1VRP/SP: Registro de Imóveis. O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes. Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade.

Processo 1036402-88.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Dialogo Engenharia e Construtora Ltda – – Itanguá Empreendimentos Imobiliários Ltda – Diante do exposto, JULGO PREJUDICADO o pedido no que diz respeito à continuidade do procedimento de execução da garantia de alienação fiduciária, já que reconhecida a ausência de qualquer óbice para tanto, e IMPROCEDENTE o pedido de cancelamento das ordens de indisponibilidade averbadas na matrícula n. 122.315. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CARLA DIAN XAVIER MONTEIRO (OAB 150339/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1036402-88.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: Dialogo Engenharia e Construtora Ltda e outro

Requerido: 10º Oficial de Registro de Imóveis

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelas empresas Diálogo Engenharia e Construtora Ltda e Itanguá Empreendimentos Imobiliários Ltda em face do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, objetivando o cancelamento das indisponibilidades averbadas sob n. 08, 09, 10 e 11 na matrícula n. 122.315 daquela serventia, com continuidade do procedimento extrajudicial de execução da alienação fiduciária referente ao imóvel ali descrito.

A parte requerente alega que firmou com Priscila Savaglia Salatino Feix escritura pública de compra e venda do apartamento n. 52, localizado no 5º pavimento do Residencial Lumina (rua Brentano, n. 401, Lapa, São Paulo), com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, conforme registro efetivado em 23/12/2009 na matrícula n. 122.315 (R-4); que, diante do inadimplemento, requereu a intimação da devedora para pagamento das prestações (Lei n. 9.514/97); que, não localizada pessoalmente a fiduciante, socorreu-se da via judicial a fim de notificá-la; que, neste entretempo, o procedimento se encerrou pelo decurso de prazo (prenotação n. 546.816); que, em 05/11/2021, apresentou novo pedido de intimação da devedora, o qual foi devolvido com a exigência de manifestação acerca das averbações n. 08, 09 e 10, que retratam a indisponibilidade dos bens da devedora Priscila Savaglia (prenotação n.562.121).

Sustenta, ainda, que as indisponibilidades não podem impedir a execução da garantia; que a adquirente é titular de direito aquisitivo de propriedade em suspensão, que só se aperfeiçoará se o débito for pago e a alienação fiduciária extinta; que as indisponibilidades foram averbadas após dez anos do registro da escritura e não poderiam gerar efeitos em relação ao imóvel alienado fiduciariamente, uma vez que não pertence à fiduciante (compradora); que aplicáveis, por analogia, as disposições que regem a impenhorabilidade do bem de família, por permitirem a penhora quando o débito cobrado decorre de impostos, de despesas de condomínio e do saldo devedor da compra do próprio bem (artigo 3º, II e IV, Lei n. 8.099/90); que a indisponibilidade poderia recair sobre o saldo positivo devido à devedora após leilão (artigo 27, §4º, da Lei n. 9.514/97); que a manutenção das indisponibilidades e a negativa de consolidação da propriedade concederia aos terceiros credores um direito maior do que aquele que a devedora possui sobre o imóvel, o que representa enriquecimento sem causa e fraude contra credores; que a alienação fiduciária foi constituída por ato jurídico perfeito, não podendo ser alcançada ou inviabilizada por atos posteriores; que não desconhece o decidido pela E. CGJ no processo n.2005/00167424 (para averbação da consolidação da propriedade se faria necessário o levantamento das constrições); que referido entendimento não enfrentou todas as questões trazidas nestes autos; que a indisponibilidade acaba por impedir o exercício de direitos do proprietário sobre o imóvel, causando grande prejuízo, ainda que se considere que a indisponibilidade não recai sobre o bem, mas sobre os direitos do devedor, conforme precedente desta Vara de Registros Públicos (processo de autos n.1117050-60.2019.8.26.0100). Pretende, assim, o cancelamento das averbações e a continuidade do procedimento de execução da alienação fiduciária (artigos 26 e seguintes da Lei n.9.514/97).

Documentos vieram às fls. 09/131.

O feito foi recebido como pedido de providências tendo em vista o seu objeto. Ademais, constatado o decurso do trintídio legal da última prenotação, determinou-se a reapresentação do requerimento à serventia extrajudicial (fl. 132).

Com o atendimento, o Oficial se manifestou às fls. 138/139, informando que as averbações de indisponibilidade dos bens da devedora na matrícula do imóvel não impedem o prosseguimento da execução da garantia nem a consolidação da propriedade em nome das credoras fiduciárias (artigos 26 e seguintes da Lei n. 9.514/97 e processo de autos n.1106718-63.2021.8.26.0100); que a devolução do requerimento de intimação da devedora se deu apenas para que fosse apresentada declaração de que as credoras estavam cientes da existência das indisponibilidades averbadas; que o óbice foi sanado com a distribuição deste feito. Documentos foram produzidos às fls. 140/213 e 215/216.

O Ministério Público opinou pela parcial procedência, já que eventual cancelamento deve advir da autoridade que decretou a indisponibilidade (fls. 220/222).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o registrador dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/94), o que não caracteriza falha funcional.

Verifica-se, porém, que o Oficial do 10º RI alterou o posicionamento adotado quando da qualificação, reconhecendo que a existência de averbações de indisponibilidade dos bens da devedora não constitui óbice ao regular procedimento da execução da garantia de alienação fiduciária.

De fato, por recaírem as indisponibilidades tão somente sobre os direitos que a devedora possui sobre o bem alienado fiduciariamente, prescindível a manifestação das credoras fiduciárias como condição ao exercício do direito que detêm sobre o imóvel.

Note-se que o entendimento atual da E. Corregedoria Geral da Justiça mencionado pela parte interessada foi exarado em parecer que manteve decisão deste próprio juízo, a qual permitiu a averbação de consolidação da propriedade de imóvel em favor da credora fiduciária em virtude do inadimplemento a despeito da existência de averbação de indisponibilidade contra a devedora fiduciante (Recurso Administrativo n. 1117050-60.2019.8.26.0100 – Parecer CG 128/2020-E).

Note-se que o entendimento atual da E. Corregedoria Geral da Justiça mencionado pela parte interessada foi exarado em parecer que manteve decisão deste próprio juízo, a qual permitiu a averbação de consolidação da propriedade de imóvel em favor da credora fiduciária em virtude do inadimplemento a despeito da existência de averbação de indisponibilidade contra a devedora fiduciante (Recurso Administrativo n. 1117050-60.2019.8.26.0100 – Parecer CG 128/2020-E).

Não há, de fato, como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o fiduciário ainda não possui a propriedade plena, de modo que incabível que tal restrição se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações. Entendimento contrário, no sentido de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade, vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária.

A decisão foi mantida no parecer mencionado, de lavra do Juiz Assessor da Corregedoria Alberto Gentil de Almeida Pedroso, com aprovação pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Anafe, em solução diversa ao que até então vinha sendo adotado (destaques nossos):

“Entretanto, adentrando na análise do modelo idealizado pela Lei n.° 9.514/97 para alienação fiduciária, não parece existir óbice algum ao ato de consolidação da propriedade em favor do credor, desde que observado o procedimento legal pois a indisponibilidade não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

(…) O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes.

Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade.

Em reforço, vale trazer à baila posição atual da Jurisprudência sobre o não alcance das ordens judiciais de constrição de bens contra o executado (devedor) em relação as propriedades resolúveis oriundas de alienação fiduciária em favor dos credores fiduciários:

Agravo de Instrumento – Decisão que indeferiu o levantamento de indisponibilidade sobre bem imóvel alienado fiduciariamente – Impossibilidade – Alienação fiduciária anterior à citação do devedor na ação civil pública, bem como, à determinação de indisponibilidade – Ausência de comprovação da má-fé – Constrição que deve recair sobre os direitos derivados da alienação fiduciária – Decisão reformada – Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2033445-14.2019.8.26.0000, Comarca: Ubatuba, Agravante: BANCO TRICURY S.A. Agravado: MUNICÍPIO DE UBATUBA, Rel: Drº Jefferson Moreira de Carvalho)”.

A mesma lógica se aplica ao caso concreto.

Isso porque a fiduciante, Priscila Savaglia Salatino Feix, contra quem recaem as ordens de indisponibilidade (fls. 211/212), não detém a propriedade plena do imóvel em conformidade com o que dispõe a Lei n. 9.514/97 (que instituiu e regulamentou a alienação fiduciária de coisa imóvel). As restrições, assim, não atingem especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados a ela.

As ordens de indisponibilidade, em consequência, não podem se estender às credoras fiduciárias (Diálogo Engenharia e Construção Ltda e Itanguá Empreendimentos Imobiliários Ltda – R.4 – fls. 209/210), o que afasta qualquer prejuízo a elas, que poderão consolidar a propriedade em seu favor em caso de inadimplemento.

As restrições produzirão efeitos apenas para a devedora fiduciária, a qual não poderá transferir seus direitos nem eventual propriedade que venha a adquirir no caso de eventual extinção da garantia enquanto perdurarem as ordens de indisponibilidade.

Neste contexto, não resta dúvida de que desnecessária era a emissão de nota de devolução para ciência da parte credora sobre a existência de tais gravames.

Como houve reconhecimento da possibilidade de continuidade do procedimento de execução da garantia pelo Oficial, o pedido fica prejudicado nesta parte.

No que diz respeito à pretensão de cancelamento das averbações n. 08, 09, 10 e 11 da matrícula n. 122.315, as quais tratam da indisponibilidade dos bens de Priscila Savaglia Salatino Feix, a conclusão é outra.

Tais indisponibilidades foram averbadas em decorrência de ordens efetivadas por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB, destinada a recepcionar comunicações de indisponibilidade de bens imóveis não individualizados (Provimento CNJ n. 39/2014).

Verifica-se, ainda, que as três primeiras averbações se deram em cumprimento de ordem expedida pelo Grupo Auxiliar de Execução e Pesquisa Patrimonial- GAEPP (TRT da 2ª Região) e a última pelo juízo da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo (respectivamente autos n. 00015643020155020059, 10021781020175020039, 10010434120175020013 e 10011088020175020063 – fls. 211/212).

Ocorre que o cancelamento das averbações deve ser determinado pelo juízo de onde partiram as ordens de indisponibilidade.

Este juízo administrativo, como se sabe, não pode rever ordem de outro juízo.

Neste sentido:

“Pedido de providências – Pedido de declaração de nulidade da averbação de penhora/indisponibilidade de direitos e da averbação da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário do imóvel objeto dos autos – Atos de inscrição impugnados que apenas refletiram cumprimento de ordens judiciais recebidas – Judicialização das discussões que impede a revisão administrativa dos atos registrários – Recurso desprovido” (CGJ Recurso Administrativo n. 1048666-74.2021.8.26.0100 j. 14.03.2022 Corregedor Geral da Justiça Des. Fernando Antonio Torres Garcia).

Em outros termos, as credoras devem recorrer ao juízo de onde advieram as ordens de indisponibilidade para alcançar cancelamento, com posterior averbação na matrícula.

Diante do exposto, JULGO PREJUDICADO o pedido no que diz respeito à continuidade do procedimento de execução da garantia de alienação fiduciária, já que reconhecida a ausência de qualquer óbice para tanto, e IMPROCEDENTE o pedido de cancelamento das ordens de indisponibilidade averbadas na matrícula n. 122.315.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 07 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 09.06.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

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Registro de Imóveis – Retificação de área – Metragem duplicada – Impugnação fundada no ajuizamento de ação de usucapião – Aumento de área que, per si, não configura óbice peremptório à pretensão de retificar – Exercício possessório que refoge ao âmbito da retificação – Ação de usucapião que, por si, não representa impeditivo à pretensão retificadora – Ausência, no caso concreto, de demonstração de que a retificação pretendida é intra muros

Número do processo: 1120962-02.2018.8.26.0100

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 143

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1120962-02.2018.8.26.0100

(143/2021-E)

Registro de Imóveis – Retificação de área – Metragem duplicada – Impugnação fundada no ajuizamento de ação de usucapião – Aumento de área que, per si, não configura óbice peremptório à pretensão de retificar – Exercício possessório que refoge ao âmbito da retificação – Ação de usucapião que, por si, não representa impeditivo à pretensão retificadora – Ausência, no caso concreto, de demonstração de que a retificação pretendida é intra muros – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso interposto por PAULO ANTONIO SARMENTO GONDIM e outra em face da r. sentença de fl. 578/581 que julgou improcedente o pedido de retificação de área descrita na matrícula n.º 34.684 do 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital por entender se tratar de matéria conflituosa que refoge à questão registral, nos termos do §6º do art. 213 da Lei nº 6.015/73, remetendo os interessados às vias ordinárias.

Em suma, sustentam os recorrentes a possibilidade de suspensão do feito diante de questão de prejudicialidade externa; que o imóvel ocupado pela impugnante não se confunde com a área em questão; e que a suspensão do feito busca evitar o dispêndio de maiores gastos para ambas as partes.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso (fl. 624/627).

Endereçado o recurso ao C. Conselho Superior da Magistratura, sobreveio decisão monocrática determinando a remessa dos autos à Corregedoria Geral da Justiça (fl. 629/630).

É o relatório.

Opino.

A hipótese versa sobre requerimento de retificação administrativa de registro imobiliário, fundado no art. 213, II, da Lei nº 6.015/1973, por intermédio do qual pretendem os recorrentes a retificação de área e perímetro do imóvel objeto da matrícula n.º 34.684 do 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Indeferiu-se o requerimento em face da insurgência de Maria Rita Costa, autora da ação de usucapião n.º 0009395-61.2010.8.26.0100, em que pleiteia a declaração de domínio de parte do imóvel retificando (n.º 534 da Rua Jaboatão, Casa Verde).

O procedimento foi encaminhado ao MM. Juízo Corregedor Permanente, que julgou improcedente o pedido de providências (fl. 578/581).

Pois bem.

O imóvel da matrícula n.º 34.684, objeto do pedido de retificação, tem a seguinte descrição:

“Duas pequenas casas e seu respectivo terreno, situados à rua Jaboatão, nºs 534 e 536, antigos nºs 116-A e 118, no 23º Subdistrito-Casa Verde, medindo 10,00 m de frente; por 50,00 m em ambos os lados, da frente aos fundos onde tem a mesma largura da frente, encerrando a área de 500,00m?2;, confinando de um lado com o imóvel nº 524, de outro lado com o imóvel nº 542, ambos da Rua Jaboatão, e nos fundos com o imóvel nº 154 e 164 da Rua Lambari, sendo que anteriormente, confinava de um lado com Antônio de Jesus, de outro lado com Florêncio de Tal, e nos fundos com Herdeiros de Francisco Nicolau Baruel. Inscrito no Cadastro dos Contribuintes da Prefeitura Municipal sob nº 074.057.0081-0”.

De outro lado, no trabalho técnico apresentado para a pretendida retificação consta área total de 1.145,76 m²; (fl. 45/47).

Na retificação do registro o aumento de área não é, de per si, óbice peremptório à pretensão de retificar.

É o que esta Corregedoria Geral da Justiça já teve a recente ocasião de reafirmar:

“…tenha-se que não há limites objetivos previstos na para eventual aumento de área por conta da realização da retificação imobiliária, desde que respeitados os limites geodésicos do imóvel em questão. É que os arts. 212 e 213, da Lei nº 6.015/1973, não estabelecem limites objetivos para a retificação do registro, considerando-se sua função de garantir que este espelha a realidade de fato do imóvel” (Recurso administrativo 1002561-48.2019.8.26.0152, j. 23.1.2020, DJe 30.1.2020, cad. 1 – adm., p. 13; cf. também Rec. Adm. 1011754-07.2019.8.26.0405, j. 16.4.2020, DJe 13.5.2020, cad. 1 – adm., p. 12).

E, de resto, a lição é antiga:

“É curial para a segurança do sistema de registro de propriedade imobiliária evitar que a retificação com aumento de área enseje aquisição irregular. Daí o entendimento de que somente a retificação intra muros – nos limites do título causal – é legítima. E ‘retificação intra muros não é retificação de imóvel murado em todo seu perímetro, mas sim retificação interna (não externa), ou seja, dentro das divisas tituladas e, por isso, nas forças do próprio título de domínio (não além das forças do título)’ (Processo CG nº 141/2006). Porém, não há relação necessária entre aumento nominal da área e transcendência do título: superfície maior, a priori, não implica retificação extra muros. Nesse sentido jurisprudência em matéria de registro imobiliário” (STJ, REsp 716.489-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 8.4.08; TJSP, Ap. Cível nº 344.045-4/9- 00, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 21.9.4; Ap. Cível nº 103.853-4/8-00, 2ª Câmara de Direito Privado, Des. Cezar Peluso, j. 13.2.01). (CGJSP, Processo 67033/2011, j. 23.8.2011).

Se o critério fundamental a se observar, portanto, não é o incremento ou a redução da superfície do imóvel, o que se deve verificar, no caso concreto, é a correspondência entre o que agora apura no curso da retificação e uma situação jurídica que, subsistindo no plano do direito material (= no plano da causa para a aquisição do direito real), ainda está mal descrita nos assentos do ofício de registro de imóveis.

Como se diz no jargão do direito registral imobiliário, essa verificação é feita ao se examinar se a retificação ocorre intra muros, quer dizer, se o imóvel está “(1) precisamente localizado, não havendo dúvidas a este respeito, assim, como (2) identificado(s) seu(s) titular(es), (3) delimitado seus contornos, com a fixação de limites e divisas que (4) preservem, sem desfalque, os imóveis confrontantes e confinantes” (Salles e Salles, loc. cit., p. 450-451).

Tampouco parece representar impedimento à retificação o trâmite de ação de usucapião, por si, observando-se que a questão possessória refoge ao âmbito da retificação e, em eventual procedência da demanda, far-se-ia o desfalque da matrícula retificanda com posterior nova retificação, a fim de fixar o real contorno perimetral remanescente do todo atingido.

Daí porque não há razão para a suspensão do pleito até solução da ação de usucapião ajuizada pela impugnante.

Ocorre que, a despeito do acima consignado, in casu, não se consegue aferir, a partir da documentação encartada à pretendida retificação, ser a mesma intra muros.

Ou seja, não há concreta demonstração de que o registro em questão comporta a área apresentada na planta e no memorial descritivo sem se sobrepor aos registros de imóveis confrontantes.

A expressão intra muros não se relaciona com o exercício possessório, mas diz respeito aos limites tabulares dos confrontantes e vias públicas com que faz divisa.

No caso concreto, a partir do trabalho técnico constante dos autos não se pode afirmar que a retificação será intra muros, não havendo como se afastar, de plano, a coincidência dos imóveis ou a ocorrência de sobreposição de áreas.

Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 11 de maio de 2021.

Leticia Fraga Benitez

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. São Paulo, 18 de maio de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: LUCIANA RIBEIRO ARO, OAB/SP 132.996, MAURÍCIO SANTIAGO MARQUES DOS SANTOS, OAB/SP nº  340.524 e BRUNO FERNANDES FULLE, OAB/SP nº 246.238.

Diário da Justiça Eletrônico de 30.08.2021

Decisão reproduzida na página 082 do Classificador II – 2021

Fonte: INR Publicações

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Procedimento de Controle Administrativo – Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná – Prática de atos em registros de imóveis – Certidões negativas de débito – Lei 8.212/91 – Exigência – Impossibilidade – ADI 394/DF – Precedente do CNJ – PP 0001230-82.2015.2.00.0000 – Corregedorias estaduais – Observância obrigatória – Pedido procedente – 1. Procedimento de Controle Administrativo contra dispositivos do Código de Normas da do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado Do Paraná que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552) – 2. A legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos notários e registradores foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, cuja decisão é de observância obrigatória por todas as Corregedorias estaduais – 3. Ao julgar recurso administrativo no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF foi ampla e tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis, inclusive aquelas previstas pelas alíneas “b” e “c” da Lei 8.212/91 – 4. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF e deste Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, os notários e registradores do Estado do Paraná devem ser abster der exigir a apresentação de certidões negativas de débitos para prática de atos de registros de imóveis – 5. Pedido julgado procedente

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0010545-61.2020.2.00.0000

Requerente: MAXIPAS SAUDE OCUPACIONAL LTDA

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – CGJPR

EMENTA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. PRÁTICA DE ATOS EM REGISTROS DE IMÓVEIS. CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITO. LEI 8.212/91. EXIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ADI 394/DF. PRECEDENTE DO CNJ. PP 0001230-82.2015.2.00.0000. CORREGEDORIAS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. PEDIDO PROCEDENTE.

1. Procedimento de Controle Administrativo contra dispositivos do Código de Normas da do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado Do Paraná que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

2. A legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos notários e registradores foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, cuja decisão é de observância obrigatória por todas as Corregedorias estaduais.

3. Ao julgar recurso administrativo no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF foi ampla e tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis, inclusive aquelas previstas pelas alíneas “b” e “c” da Lei 8.212/91.

4. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF e deste Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, os notários e registradores do Estado do Paraná devem ser abster der exigir a apresentação de certidões negativas de débitos para prática de atos de registros de imóveis.

5. Pedido julgado procedente.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 29 de abril de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representante da Justiça do Trabalho, representante do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

RELATÓRIO

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Maxipas Saúde Ocupacional Ltda. contra dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná (CGJPR) que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

Aduziu que tentou registrar imóvel que lhe foi destinado após a cisão parcial da empresa que figurava como proprietária, no entanto, o ato não foi efetivado em razão da necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos previdenciários da empresa cindida. Sustentou que o Oficial do Registro de Imóveis fundamentou a exigência nos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR.

Argumentou que a condição imposta para o registro do imóvel é inconstitucional, conforme teria decidido o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394. Ressaltou ser esse o entendimento do Conselho Nacional de Justiça assentado no julgamento do Pedido de Providências 0001230-82.2015.2.00.0000.

Reafirmou que os dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR, impugnados neste procedimento, contrariam decisão da Corte Suprema e violam frontalmente os incisos XXXV e LIV, do art. 5º, da Constituição Federal, bem como o princípio da legalidade.

A requerente destacou que a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis depõe contra o livre exercício da atividade econômica e impede o exercício do direito de o contribuinte discutir a validade da norma ou a cobrança do tributo. Assinalou que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da citada exigência e a tese já foi aplicada por este Conselho.

Em caráter liminar, pediu a suspensão dos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR. No mérito, pugnou pela confirmação do provimento cautelar.

Nos termos da decisão Id421885, o pedido cautelar foi indeferido.

A CGJPR apresentou informações no Id 4225388 para registrar que os arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial não condicionam ou exigem a comprovação de débitos tributários. Esclareceu que a redação dos citados dispositivos apenas elenca providências e cuidados que devem ser adotados na realização de atos de registro imobiliário.

Alegou que permanecem vigentes disposições do Código de Normas do Foro Extrajudicial que exigem a Certidão Negativa de Débitos (CND) para a prática de alguns atos extrajudiciais, nos termos do art. 30, inciso IX, da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.

Argumentou que os notários e registradores foram cientificados por meio do Ofício Circular 7, de 9 de janeiro de 2018, acerca de decisão judicial que determinou a inexigibilidade da apresentação de certidão negativa (ou positiva com efeitos de negativa) de débitos tributários, exceto os previdenciários. Assinalou que os oficiais de registro são instruídos a alertar os interessados que optam por não apresentar as certidões acerca da importância da comprovação da quitação para fins de responsabilidade pelo pagamento de eventuais tributos em aberto.

Sustentou que na ADI 394/DF não houve pronunciamento sobre a exigência de comprovação dos débitos previdenciários prevista na Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

Em 3 de fevereiro de 2021, foi proferida decisão que determinou a suspensão do feito até o julgamento definitivo do Pedido de Providências 0001230-82.2015.2.00.0000 (Id4245504). A tramitação dos autos foi restabelecida em 22 de outubro de 2021.

Os autos foram inicialmente distribuídos à então Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim e, em razão do término do mandato da relatora originária, foram redistribuídos à Conselheira que me antecedeu na vaga em 9 de dezembro de 2021.

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

Jane Granzoto

Conselheira

VOTO

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Maxipas Saúde Ocupacional Ltda. contra dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná (CGJPR) que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

O requerente pugna pelo controle de legalidade dos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR ao argumento de que a exigência de comprovação de débitos tributários para operações em registro de imóveis contraria a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF e viola frontalmente os incisos XXXV e LIV, do art. 5º, da Constituição Federal.

A pretensão do requerente comporta acolhimento.

Conforme registrado pela decisão Id4234028, a questão de direito suscitada nos autos, qual seja, a legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos registradores de imóveis foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000.

Ao apreciar recurso administrativo interposto contra decisão monocrática da Corregedoria Nacional de Justiça, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis. Confira-se a ementa do julgado:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. IMPUGNAÇÃO DE PROVIMENTO EDITADO POR CORREGEDORIA LOCAL DETERMINANDO AOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS QUE SE ABSTENHAM DE EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO NAS OPERAÇÕES NOTARIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI N. 8.2012/91. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF). 2. Tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91. 3. Ato normativo impugnado que não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício da competência conferida ao Órgão Censor Estadual para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça local. RECURSO IMPROVIDO.

Embora o PP 0001230-82.2015.2.00.0000 tenha examinado a conduta da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro que determinou aos cartórios fluminenses que se abstivessem de exigir a Certidão Negativa de Débitos (CND) em operações notariais, posteriormente ficou expressamente esclarecido que a deliberação deste Conselho deve ser observada pelas Corregedorias estaduais e não ficou restrita às partes do procedimento, vejamos:

EXTRAJUDICIAL. RECURSO ADMINISTRATIVO NO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ACÓRDÃO PROLATADO PELO PLENÁRIO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA FUNDADO EM PREMISSAS APLICÁVEIS PARA ALÉM DA ESFERA SINGULAR DAS PARTES DESTE PROCEDIMENTO. OBSERVÂNCIA PELOS DEMAIS ÓRGÃOS CORRECIONAIS LOCAIS. DESDOBRAMENTO LÓGICO E CONSEQUENCIAL DA DECISÃO. PLEITO DE EDIÇÃO DE PROVIMENTO. CRITÉRIOS QUE PARAMETRIZAM O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E SEUS ÓRGÃOS QUANDO DO EXERCÍCIO DO SEU PODER REGULAMENTAR. AUSÊNCIA. ARQUIVAMENTO. PEDIDO DE CONSULTA FORMULADO POR CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DE ESTADO. PREJUDICADO. 1. Quando a decisão se firmar em substrato jurídico que transcende a órbita singular das partes de um procedimento, inclusive na hipótese em que tiver sido extirpado do ordenamento jurídico — por decisão do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de constitucionalidade — ato legislativo que estava a lastrear regramento emanado da Justiça dos estados e do Distrito Federal e dos Territórios, a consequência jurídica necessária desse advento material/processual será espraiar efeitos sobre os atos normativos da Justiça de todas as esferas federativas que estiverem erigidos sobre esse mesmo pilar então ceifado. Esse entendimento não se confunde com a deliberada atribuição de eficácia erga omnes ou de efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, por aprovação expressa de recomendação ou de enunciado administrativo, das decisões proferidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se, em verdade, de desdobramento lógico e consequencial das decisões assentadas em fundamentos de tal ordem. 2. Por essa razão, os termos do acórdão prolatado neste Pedido de Providências n.º 0001230-82.2015.2.00.0000 (Id. 2290052) devem ser observados pelas Corregedorias-Gerais da Justiça dos estados e do Distrito Federal e dos Territórios na edição ou na atualização dos atos normativos de suas competências que versem sobre a matéria em debate neste expediente, quais sejam, de que “reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal”; e que “tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91” (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 28ª Sessão Virtual – julgado em 11/10/2017). 3. O Conselho Nacional de Justiça, no exercício do poder regulamentar que lhe confere a Constituição da República de 1988, deve analisar, em cada caso, a necessidade da edição de ato normativo destinado a tratar de certo conteúdo em determinado contexto de tempo e, por essa razão, mediante pedido ou mesmo de ofício, pode tanto reconhecer a necessidade de exercer, em dadas circunstâncias, sua competência legiferante quanto, por outro lado, diferi-la para melhor oportunidade. 4. Recurso a que se nega provimento. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – 92ª Sessão Virtual – julgado em 10/09/2021)

Cumpre anotar que a CGJPR argumentou que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF não declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, de modo que, em sua compreensão, permaneceria válida a exigência da certidão prevista no art. 47, inciso I, alíneas “b” e “c”, da referida lei [1]. Todavia, o ponto suscitado pela CGJPR foi apreciado pelo Plenário deste Conselho no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, tendo sido assinalado que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de norma mais abrangente e, nesta circunstância, não haveria sentido em manter a exigência da Lei 8.212/91. Peço vênia para adotar como fundamento o seguinte trecho do voto condutor no referido Pedido de Providências:

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade do supracitado inciso IV, alínea “b”, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente, de modo que não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF).

Dessarte, se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91.

Nesse contexto, não há fundamento para a CGJPR exigir a apresentação de certidões negativas de débitos tributários nas operações de registro imobiliário, na forma prevista pelos artigos 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR, cuja redação é a seguinte [2]:

Art. 551. O recolhimento de tributos incidentes sobre o ato do registro (ITBI, ITCMD, Funrejus, etc.) e a apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) serão descritos de maneira sucinta na matrícula, com a indicação do número da guia, da data e do valor recolhido e do número da certidão, da data de sua emissão e de seu vencimento.

Art. 552. A Certidão Negativa de Débito expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, referente a todos os tributos federais e à Dívida Ativa da União – DAU por elas administradas, deverá ser validada pelo registrador, com impressão da tela de consulta da CND, que corresponde à sua validação, no verso da certidão.

§ 1º Cabe ao registrador, não ao contribuinte, adotar as providências determinadas no caput.

§ 2º As Certidões Negativas de Débito (CND) obtidas em outras Unidades da Federação deverão ser confirmadas pela serventia, adotando-se o mesmo procedimento do caput.

§ 3º Cópia da CND, já validada, deverá ser arquivada em pasta própria, com folhas numeradas e rubricadas, bem como anotação do ato, livro e folhas em que foi utilizada.

Conquanto a CGJPR tenha afirmado em suas informações (Id4225388) que os dispositivos acima transcritos não condicionam as operações em registro de imóveis à apresentação da Certidão Negativa de Débitos (CND), há que se ponderar que a redação dos artigos 551 e 552 do 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR não é clara e permite interpretações dissonantes.

Com efeito, os dispositivos do normativo da Corregedoria paranaense elencam as certidões negativas expedidas por diversos órgãos públicos a serem apresentadas nas operações de registro imobiliário e tal procedimento conduz ao entendimento de que as CNDs são imprescindíveis à efetivação dos atos registrais.

Ante o exposto e considerando a decisão proferida pelo Supremo Federal na ADI 394/DF e por este Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, julgo procedente o pedido formulado na inicial para determinar que CGJPR  se abstenha de exigir a apresentação de Certidões Negativas de Débitos para operações em registro de imóveis.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

Jane Granzoto

Conselheira

Notas:

[1] Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa:

[..]

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

c) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem móvel de valor superior a Cr$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros) incorporado ao ativo permanente da empresa; (Disponível em http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l8212cons.htm. Acesso em 16 de março de 2022)

[2] Disponível em https://www.tjpr.jus.br/codigo-de-normas-foro-extrajudicial?p_p_id=101_INSTANCE_twMudJDZ cUpA&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2& a_page_anchor=50827519. Acesso em 16 de março de 2022. – – /

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0010545-61.2020.2.00.0000 – Paraná – Rel. Cons. Jane Granzoto – DJ 03.05.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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