Apelação Cível nº 1001532-92.2022.8.26.0269
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001532-92.2022.8.26.0269
Comarca: ITAPETININGA
PODER JUDICIÁRIO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1001532-92.2022.8.26.0269
Registro: 2025.0000024330
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001532-92.2022.8.26.0269, da Comarca de Itapetininga, em que é apelante CONCESSIONÁRIA RODOVIAS INTEGRADAS DO OESTE – SP (SPVIAS), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPETININGA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram da apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 18 de dezembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001532-92.2022.8.26.0269
APELANTE: Concessionária Rodovias Integradas do Oeste – SP (SPVias)
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapetininga
VOTO Nº 43.663
Direito registral – Desapropriação – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida – Exigências analisadas para orientar futura prenotação.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta por Rodovias Integradas do Oeste S/A contra sentença que, muito embora tenha reconhecido a inexistência de prenotação válida, analisou o mérito da dúvida e manteve a recusa ao registro de carta de adjudicação em ação de desapropriação. A apelante defende a dispensa de requisitos como autorização do INCRA e apresentação do CAR, alegando que a área desapropriada não possui mais características de imóvel rural, assim como suscita a dispensa de apresentação de documentação relativa ao ITR. Além disso, alega que a procuração outorgada a seus advogados vige por prazo indeterminado, não sendo pertinente a exigência de observância do prazo de 90 dias de validade pelo Registrador, haja vista que o disposto no item 15, letra “e”, do Capítulo XVI, do Tomo II, das NSCGJ, é aplicável exclusivamente ao Tabelião de Notas.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão refere-se, inicialmente, à existência de prenotação válida, para aferir se a dúvida e a apelação devem ou não ser conhecidas. Não obstante, para orientar futura prenotação, há de se determinar se a desapropriação de área para rodovia dispensa a observância de requisitos aplicáveis a imóveis rurais, como a certificação pelo INCRA, inscrição no CAR e apresentação do ITR, e se a procuração apresentada nos autos é válida.
III. Razões de Decidir
3. A inexistência de prenotação válida enseja o prejuízo e arquivamento da dúvida, conforme item 39.1.2 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e, consequentemente, o não conhecimento da apelação.
4. Para orientar futura prenotação: 4.1) A destinação da área desapropriada para rodovia afasta a exigência de requisitos aplicáveis a imóveis rurais, como a certificação pelo INCRA e a inscrição no CAR, devido à sua natureza de uso público; 4.2)
A exigência de apresentação do ITR não se sustenta à luz do subitem 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, segundo o qual “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”. 4.3) A exigência contida no item 15, letra “e”, do Capítulo XVI, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo é inaplicável para o protocolo do título em Cartórios de Registro de Imóveis, de forma que, no caso, a procuração outorgada por prazo indeterminado está válida, não tendo sido, ademais, prevista a necessidade de assinatura em conjunto dos mandatários constituídos.
IV. Dispositivo e Tese
5. Apelação não conhecida. Dúvida prejudicada. Tese de julgamento: 1. A ausência de prenotação válida prejudica a análise do mérito da dúvida e acarreta o não conhecimento da apelação. 2. A destinação de imóvel desapropriado para rodovia dispensa a exigência de requisitos aplicáveis a imóveis rurais. 3. A validade da procuração está assentada, no caso. Legislação Citada: Lei nº 6.015/73, art. 176, § 3º; art. 225, § 3º. Código Civil, art. 99, inciso I. Decreto nº 4.449/2002, art. 9º. Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/1964, art. 4º, inciso I; art. 64, inciso II. Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Cartórios Extrajudiciais, tem 15, letra “e”, do Capítulo XVI, do Tomo II; subitem 117.1, do Capítulo XX, do Tomo II. Jurisprudência Citada: CSM/SP, Embargos de Declaração Cível nº 1004289-58.2021.8.26.0604/50000, Relator Fernando Antônio Torres Garcia, j. em 04/07/2023. CSM/SP, Apelação nº 1002456-59.2023.8.26.0377, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 12/9/2024. CSM/SP, Apelação nº 1011398-73.2022.8.26.0286, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, j. em 15/12/2023.
Trata-se de apelação interposta por RODOVIAS INTEGRADAS DO OESTE S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itapetininga/SP que, na dúvida inversa suscitada, manteve a recusa ao ingresso de carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação (fls. 183/188), não obstante tenha notado a inexistência de prenotação válida.
Afirma a apelante, em síntese, que se trata de desapropriação, forma originária de aquisição de propriedade, de modo que se desvincula dos demais títulos dominiais pretéritos, o que dispensa a observância do princípio da continuidade registral. Aduz que a desapropriação foi consumada e a área desapropriada incorporada ao patrimônio da Rodovia Presidente Castelo Branco, afirmando que o trecho de estrada não tem mais as características de um imóvel rural.
Refuta a necessidade de apresentação da autorização do INCRA, do CAR, bem como da Declaração de ITR para fins da apuração de custas e emolumentos incidentes do ato registral e, ainda, de procuração atualizada porque a apresentada ostenta prazo indeterminado. Por fim, alega que a área desapropriada está devidamente georreferenciada com coordenadas UTM. Pede, assim, a reforma da sentença (fls. 208/222).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 244/245).
É o relatório.
Decido.
A dúvida está prejudicada.
Com efeito, conforme informação do Oficial (fls. 163), a prenotação de nº 273.073 foi cancelada pelo decurso do prazo legal.
Como a dúvida foi suscitada de forma inversa diretamente pela interessada o Oficial somente teve conhecimento da discussão administrativa acerca da desqualificação do título apresentado ao receber a senha do processo, o que se deu em 22 de fevereiro de 2022 (fls. 162).
Por meio da petição de fls. 163, o Oficial informou a ausência de prenotação válida e disse estar no aguardo da intimação do requerente para apresentar o título judicial, em vez de notificar o interessado para apresentar o original do título no prazo de cinco dias úteis, para protocolo, sob pena de arquivamento, na forma do item 39.1.2 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.
Intimada a suscitante para manifestação (fls. 168), aduziu que o título foi por diversas vezes apresentado, e que, na maioria delas, solicitou a instauração da dúvida, mas sem êxito. Afirmou, ainda, que a prenotação se tratava de diligência do Oficial, pedindo, ao fim, o prosseguimento (fls. 171/172). Contudo, descuidou-se de apresentar o título para prenotação, fazendo com que a dúvida restasse prejudicada.
A r. sentença recorrida considerou existente o cancelamento da prenotação, mas, por economia, analisou seu mérito, dando-a por “improcedente” (183/188), muito embora tenha mantido as exigências contidas na nota devolutiva.
É cediço que a manutenção dos óbices apresentados pelo Registrador de Imóveis acarreta a procedência da dúvida, seja ela direta ou inversa.
De todo modo, a inexistência de prenotação válida enseja o arquivamento da dúvida (item 39.1.2 do Capítulo XX das NSCGJ), prejudicada sua análise.
Nesse sentido, inúmeros precedentes deste Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis. Dúvida inversa. Ausência de prenotação válida. Apelantes que não atenderam notificação do oficial para reapresentação do título na serventia. Descumprimento ao item 39.1.2 do cap. XX, tomo II das NSCGJ. Dúvida prejudicada. Apelação não conhecida” (CSM/SP – apelação nº 1002456-59.2023.8.26.0377, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 12/9/2024).
“Registro de Imóveis. Dúvida inversa. Ausência de prenotação válida. Dúvida prejudicada . Recurso não conhecido” (CSM/SP – apelação nº 1011398-73.2022.8.26.0286, Rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. em 15/12/2023).
Na espécie, a dúvida está prejudicada pelo decurso do prazo da prenotação.
Apesar disso, pertinente analisar as exigências contidas na nota de exigência a fim de orientar futura prenotação.
Pois bem.
A ora apelante, concessionária de serviço público, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte do imóvel objeto da matrícula nº 20.760 do Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Itapetininga.
A carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (Processo nº 4003170-27.2013.8.26.0269, da 3ª Vara Cível da Comarca de Itapetininga/SP), apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial de Registro de Imóveis, que expediu nota devolutiva nº 269.319 (fls. 141/142), a seguir transcrita:
“1) nos termos do v. Acórdão nos autos de Apelação Cível nº 1034507-89.2018.8.26.0114, da Comarca de Campinas, ficou decidido que em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural, no que pese a não exigência da Reserva Legal, pois, o CAR tem por “finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. Desse modo, é cabível exigir a inscrição no CAR no caso de desapropriação de parcela de imóvel rural para implantação de rodovia. Desta forma, o D.E.R. deverá apresentar o comprovante de Inscrição no SICAR nos termos do item 123, letra “b” e 123.2, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, cuja inscrição pode ser obtida através de cadastro no site da SIGAM – http://www.sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam3/. Para averbação da Inscrição no SICAR, apresentar em protocolo separado, requerimento formulado pelo D.E.R., com firma reconhecida, solicitando a averbação da inscrição do SICAR na matrícula que será aberta em razão da desapropriação, acompanhado do comprovante de inscrição emitido pelo órgão competente. Obs.: no comprovante de inscrição SICAR, deverá fazer expressa menção ao número da matrícula 20.760, bem como, a área de reserva legal deverá estar devidamente especializada (quantificada);
2) por r. Decisão do Conselho Superior da Magistratura/SP, nos autos nº1004739-62.2017.8.26.0047, da comarca de Assis, em que figuram como apelante: CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S/A – CART, e apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE ASSIS, bem como, nos termos do v.Acórdão nos autos de Apelação Cível nº 1001440-36.2017.8.26.0481, da Comarca de Presidente Epitácio, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S/A – CART, e apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE PRESIDENTE EPITÁCIO, ficou decidido que as partes dos imóveis rurais, objeto de desapropriação pelo DER, para o respectivo registro, deverão apresentar a CERTIFICAÇÃO pelo INCRA. Desta forma, aditar os autos do processo, para juntar o memorial descritivo e planta certificados, elo INCRA/SIGEF. Ademais, a descrição da área desapropriada deve ser idêntica àquela constante no memorial certificado, devendo haver manifestação do juízo sobre o novo levantamento;
3) apresentar o ITR/2020 – NIRF 3.848.370-0, correspondente ao imóvel da matrícula 20.760, para informação da DOI à Secretaria da Receita Federal;
4) apresentar procuração pública ou particular “atualizada” (90 dias), onde a RODOVIAS INTEGRADAS DO OESTE S/A, outorga poderes de representação para PATRÍCIA LUCCHI PEIXOTO, cujo mandato compreenda a data da assinatura do requerimento, qual seja, 23 de fevereiro de 2.021 (nos termos do ítem (sic) 15, letra “e”, Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo);
5) a procuração apresentada no protocolo 269.320, datada de 04 de outubro de 2.018, está com prazo de validade expirado (ultrapassou 90 dias, nos termos do ítem (sic) 15, letra “e”, Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo). Ademais, a referida procuração foi assinada digitalmente, não sendo possível verificar sua autenticidade. Ainda, conforme consta na procuração, os outorgados Ana Maria França Machado, Luiz Maurício França Machado e Patricia Lucchi Peixoto, devem agir sempre em conjunto e o requerimento foi assinado somente por Patrícia Lucchi Peixoto”.
O título foi reapresentado, mas o ingresso no fólio real foi novamente negado, conforme nota devolutiva de nº 273.073 (fls. 16/18), oportunidade em que foram reiteradas as exigências relativas à nota devolutiva de nº 269.319.
As exigências, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não se sustentam.
Desde logo, importa anotar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).
No que se refere aos imóveis rurais, o § 3º do art. 176 da Lei n. 6.015/73 prevê:
§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.
Na mesma linha, o § 3º do art. 225 da lei n. 6.015/73 dispõe:
§ 3º Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.
Não há questionamento sobre a incidência dessas normas nos casos de desmembramento, remembramento e parcelamento de imóveis rurais promovidos por ato de livre disposição dos seus proprietários, nem sobre a submissão, à legislação específica, da eventual conversão de imóvel rural em urbano.
Por isso, a origem do novo imóvel em desapropriação promovida pelo Poder Público não afasta a aplicação das normas relativas ao georreferenciamento quando o imóvel desapropriado tiver como destino a exploração de atividade agrícola, pecuária ou agroindustrial.
Contudo, a desapropriação de parcela do imóvel para destinação como rodovia comporta a análise sob enfoque específico, por se tratar de via de circulação destinada ao uso comum do povo (art. 99, inciso I, do Código Civil).
No caso concreto, a desapropriação recaiu sobre área de 0,008874ha, a ser desfalcada do imóvel objeto da matrícula nº 20.760 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Itapetininga e destinada à implantação do dispositivo de retorno no Km 142+500m da Rodovia Raposo Tavares SP-270 (fl. 21, 50/53).
Nas hipóteses de desapropriação para implantação de rodovia e de instituição de servidão pública, a destinação em atividade distinta da rural afasta a exigência de observação dos requisitos que incidiriam se a área desapropriada continuasse sendo utilizada, pelo expropriante, para exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial.
Isso porque a destinação do imóvel não se confunde com a espécie de zona em que situado (rural, urbana, urbanizável, de urbanização específica e de interesse urbanístico especial), podendo existir imóvel com destinação rural em área urbana, ou situação contrária.
Por sua vez, não se ignora a existência de diferentes critérios para a qualificação de imóvel como urbano ou rural, prevendo o Código Tributário Nacional, em seus arts. 29 e 32, que o imóvel é urbano quando situado em zona urbana e rural quando situado em zona rural.
Porém, outras normas, como os arts. 8º e 9º do Decretolei nº 57/1966, que dispõe sobre o Imposto Territorial Rural (ITR), e o art. 2º da Lei nº 5.868/1972, que criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural, adotam o critério da destinação para a identificação do imóvel como sendo rural.
O critério da destinação também foi previsto na Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) que, em seu art. 4º, inciso I, define como imóvel rural “o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.
Ainda, o art. 64, inciso II, da Lei nº 4.504/1964 dispõe que são urbanos os lotes que forem implantados em razão de colonização “quando se destinem a constituir o centro da comunidade, incluindo as residências dos trabalhadores dos vários serviços implantados no núcleo ou distritos, eventualmente às dos próprios parceleiros, e as instalações necessárias à localização dos serviços administrativos assistenciais, bem como das atividades cooperativas, comerciais, artesanais e industriais”.
O critério da destinação, ademais, é previsto no art. 6º da Instrução Normativa Incra nº 82/2015, que se encontra vigente:
“Imóvel rural é a extensão contínua de terras com destinação (efetiva ou potencial) agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, localizada em zona rural ou perímetro urbano”. [1]
A adoção desse critério também consta no sítio de Internet mantido pelo Incra, em página destinada ao esclarecimento de dúvidas:
“O que é imóvel rural?
Imóvel rural, segundo a legislação agrária, é a área formada por uma ou mais matrículas de terras contínuas, do mesmo titular (proprietário ou posseiro), localizada tanto na zona rural quanto urbana do município. O que caracteriza é a sua destinação agrícola, pecuária, extrativista vegetal, florestal ou agroindustrial.”[2]
José Afonso da Silva, sobre a definição do imóvel como urbano ou rural, considera que deve prevalecer o critério da destinação, como a seguir se verifica:
“A teoria da vocação urbanística ou da destinação do solo, e não sua localização ou situação, é que orienta a definição da sua qualificação. É que a localização dos terrenos consiste numa delimitação da área à vista, precisamente, da sua vocação ou destinação urbanística; ao contrário, portanto, da qualificação da propriedade urbana, já que será tal justamente porque situada, localizada, em solo qualificado como urbano. Com base no critério da vocação, a primeira qualificação do solo permite a distinção do território municipal em zona rural e zona urbana. Além disso, o Código Tributário Nacional admite considerar como urbanas áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana” (Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172).
A destinação dada ao imóvel é, com efeito, a adequada para a sua qualificação como urbano ou rural, sendo esse o critério utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra.
Adotado o critério da destinação, a parcela que foi desapropriada para uso como rodovia não pode ser caracterizada como rural e, em razão disso e da natureza originária da desapropriação, não se submete às exigências para o registro de imóvel rural, no Registro de Imóveis, ainda que a área da rodovia tenha origem em desmembramento de imóvel que tinha essa finalidade de uso.
Cabe anotar, nesse ponto, que o art. 9º do Decreto nº 4.449/2002 prevê a necessidade de certificação pelo Incra para a identificação do imóvel rural, sendo, em consequência, dispensada para a área da rodovia que foi desapropriada e passou a ter finalidade de uso não rural:
“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.
§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”
Afastada a submissão do registro da aquisição da área da rodovia aos requisitos para o desmembramento de imóvel rural, não prevalece a exigência de apresentação da descrição georreferenciada com certificação pelo Incra.
A dispensa da certificação, ademais, não causará prejuízo para a identificação do imóvel rural porque o proprietário, ao solicitar nova certificação para a área remanescente, deverá excluir a parcela que foi desapropriada para uso como rodovia.
A exigência de apresentação de declaração completa do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) igualmente não era pertinente, à vista do contido no subitem 117.1, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ:
“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.
Nesse sentido, já se decidiu:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO – AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DE UMA DAS EXIGÊNCIAS REGISTRÁRIAS – APRESENTAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL – ITR QUE NÃO SE JUSTIFICA – ISENÇÃO LEGAL DOS EMOLUMENTOS JÁ APRECIADA E EM CONSONÂNCIA COM O TÍTULO, AFASTANDO A ALEGAÇÃO DE ERRO MATERIAL OU CONTRADIÇÃO – EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS EM PARTE.
(…)
Tal exigência não se justifica à vista do contido no subitem 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, segundo o qual “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais” (EMBARGOS DE DECLARAÇÃOCÍVEL nº 1004289-58.2021.8.26.0604/50000, data do julgamento: 04/07/2023, CSM, Relator Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia).”
No que diz respeito às exigências de número 4 e 5, a razão igualmente estaria com a apelante.
Conforme se observa, a procuração de fls. 14/15, foi outorgada aos advogados Ana Mara França Machado, Luiz Mauricio França Machado, e Patricia Lucchi Peixoto, por prazo indeterminado (grifei) e, exatamente como alegado pela recorrente, o disposto no item 15, letra “e”, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo é inaplicável para o protocolo do título em Cartórios de Registro de Imóveis.
Nesse sentido, cito o parecer da Juíza Assessora da Corregedoria Geral de Justiça, Doutora Stefânia Costa Amorim Requena, proferido nos autos do Recurso Administrativo nº 1001258-66.2021.8.26.0204, acolhido pelo então Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia:
(…)
Ora, como reconhece o próprio registrador, o item 42, “c”, do Capítulo XVI, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça regulamenta a atividade do Tabelião de Notas, que deverá “conferir as procurações para verificar se obedecem à forma exigida, se contêm poderes de representação para a prática do ato notarial e se as qualificações das partes coincidem com as do ato a ser lavrado, observando o devido sinal público e o prazo de validade da certidão, que não poderá exceder a 90 dias”.
Não há semelhante regra normativa que justifique a exigência, pelo Oficial de Registro de Imóveis, de igual formalidade para protocolo de um título na serventia imobiliária. E a legislação em vigor não impõe nenhuma condição temporal ao instrumento de mandato, salvo se tal determinação constar do próprio documento, o que não é o caso dos autos.
Isso porque, a cessação do mandato se dá nas hipóteses previstas no artigo 682 do Código Civil, quais sejam: “I – pela revogação ou pela renúncia; II – pela morte ou interdição de uma das partes; III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.”
Destarte, em que pese a louvável preocupação do Oficial de Registro de Imóveis e do MM. Juiz Corregedor Permanente, no caso concreto nada há nos autos que permita presumir a cessação do mandato, nem tampouco se verifica quaisquer das hipóteses elencadas no referido dispositivo legal. Vale lembrar que a antiguidade da procuração, por si só, não é motivo de extinção e, por conseguinte, não é lícito decretar a sua caducidade apenas por haver sido passada há mais de oito anos. Por outro lado, não há previsão legal para a exigência de atualização de procurações e o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa (Lei nº 8.906/94, art. 32)”. (grifei)
Tampouco se observa a necessidade de atuação em conjunto, como equivocadamente indicou o Oficial, uma vez que, no instrumento, não há qualquer menção da necessidade dos três constituídos agirem conjuntamente.
Nesse cenário, seria o caso de afastar as exigências mencionadas, não fosse a dúvida prejudicada.
Ante o exposto, pelo meu voto, julgo prejudicada a dúvida e não conheço da apelação.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1]Cf. https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa, consulta em 22/03/2024.
[2] Cf. https://www.gov.br/incra/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes, consulta em 21.03.2024.
Fonte: DJe/SP – 24.01.2025.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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