de coisa imóvel), destacando-se o entendimento de que a restrição não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

A indisponibilidade, portanto, não pode se estender à instituição financeira credora fiduciária (Bradesco S.A.).

Diante disso e conforme entendimento do próprio Oficial e do Ministério Público, não se vislumbra, com o registro, qualquer prejuízo aos credores da ação em que declarada a indisponibilidade de bens ou mesmo a terceiros, já que a restrição será averbada em ato contínuo ao registro pretendido, em conformidade com o disposto no item 412.3 do Cap. XX das NSCGJSP.

Em outras palavras, até que a ordem de indisponibilidade seja eventualmente levantada, o coadquirente não poderá transmitir seus direitos durante o financiamento do bem, sendo que, após eventual consolidação da propriedade pela quitação da dívida, também não poderá dispor de sua parte ideal.

Quanto à nova exigência mencionada pelo Oficial (fl. 51, item XIII), além de ser indevida no curso de processo de dúvida, desnecessária é a ciência do credor fiduciário acerca da indisponibilidade que será gravada na matrícula após o registro, considerando que a ordem judicial é anterior ao negócio e alcança todos os direitos da parte devedora, independentemente da concordância ou da ciência de terceiros.

Não há, outrossim, qualquer prejuízo ao credor fiduciário, o qual poderá consolidar a propriedade em seu favor em caso de inadimplemento e continuará obrigado a transferi-la na hipótese de pagamento integral do valor acordado pelo financiamento concedido.

A restrição existe apenas para o devedor fiduciário, o qual não poderá transferir seus direitos nem eventual propriedade a ser adquirida enquanto perdurar a ordem de indisponibilidade, a qual deve ser averbada na forma do item 412.3 do Cap. XX das NSCGJ.

Vê-se, assim, que inexiste qualquer obstáculo ao registro integral do título, sobre o qual incidirão, por óbvio, custas e emolumentos correspondentes.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 25 de outubro de 2021.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 28.10.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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