CSM/SP: Registro de imóveis – Certidão de inteiro teor da alteração de contrato social com integralização de capital social – Imóveis cujos valores venais são superiores aos valores atribuídos no instrumento de aumento de capital social com conferência de bens – Recusa fundada na ausência de manifestação da fazenda estadual, necessária ante a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bens imóveis porque atribuído aos imóveis valores inferiores aos de mercado – Exigência indevida – Apelo provido – Dúvida improcedente.

Apelação nº 1015113-26.2022.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1015113-26.2022.8.26.0577

Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1015113-26.2022.8.26.0577

Registro: 2023.0000064031

ACÓRDÃO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1015113-26.2022.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante GPN SGAVIOLI EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 27 de janeiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL N.º 1015113-26.2022.8.26.0577

APELANTE: GPN Sgavioli Empreendimentos e Participações LTDA

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO N.º 38.909

Registro de imóveis – Certidão de inteiro teor da alteração de contrato social com integralização de capital social – Imóveis cujos valores venais são superiores aos valores atribuídos no instrumento de aumento de capital social com conferência de bens – Recusa fundada na ausência de manifestação da fazenda estadual, necessária ante a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bens imóveis porque atribuído aos imóveis valores inferiores aos de mercado – Exigência indevida – Apelo provido – Dúvida improcedente.

Trata-se de apelação interposta por GPN SGAVIOLI EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. contra r. sentença (fls. 166/167) que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos em promover o registro da integralização de seu capital social, nas matrículas n.os 5.976 e 90.203, conforme a certidão de inteiro teor da Alteração e Consolidação do contrato social apresentada, sob o fundamento de ser necessária a manifestação da Fazenda Pública Estadual a respeito de eventual incidência do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD incidente sobre a diferença entre as avaliações dos imóveis transmitidos e os valores que lhes foram atribuídos no contrato social.

Alega a apelante, em suma, que a transmissão de bens para integralização de capital social configura negócio jurídico oneroso, conforme já entendeu este Conselho Superior de Magistratura, nos autos da Apelação Cível n.º 1002258-19.2020.8.26.0081, julgado em 11 de março de 2021, da Relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Mair Anafe, e de acordo com a Tese fixada para o Tema n.º 796 de repercussão geral apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que incide ITBI (e não ITCMD) sobre eventual diferença de valores do imóvel capitalizado.

Acrescenta que eventual discordância da Fazenda Estadual enseja manifestação em procedimento próprio, não se sustentando a negativa do Oficial, na espécie. Informa que realizou o recolhimento do ITBI sobre o valor venal dos imóveis, e que, acaso houvesse valorização das cotas do sócio que não integralizou o capital da sociedade com os imóveis, haveria isenção quanto ao ITCMD por não extrapolar o valor previsto no artigo 6º, inciso II, alínea “a”, da Lei Estadual n.º 10.705/2000. Por fim, faz referência a outro caso semelhante, em que a exigência anteriormente feita foi superada após os esclarecimentos trazidos ao Oficial, pugnando para que a solução seja a mesma no presente caso.

Requer, portanto, o provimento da apelação, com o julgamento improcedente da dúvida (fls. 172-182).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 198-203).

É o relatório.

Deu-se a recusa do registro pelas seguintes razões exaradas na Nota de Devolução n.º 84866 (fls. 39/40):

“De acordo com a análise do instrumento da empresa GPN Empreendimentos e Participações Ltda foi verificada a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bens imóveis uma vez que foi atribuído aos bens valores inferiores aos valores de mercado, considerado pela Fazenda Estadual como fato gerador. Assim, para possibilitar o registro da integralização será necessária a manifestação da Fazenda Pública Estadual a respeito da incidência ou não do tributo. Base legal artigo 289, Lei 6.015/73, Lei Estadual 10.705/00, CAT 89/2020, de 1/11/2020, RC nº 22070/2020 de 10/08/2020 e 25122/2022 de 14/03/2022 (https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC22070_2020.asp x)”.

Na suscitação da dúvida (fls. 1/9), o Oficial faz referência à certidão de inteiro teor da Alteração e Consolidação do Contrato Social da sociedade GPN SGAVIOLI E PARTICIPAÇÕES LTDA., arquivada na Junta Comercial do Estado de São Paulo JUCESP sob n.º 511.347/22-4, em 3/3/2022, pela qual o sócio José Plácido de Almeida Sgavioli integralizou três bens imóveis para aumento do capital social, sendo dois deles do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos (imóveis de matrículas n.os 5.976 e 90.203), e outro de competência do 2º Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca.

Com a integralização do capital, o sócio José Plácido de Almeida Sgavioli passou a ser titular de 1.692.500 cotas sociais, enquanto o sócio Giovanni Melozi Sgavioli permaneceu com 7.500 cotas.

Os imóveis de matrículas n.os 5.976 e 90.203 foram integralizados por valores inferiores aos venais. Ao primeiro imóvel foi atribuído o valor de R$350.000,00, inferior ao valor venal de R$496.754,61; enquanto ao segundo imóvel foi atribuído o valor de R$190.000,00, igualmente inferior ao valor venal de R$1.188.105,36.

Considerou o Oficial configurado o ato de doação, fazendo referência a entendimento da Fazenda do Estado de São Paulo porque a integralização do capital social com bem imóvel, com atribuição de valor inferior ao valor venal, valoriza o capital social como um todo e, por via reflexa, aumenta ou valoriza a quota dos demais sócios que não integralizam o capital com o bem imóvel.

Nesse sentido, fez referência à Consulta Tributária n.º 25122/2022, que, ao tratar de questão semelhante, concluiu: “…na hipótese de integralização de capital social acima do valor que cabe a cada sócio, sem o correspondente reflexo em sua participação na sociedade, esta Consultoria Tributária entente que pode haver doação de bens ou direitos, portanto sujeita à incidência do ITCMD”.

Mas a dúvida não procede.

A transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, está sujeita à incidência do imposto de transmissão, de competência do Município, nos termos do que estabelece o artigo 156, II, da Constituição Federal.

Vale destacar que há imunidade na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, na transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, “ex vi” do disposto no inciso I do §2º do artigo 156 da Carta Magna.

Então, a integralização de capital social com conferência de bens imóveis é negócio jurídico oneroso que goza da imunidade prevista no inciso I do §2º do artigo 156, da Constituição Federal, ressalvada a exceção prevista no mesmo dispositivo legal. Nos termos do que este Conselho Superior de Magistratura decidiu nos autos da Apelação Cível n.º 1002258-19.2020.8.26.0081, julgada em 11 de março de 2021, e que foi relator o então eminente Corregedor Geral da Justiça, DES. RICARDO MAIR ANAFE, a transmissão de bem para a integralização do quinhão no capital da sociedade constitui negócio jurídico oneroso porque importa na sua retirada do patrimônio do sócio e na transferência ao patrimônio da sociedade que tem personalidade jurídica própria, com a correspondente atribuição ao sócio de quotas proporcionais ao capital integralizado” (grifei).

Tratando-se, pois, de negócio jurídico oneroso, sujeito à competência tributária do Município, a Lei Estadual n.º 10.705/2000, que dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), não enumera como fato gerador nem confere isenção à integralização de capital social.

Relativamente à integralização de bens que excedam o limite do capital social, o Pretório Excelso, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 796.376/SC, de 5 de agosto de 2020, fixou para o Tema nº 796 da repercussão geral a seguinte tese:

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

No julgamento da já mencionada Apelação Cível n.º 1002258-19.2020.8.26.0081, a questão foi bem analisada, valendo a transcrição:

“Conforme a ementa do v. acórdão, sobre o excedente entre o valor de mercado do bem imóvel integralizado e o valor atribuído no contrato social incide o ITBI, o que exclui a exigência de comprovação da declaração e recolhimento, ou isenção, do ITCMD: ‘EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, §2º). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado'(RE 796376, Relator para o Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral Mérito DJe-201, Divulg. 24-08-2020, Public. 25-08.2020 – grifei). Verifica-se no r. voto do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, que foi o redator para o acórdão: ‘Na questão com repercussão geral reconhecida, debate-se o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor desses bens excede o limite do capital social a ser integralizado’. Ainda conforme o v. acórdão, nas hipóteses não abrangidas pela imunidade tributária incide a tributação pelo ITBI: ‘Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas. Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores. O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal. Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma’. Destarte, na interpretação da tese fixada para o Tema nº 796 da repercussão geral impõe-se a conclusão de que a integralização de bens imóveis com valor superior ao do capital subscrito constitui fato gerador do ITBI, o que, reitero, afasta a incidência do ITCMD. Assim decidida a matéria em sede de repercussão geral, para efeito de julgamento do recurso de apelação prevalece a tese fixada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, o que afasta a exigência de comprovação do recolhimento, ou isenção, do ITCMD como requisito para o registro de contrato de integralização do capital social'”.

E o presente caso é semelhante ao que foi apreciado nos autos da aludida Apelação, impondo-se, então, a mesma solução pela improcedência da dúvida.

Ressalve-se que, na situação vertente, o requerente apresentou o comprovante de pagamento do ITBI pelos valores das avaliações fiscais dos imóveis integralizados (fls. 24-30), o que é suficiente para o deferimento dos pretendidos registros.

Aqui deve ser feita a mesma ressalva levada a efeito no precedente invocado, “a decisão da dúvida não impede que a Fazenda do Estado adote as medidas que considerar cabíveis para o lançamento e cobrança de eventual Imposto de Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação – ITCMD, mas em procedimento próprio”.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo e julgo improcedente a dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 23.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Há necessidade de rerratificação do título para que cônjuge do permutante compareça na qualidade de anuente e não de permutante.

Processo 1013611-91.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Marcia Aparecida Bistafa Liu – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar apenas os óbices apontados nos itens 4 e 5 da nota de devolução relativa à prenotação n.589.719 (fls.44/46), mantendo as exigências apontadas nos itens 1 e 2 e observando a não incidência do ITCMD na espécie, sob pena de bitributação. Diante da informação de possível equívoco na efetivação do Registro n.15 da matrícula n.155.782 do 18ºRI (fls.59/60), que aparentemente foi efetivada sem a observância rigorosa dos princípios registrais, intime-se o Oficial do 18º Registro de Imóveis para esclarecimentos no prazo de 15 dias. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JONAS NICANOR FREITAS CHERUBINI (OAB 191751/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1013611-91.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Marcia Aparecida Bistafa Liu e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Márcia Aparecida Bistafa Liu e Liu Huei Liang diante da negativa em se proceder ao registro de escritura de permuta com torna relativa aos imóveis das matrículas n.58.496, n.58.497 e n.136.417 daquela serventia.

A recusa se deu pela necessidade de rerratificação do título para que o cônjuge do permutante Sylvio Reynaldo Bistafa compareça na qualidade de anuente e não de permutante, uma vez que os bens permutados são exclusivos de Sylvio; para afastar contradição em relação ao valor atribuído à parte ideal do imóvel da matrícula n.136.417 e para retificar o valor da torna, pois não correspondente à diferença entre a soma dos bens permutados. Também foi exigida apresentação de decisão judicial específica sobre a base de cálculo do ITBI, uma vez que a informação lançada na guia de recolhimento diz respeito a mandado de segurança no qual foi proferido acórdão em IRDR visando uniformização das decisões proferidas em ações propostas pelos próprios interessados contra a Fazenda Pública.

Documentos vieram às fls. 05/76.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que pouco importa a nomenclatura atribuída à participação do cônjuge do permutante no negócio jurídico que assinou, bastando a expressão de sua vontade pela outorga uxória; que houve transferência dos imóveis da 18ª Circunscrição Imobiliária com base no mesmo título, mas sem a referida exigência; que o valor atribuído ao imóvel da matrícula n.136.417 consta no item quinto, o qual foi utilizado como base de cálculo do ITBI, sendo desnecessária rerratificação porque é permitido às partes convencionarem o preço que desejarem; que o valor indicado no item 4 está correto, cabendo aos permutantes estipularem o valor da torna; que incumbe ao registrador fiscalizar apenas o recolhimento dos tributos devidos, não a correção do valor recolhido (fls. 20/23).

Nestes autos, porém, não foi oferecida impugnação (fl.77).

O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls. 81/83).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que concluir como não conformes à lei.

A qualificação positiva realizada por outro registrador, ademais, não vincula a atuação dos demais.

No mérito, a dúvida procede, ao menos em parte. Vejamos os motivos.

Quanto ao registro pretendido no caso, imprescindível que se observe o princípio da continuidade:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.

Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, p. 254).

Ou seja, o título deve estar em conformidade com o inscrito no registro.

No caso concreto, conforme se vê da escritura pública copiada às fls.25/30, participaram do negócio, como “primeiros permutantes”, Sylvio Reynaldo Bistafa e sua mulher Maria de Lourdes Campos Bistafa e, como “segundos permutantes”, Márcia Aparecida Bistafa Liu e seu marido Liu Huei Liang, para tratar da permuta entre partes ideais de imóveis comuns, relacionados nos itens 4.1 a 4.6, com o objetivo de extinguir condomínio existente.

Conforme os termos negociados, a parte suscitada, que comparece como

“segundos permutantes”, recebeu partes ideais dos imóveis descritos nos itens 4.3 a 4.6, além de uma compensação financeira no valor de R$154.789,71, entregando, em contraprestação, as partes ideais que possuía dos imóveis descritos nos itens 4.1 e 4.2 da escritura (fl.28).

Ocorre que os imóveis das matrículas n.136.417, n.58.496 e n.58.497 do 10º RI, indicados nos itens 4.3, 4.4 e 4.5 da escritura, foram transmitidos aos contratantes Sylvio Reynaldo Bistafa e Márcia Aparecida Bistafa Liu por sucessão hereditária, quando eles estavam casados sob o regime da comunhão parcial de bens (R.6/M.136.417, fl.18; R.3 e R.4/M.58.496, fls.09/10; R.3 e R.4/M.58.497, fls.13/14).

O mesmo ocorreu com o imóvel da matrícula n.155.782 do 18ºRI, indicado no item 4.2 da escritura, que foi adquirido por Sylvio e Márcia em parte por doação com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade e em parte por sucessão hereditária (R.4, Av.6, R.11 e R.14/M.155.782, fls.51/53, 56/57 e 59).

Diante do regime do casamento (artigo 1.659, inciso I, do Código Civil), não há comunicação dos bens recebidos por doação ou sucessão com o patrimônio conjugal, de modo que não existe comunhão entre os denominados permutantes sobre as partes ideais dos imóveis negociados. Em consequência, os respectivos cônjuges devem participar apenas como anuentes, uma vez que não são titulares do patrimônio transferido por meio do título apresentado, o qual deve ser rerratificado para a adequação da qualificação de modo a aperfeiçoar o encadeamento subjetivo dos registros.

Como bem esclareceu o Registrador, não se trata de mera questão semântica sem importância, pois afeta a titularidade do patrimônio que o casal alega estar recebendo em permuta.

Note-se que, diante da exclusividade do domínio pela sub-rogação estabelecida no artigo 1.659, II, do Código Civil, a transferência ao casal de permutantes importa em transmissão indireta, por via oblíqua, ao cônjuge anuente, sem apuração de eventual incidência tributária. É o que equivocadamente se conclui da leitura do Registro n.15 da matrícula n.155.782 do 18ºRI (fls.59/60), que aparentemente foi efetivada sem a observância rigorosa dos princípios registrais e cuja efetivação deverá ser esclarecida, inclusive para eventual retificação.

Observe-se que o mesmo não ocorreu com o imóvel da matrícula n.159.859 do 18ºRI, indicado no item 4.1 da escritura, o qual foi adquirido por venda feita diretamente a todos os ora permutantes (R.2/M.159.859, fls.63/64), o que resulta em comunicação ao patrimônio conjugal de cada casal. Em relação a este imóvel, é possível reconhecer a regularidade do registro via aplicação do princípio da cindibilidade.

O título, portanto, deve ser retificado quanto à qualificação das partes do contrato em relação aos demais imóveis para que possa ser admitido ao fólio real.

A escritura também deve ser corrigida para afastar a contradição na indicação do valor da parte ideal do imóvel da matrícula n.136.417, avaliada em R$198.204,00 na cláusula quarta, onde estão descritos os objetos do contrato (item 4.3, fl.26), mas também avaliada em R$298.722,50 na cláusula quinta, onde as partes dispuseram sobre a distribuição dos bens em permuta.

Tratando-se de elemento essencial do negócio, não pode haver dúvida sobre o preço de cada um dos objetos contratados, sendo insuficiente a verificação do tributo recolhido para confirmação do valor que deve prevalecer: os dados essenciais devem ser extraídos diretamente do título, sem contradições que causem insegurança do registro e independentemente de fatores externos.

É certo que o valor dos bens em transação pode ser atribuído livremente pelas partes, notadamente para fins tributários, como estabelecido pelo STJ ao firmar a tese para o Tema n.1.113 dos Recursos Repetitivos.

Contudo, apenas um valor pode ser admitido e a escritura apresentada indica dois valores distintos para o mesmo bem, o que deve ser corrigido.

Tendo em vista a liberdade das partes para fixar os valores transacionados, o que inclui o valor da compensação financeira para equiparação dos montantes permutados, é possível afastar a exigência apontada no quarto item da nota de devolução copiada às fls.44/46.

De fato, não há irregularidade na estipulação de uma torna complementar insuficiente para cobrir a diferença entre as somas dos valores dos bens permutados.

Todavia, identificada alguma diferença, é importante que o Oficial questione por meio de nota devolutiva, a fim de apurar a existência de eventual vício material por mero erro de cálculo.

Advindo confirmação expressa dos valores estipulados no título, seu registro pode ser admitido.

Por outro lado, a insuficiência da compensação pecuniária destinada à equiparação do valor atribuído aos bens permutados pode caracterizar doação pelo acréscimo patrimonial não oneroso, o que é hipótese de incidência do ITCMD.

Neste ponto, é importante verificar não apenas a diferença de valor entre os bens permutados, como também a extensão do ITBI recolhido, a fim de se confirmar a hipótese de incidência do ITCMD, sem ocorrência de bitributação.

Como se sabe, a transmissão inter vivos de bens imóveis a qualquer título por ato oneroso é hipótese de incidência do ITBI, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal.

Tal incidência compreende a permuta e sua base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos sobre o qual se aplica alíquota de 3%, como dispõem os artigos 171, inciso III, 176 e 180, II, da Consolidação das Leis Tributárias do Município de São Paulo (Decreto n.61.810/2022, cujo anexo foi alterado pelo Decreto n.62.137/2022).

No caso concreto, de acordo com a cláusula quinta da escritura, a parte suscitada entregou seu quinhão nos imóveis indicados nos itens 4.1 e 4.2, cuja soma dos valores venais proporcionais totalizou R$895.278,00, recebendo em troca parte ideal dos imóveis indicados nos itens 4.3 a 4.5, cuja soma dos valores venais proporcionais totalizou R$445.643,76, além de parte dos direitos de promitente comprador do imóvel descrito no item 4.6, cujo valor foi estimado em R$140.054,81.

Diante da diferença de valores, os permutantes avençaram reposição a título de torna no valor de R$154.789,71, cujo recebimento pela parte suscitada foi declarado no título. Esse valor corresponde exatamente à metade da diferença entre as somas dos bens permutados, que seria de R$309.579,43, considerando os valores declarados na cláusula quinta.

Identificada essa diferença na primeira apresentação, houve questionamento pelo Oficial, que também encontrou divergência no valor venal proporcional da vaga de garagem descrita no item 4.5, que seria de R$36.395,12 e não R$33.829,26, exigindo o recolhimento de guia complementar (itens 3 e 4, fls.44/45). Neste último ponto, a exigência foi atendida com a reapresentação (fls.47/48).

Quanto à parte ideal indicada do item 4.3, em que pese a contradição dos valores indicados no título, o que já foi abordado anteriormente, o Oficial informa que o ITBI foi recolhido tomando por base o maior valor (R$298.722,50, fls.40/41).

Nesse contexto, temos que a parte entregou patrimônio no valor total de R$895.278,00 e recebeu em troca patrimônio no valor total de R$588.264,43 (sendo R$298.722,50 do item 4.3; R$113.092,00 do item 4.4; R$36.395,12 do item 4.5 e R$140.054,81 do item 4.6).

A diferença, conforme os valores livremente pactuados pelas partes e considerados como base de cálculo do ITBI, é de R$307.013,57.

Para compensação, as partes acordaram o pagamento de um torna no valor de R$154.789,71, valor ratificado pela parte ao requerer a suscitação da dúvida (fl.21, último parágrafo).

Contudo, resta uma parte que foi acrescida ao patrimônio da parte suscitada sem a respectiva compensação pecuniária, a qual totaliza R$152.223,86 (R$307.013,57 – R$154.789,71). Sobre essa parcela pode incidir o ITCMD.

Não resta dúvida de que a permuta consubstancia negócio oneroso, ao menos em parte, na medida em que envolveu pagamento em dinheiro e troca de patrimônio imobiliário, o que enseja a incidência do ITBI.

Entretanto, o acréscimo patrimonial auferido pela parte que recebeu imóveis de maior valor sem a correspondente compensação financeira caracteriza doação sujeita à incidência do ITCMD.

O E. Conselho Superior da Magistratura já firmou entendimento de que a permuta sem torna configura hipótese de incidência do ITCMD.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna. Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação. Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD. Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias. Óbice mantido. Recurso desprovido” (TJSP; Apelação Cível 1007328-09.2020.8.26.0019; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Americana – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna. Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação. Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD. Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias. Óbice mantido. Recurso desprovido” (TJSP; Apelação Cível 1007778-97.2020.8.26.0100; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 05/06/2020; Data de Registro: 09/06/2020).

O mesmo entendimento foi seguido pela 6ª Câmara de Direito Público (destaque nosso):

“DECADÊNCIA – ITCMD – Não ocorrência – Inteligência do art. 173, inc. I do CTN – Créditos tributários constituídos antes de decorrido o prazo decadencial – Preliminar prejudicial de mérito afastada. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – ITCMD – Alegação de que se firmou contrato de permuta sem torna a título oneroso, de forma a não incidir o imposto estadual – Inadmissibilidade – Autuação baseada nas informações prestadas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física onde foram informadas as transferências de valores a título de doação – Admissibilidade – Doação, todavia, que ocorreu em valor menor ao apurado pela fiscalização – Doação relativa a diferença de valores (venais) entre os imóveis permutados – ITCMD que deve recair sobre esta diferença – Minoração do valor autuado que se impõe – Multa confiscatória – Não observada – Conversão do depósito em renda em favor da Fazenda – Possibilidade após o trânsito em julgado – R. sentença parcialmente reformada – Recursos da autora e da ré parcialmente providos” (TJSP; Apelação Cível 1003390-40.2016.8.26.0053; Relator(a): Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/05/2019; Data de Registro: 31/05/2019).

Por outro lado, houve julgamento em sentido diverso com a seguinte ementa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de permuta de bens imóveis com valores distintos e torna – Negócio jurídico oneroso – ITBI recolhido – Inexistência de fato gerador do ITCMD – Exigência de comprovação do pagamento do imposto estadual afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título” (TJSP; Apelação Cível 1099753-06.2020.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 26/08/2021; Data de Registro: 15/09/2021).

A harmonização desse último precedente com os julgados anteriormente citados é possível com base na existência de torna financeira, a qual confirma onerosidade do negócio.

Porém, essa onerosidade fica restrita à parcela que envolveu permuta de bens e compensação financeira, conforme os valores atribuídos pelas partes, que devem ser admitidos por aplicação da tese firmada pelo STJ para o Tema 1.113 dos Recursos Repetitivos.

Outrossim, acréscimo patrimonial auferido sem compensação financeira deve ser considerado doação, de modo que a mera existência de torna não é suficiente para se concluir pela completa onerosidade do negócio, devendo ela ser suficiente para compensar a diferença entre o valor atribuído pelo título aos bens permutados.

Havendo parcela sem compensação, a qual possa caracterizar doação, sobre ela incide o ITCMD.

Ressalte-se que a base de cálculo do ITCMD deve ser apenas a diferença entre os valores sobre os quais não haja compensação nem tributação pelo ITBI, a fim de se evitar bitributação, que não pode ser admitida.

No caso concreto, todavia, houve recolhimento do ITBI proporcionalmente às partes ideais dos imóveis permutados, tomando-se por base o valor venal de cada um (fls.31/43 e 47/48), pelo que não há margem para a incidência do ITCMD sem que ocorra bitributação.

Assim, na espécie, a comprovação de recolhimento do ITCMD também não pode ser exigida.

Por fim, ainda que vigore para os registradores ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994), a orientação do Egrégio Conselho Superior da Magistratura acerca desta matéria é no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

É neste contexto que a quinta exigência apontada na nota de devolução também pode ser afastada (fl.45): todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação em caso de incongruência. Caso o contribuinte se entenda beneficiado por decisão judicial, informa essa condição ao ente tributante e a própria Fazenda Pública emite guia para recolhimento sem apuração mais cautelosa das informações declaradas, não se pode exigir do registrador uma prudência maior na fiscalização dessas mesmas informações, sendo suficiente a demonstração do recolhimento por meio da guia própria para que se admita o registro. Eventuais diferenças deverão ser perseguidas pelo credor na via própria, com base nos dados de que dispõe.

No caso concreto, o recolhimento do ITBI foi comprovado (36/43 e 47/48), tendo sido o cálculo realizado com base no valor venal para cobrança do IPTU, o que é suficiente para afastar o óbice apontado no item 5 da nota de devolução.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar apenas os óbices apontados nos itens 4 e 5 da nota de devolução relativa à prenotação n.589.719 (fls.44/46), mantendo as exigências apontadas nos itens 1 e 2 e observando a não incidência do ITCMD na espécie, sob pena de bitributação.

Diante da informação de possível equívoco na efetivação do Registro n.15 da matrícula n.155.782 do 18ºRI (fls.59/60), que aparentemente foi efetivada sem a observância rigorosa dos princípios registrais, intime-se o Oficial do 18º Registro de Imóveis para esclarecimentos no prazo de 15 dias.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 21 de março de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 23.03.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

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Consulta – Convenção da Haia – Registro de documento apostilado – Registro de Títulos e Documentos – Escritura Pública – 1. A presente Consulta versa sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção da Haia, perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública – 2. Consulta conhecida e respondida nos termos do parecer ofertado pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

Autos: CONSULTA – 0009075-58.2021.2.00.0000

Requerente: CRISTIANO CARDOSO

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

EMENTA

CONSULTA. CONVENÇÃO DA HAIA. REGISTRO DE DOCUMENTO APOSTILADO. REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. ESCRITURA PÚBLICA.

1. A presente Consulta versa sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção da Haia, perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública.

2. Consulta conhecida e respondida nos termos do parecer ofertado pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta para responder: 1 – O art. 129, 6º, da Lei nº. 6.015/73 é aplicável aos documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia; 2 – Necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas (Relator), Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

Trata-se de Consulta (Cons) formulada por Cristiano Cardoso na qual pretende esclarecer as seguintes questões:

“4.1 é aplicável o art. 129, “6º”, da Lei nº. 6.015/73 para documentos estrangeiros celebrados segundo o protocolo estabelecido na Convenção do Apostilamento da Haia (ratificada através do Decreto nº. 8.660, de 29 de janeiro de 2016), a qual elimina a exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros;

4.2 no caso de aplicabilidade do respectivo dispositivo legal, um documento apostilado, proveniente do exterior, cuja formalização obedece ao protocolo da Haia, deve ser levado a registro junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, anteriormente à sua utilização na elaboração de uma escritura pública?

4.3 Há necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública?”.

Tendo em vista que a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 62/2017, que dispõe sobre a uniformização dos procedimentos para a aposição de apostila, no âmbito do Poder Judiciário, da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, determinei, no Id 4596088, a remessa do presente feito à Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça para parecer.

A Ministra Corregedora aprovou o parecer (Id 4766348) elaborado pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Despacho Id 4766479.

É, em apertada síntese, o relatório.

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

A presente Consulta versa sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção da Haia, perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública. Sobre o tema, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça prestou o seguinte parecer Id 4766348:

“Inicialmente, cabe salientar que o Conselho Nacional de Justiça não se debruça sobre causas individuais, especialmente diante da ausência de repercussão geral sobre elas.

Na mesma toada é o Enunciado Administrativo n. 17 do CNJ, verbis:

‘Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.’

Nesse sentido, infere-se que a consulta veiculada se limita a questão individual, particularizada, com efeito puramente concreto, entretanto, a atuação do CNJ não se coaduna com o julgamento de questões pessoais, desprovidas de interesse social e/ou de repercussão em grau que seja relevante para parcela significativa do Poder Judiciário e/ou da sociedade brasileira.

A teor do disposto pelo art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, cabe ao Conselho Nacional de Justiça o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”.

A propósito, já se disse outrora que o CNJ não julga causas específicas, mas fixa teses em busca de uniformizar a atuação administrativa dos mais diversos tribunais do país. Confira-se o seguinte julgado:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PRECATÓRIOS. PRETENSÃO DE NATUREZA INDIVIDUAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº. 17/2018. DECISÃO MONOCRÁTICA DE ARQUIVAMENTO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – Recurso Administrativo interposto contra decisão monocrática que não conheceu do procedimento, em vista da natureza eminentemente individual da matéria nele veiculada.

II – A atuação constitucional do Conselho Nacional de Justiça objetiva o controle de atos de interesse geral e abstrato dos órgãos do Poder Judiciário. E, assim, não se insere no conjunto de suas atribuições o exame de pretensões de caráter meramente individual, com efeito puramente concreto, conforme prevê o Enunciado Administrativo nº 17/2018 do CNJ.

III – In casu, a temática tratada nos autos, concernente à alteração da ordem de pagamento de créditos específicos contra a Fazenda do Estado de São Paulo, sob a pretensão de reconhecimento de preferência do Requerente, traduz matéria de índole individual, segundo jurisprudência desta Casa, o que confirma o entendimento da decisão recorrida. Precedentes.

IV – Recurso Administrativo conhecido e não provido. (Recurso Administrativo no PP n. 0000461-64.2021.2.00.0000, Rel. Conselheiro Emmanoel Pereira, 88ª Sessão Virtual, julgado em 11/06/2021)

Ocorre que, diversamente, no caso em foco, como já adiantado, o requerente consulta sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção de Haia, junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública.

Assim, esta Coordenadoria entende que a presente consulta não deve ser conhecida, com fulcro no art. 25, inciso x, do Regimento Interno do CNJ, visto que a atuação deste Conselho não é dirigida a pretensões de interesse meramente individual, mas coletivas.

Caso não entenda pelo conhecimento, passo a análise da consulta formulada.

O apostilamento da Convenção de Haia garante a autenticidade de documentos públicos oriundos de outros países que são signatários do acordo, pois trata-se de um certificado que valida o documento público, apostilado, sem a necessidade de legalização consular ou diplomática.

Assim, sua principal finalidade é garantir que um documento público nacional seja reconhecido em outro país.

O tratado tem o objetivo de agilizar e simplificar a legalização de documentos entre os países signatários, permitindo o reconhecimento mútuo de documentos brasileiros no exterior e de documentos estrangeiros no Brasil.

São mais de 100 países fazendo parte da Convenção de Haia, sendo que no Brasil o tratado assinado passou a vigorar em agosto de 2016.

Os documentos apostilados são os públicos, ou os particulares que já tenham sido reconhecidos por notário.

O Conselho Nacional de Justiça é o responsável por coordenar e regulamentar a aplicação da Convenção da Apostila da Haia no Brasil, e considerando a adesão do Brasil à Convenção da Apostila, editou a Resolução nº 228/2016, dispondo que:

Art. 2º As apostilas emitidas por países partes da Convenção da Apostila, inclusive as emitidas em data anterior à vigência da referida Convenção no Brasil, serão aceitas em todo o território nacional a partir de 14 de agosto de 2016, em substituição à legalização diplomática ou consular.

E desde 2021, no Brasil foi delegado ao serviço notarial e de registro exercer o apostilamento (Provimento CNJ nº 119/2021).

Entretanto, mesmo em caso de documentos apostilados, deve ser observada a legislação do Estado de Destino para que estes produzam seus efeitos, pois conforme expresso no Manual da Apostila (produzido pelo Secretariado Permanente da Conferência da Haia e publicado em 2016):

‘A Convenção da Apostila não afeta o direito de o Estado de Destino determinar a aceitação, admissibilidade e valor probatório dos documentos públicos estrangeiros (C & R nº 82 do SC de 2009; C & R nº 14 do SC de 2012). Em particular, as autoridades do Estado de Destino podem determinar se um documento foi forjado, alterado ou se foi validamente celebrado. Eles também podem estabelecer limites de tempo para a aceitação de documentos públicos estrangeiros (por exemplo: o documento deve ser produzido dentro de um determinado período de tempo depois da sua execução), ainda que tais limites não possam ser impostos sobre a aceitação da apostila em si. Além disso, mantém se pelas leis da evidência do Estado de Destino para determinar em qual medida os documentos públicos estrangeiros podem ser utilizados para estabelecer um determinado efeito.’

Assim, os documentos apostilados nos termos da Convenção de Haia são válidos e produzem efeitos legais entre os países que também são signatários do acordo, porém devem obediência às leis de cada país.

Portanto, havendo norma no país de destino do documento apostilado que traga alguma exigência para que este produza efeitos legais essa norma deve ser observada.

No caso específico, em que o recorrente questiona acerca da necessidade de registro de documento apostilado segundo o protocolo estabelecido na Convenção da Haia, junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública, aplica-se o disposto art. 129, § 6º, da Lei nº 6.015/73:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: […] 6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;

Portanto, os documentos apostilados, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal, estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos.

Com essas considerações, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR) da Corregedoria Nacional de Justiça opina pelo não conhecimento da consulta. E em caso de conhecimento, opina pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

É o parecer.”

Inicialmente, entendo que no caso em tela estão presentes os requisitos  de conhecimento do presente procedimento, porquanto os questionamentos apresentados atendem os pressupostos previstos no art. 89 e parágrafos do Regimento Interno deste Conselho (RICNJ).

Com efeito, as indagações foram feitas em tese, sem qualquer apontamento de um caso concreto. Além disso, este Conselho editou a Resolução nº 228/2016 e o Provimento nº119/21, que tratam da uniformização de procedimentos para a aposição da Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961. Sendo assim, diante do uso dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais, é natural o surgimento de incertezas procedimentais pelos usuários bem como dos operadores do Direito, de modo que as respostas aqui prestadas podem contribuir para elucidar dúvidas de toda sociedade e, consequentemente, aperfeiçoar os serviços prestados aos cidadãos.

Por outro lado, quanto ao mérito, acolho os fundamentos apresentados pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça “pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.”

Diante do exposto, conheço da consulta proposta, para, no mérito, responder que:

1 – O art. 129, 6º, da Lei nº. 6.015/73 é aplicável aos documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia.

2 – Necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

É como voto.

CONSELHEIRO MARCIO LUIZ FREITAS

Relator – – /

Dados do processo:

CNJ – Consulta nº 0009075-58.2021.2.00.0000 – Rel. Cons. Marcio Luiz Freitas – DJ 14.03.2023

Fonte: INR Publicações.

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