Apelação – Testamento – WhatsApp – Invalidade – Caso em que um paciente de Covid-19 estava internado em hospital e nesta condição teria enviado mensagem de WhatsApp para o grupo de sua família, dispondo sobre seus bens – Sentença que não admitiu a validade do suposto testamento e rejeitou o pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento – Inconformismo – Rejeição – Exigência legal de que o denominado testamento excepcional do art. 1.879 do CC contenha a descrição das circunstâncias que dispensariam as formalidades do testamento particular – Dispensa de testemunhas que deve ter motivo bastante – Caso concreto em que o testador tinha atendentes e médicos a sua volta e que poderiam servir de testemunhas da declaração de sua última vontade – Destinatários da mensagem que não são testemunhas – Sentença mantida – Negaram provimento ao recurso.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1021037-74.2021.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante ROSÂNGELA DA SILVEIRA LINO, é apelado MARIA APARECIDA DA SILVA RAPOSO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SALLES ROSSI (Presidente sem voto), BENEDITO ANTONIO OKUNO E CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER.

São Paulo, 30 de setembro de 2022.

ALEXANDRE COELHO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1021037-74.2021.8.26.0602

Apelante: ROSANGELA DA SILVEIRA LINO

Apelado: MARIA APARECIDA DA SILVA RAPOSO

VOTO nº 15946

APELAÇÃO – TESTAMENTO – WHATSAPP – INVALIDADE – Caso em que um paciente de Covid-19 estava internado em hospital e nesta condição teria enviado mensagem de whatsapp para o grupo de sua família, dispondo sobre seus bens – Sentença que não admitiu a validade do suposto testamento e rejeitou o pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento – Inconformismo – Rejeição – Exigência legal de que o denominado testamento excepcional do art. 1.879 do CC contenha a descrição das circunstâncias que dispensariam as formalidades do testamento particular – Dispensa de testemunhas que deve ter motivo bastante – Caso concreto em que o testador tinha atendentes e médicos a sua volta e que poderiam servir de testemunhas da declaração de sua última vontade – Destinatários da mensagem que não são testemunhas – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO

Cuida-se de ação de abertura, registro e cumprimento de testamento, Cuma respeitável sentença que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, por inexistência de testamento.

Inconformada, a autora apela, objetivando a reforma da sentença. Alega que o de cujus formalizou testamento particular via mensagem de whatsapp, em situação na qual se encontrava em internação hospitalar para tratamento de Covid-19, sem poder fazer uso de outro meio para testar a não ser o whatsapp, mediante mensagem enviada no grupo da família e acatada pela herdeira necessária como testamento em favor de terceira pessoa. E que ele morreu sem deixar cônjuge ou descendentes, apenas sua genitora, mantendo com a apelante relação de carinho e respeito, embora sem relacionamento amoroso.

Parecer do Ministério Público em primeira instância pelo desprovimento do recurso.

Manifestou-se a Douta Procuradoria da Justiça pelo desprovimento.

É o breve relatório.

Trata-se de pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento particular que teria sido deixado por H. R.

A respeitável sentença não admitiu o pedido – e julgou extinto o processo sem exame do mérito – em razão de a autora não ter apresentado testamento particular, mas sim mensagem que seria da autoria do autor da herança enviada à família pelo serviço de Whatsapp.

O inconformismo está fundado em que havia um situação extraordinária da pandemia da Covid-19 e o autor da herança se encontrava internado, acometido da grave doença que o levou a óbito. E como ele estaria isolado dos familiares e demais pessoas, para se evitar contágio da doença, a apelante afirma que não havia outro modo de testar a não ser pelo Whatsapp, o que deveria ter sido considerado válido, nos termos do artigo 1.879, do Código Civil.

Estabelece tal dispositivo legal que, “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.”

Eis o teor da mensagem que teria sido enviada pelo de cujus:

Oi família…nso deu vou PR uti..queria pedir PR vcs no que puderem dar uma assistência.. assinar algum papel PR ver o o a Rose puder fazer com meu carro…. pr ajudar a Carol..

Pretende a apelante que tal mensagem seja juridicamente aceita como testamento particular.

Segundo a lei – Código Civil, artigo 1.876 – o testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. Se de próprio punho, são requisitos essenciais à validade que seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. E se elaborado por processo mecânico, não pode ter rasuras ou espaço em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

É bem verdade que circunstâncias excepcionais podem justificar a ausência de algumas formalidades essenciais à validade do testamento particular, conforme alegado em apelação. Para tanto, exige a lei que tais circunstâncias sejam declaradas na cédula e que o testamento seja assinado pelo testador, sem testemunhas.

Constar na cédula a descrição das circunstâncias excepcionais é requisito que não foi observado no caso concreto. Isto porque, conforme bem realçado pelo i. representante do Ministério Público, que atuou em primeiro grau, o fato de o testador estar internado com Covid-19 não significa que ele não tinha contato pessoal com os atendentes e médicos que lhe assistiam, os quais poderiam servir de testemunhas de sua declaração de última vontade. Nesse sentido, os familiares, a quem enviada a mensagem, não são testemunhas, mas destinatários da mensagem, isto é, não testemunharam o próprio testador manifestando sua vontade, mas se limitaram a receber uma mensagem daquele usuário do Whatsappsem saber quem a redigiu e quem a enviou.

E como na mensagem não há registro de sua autenticidade – ou de sua assinatura digital – a própria autoria do suposto testamento não pode ser atribuída ao falecido com a segurança que a lei exige em se tratando de manifestação de última vontade, a ser cumpria após o óbito do declarante.

Ademais, a mensagem menciona dois nomes de pessoas distintas – Rose e Carol – ambas mencionadas num contexto de ajuda ou auxílio a ser prestado pela família, mas apenas Rose – Rosangela da Silveira Lino – se apresenta como beneficiária do testamento. E mesmo que petição inicial conste que Carol é filha de Rose e que a intenção era testar em nome de Rose para ajudar Carol, precisava o testador deixar claro quem seria contemplado com o testamento.

Por fim, pertinente a observação trazida no lúcido parecer da Douta Procuradoria: nada impede que a herdeira necessária genitora transfira por negócio inter vivos os bens a quem supostamente o falecido pretendia ajudar.

Ante o exposto, pelo presente voto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

ALEXANDRE COELHO

Relator

(assinatura digital) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1021037-74.2021.8.26.0602 – Sorocaba – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Alexandre Coelho – DJ 04.10.2022

Fonte:  INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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