Registro de imóveis – Direito administrativo – Apelação – Mandado de segurança – Inexigibilidade de CND´s – Segurança concedida em parte e mantida – 1. A questão em discussão consiste na legalidade da exigência de CND para o registro de alienação fiduciária de imóvel – 2. A exigência de CND como condição para registro de imóvel foi declarada inconstitucional, por configurar sanção política e violar direitos constitucionais, conforme precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça – 3. Recursos desprovidos.


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1001431-24.2021.8.26.0614, da Comarca de Tambaú, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO, Apelantes OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE TAMBAÚ – SP e RONALDO RUY RODRIGUES REIS, é apelado CERÂMICA BAGATTA & FILHO LTDA EPP.

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U. Sustentou oralmente o advogado Dr. Matheus Paranagua Garcia(OAB: 483565/SP).”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LIA PORTO (Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO COSTA E MIGUEL BRANDI.

São Paulo, 12 de março de 2025

ADEMIR MODESTO DE SOUZA

RELATOR

Apelação/Remessa Necessária nº 1001431-24.2021.8.26.0614.

Apelantes: Juízo Ex Officio e Ronaldo Ruy Rodrigues Reis.

Apelada: Cerâmica Bagatta & Filho Ltda EPP.

Comarca: Tambaú – Vara Única.

Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado.

Relator: ADEMIR MODESTO DE SOUZA.

Magistrada: Rebeca Uematsu Teixeira.

V O T O Nº. 12318

REGISTRO DE IMÓVEIS. DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. INEXIGIBILIDADE DE CND´S. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE E MANTIDA.

1. A questão em discussão consiste na legalidade da exigência de CND para o registro de alienação fiduciária de imóvel.

2. A exigência de CND como condição para registro de imóvel foi declarada inconstitucional, por configurar sanção política e violar direitos constitucionais, conforme precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça.

3. Recursos desprovidos.

1. Trata-se de apelação interposta por RONALDO RUY RODRIGUES REIS, oficial de registro de imóveis da Comarca de Tambaú-SP contra a r. sentença de fls. 157/161, cujo relatório se adota, que nos autos do mandado de segurança que lhe foi impetrado por CERÂMICA BAGATTA & FILHO LTDA EPP, concedeu em parte a segurança, constando do seu capítulo dispositivo:

Ante o exposto, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, a fim de que a autoridade impetrada proceda ao registro da alienação fiduciária sobre o imóvel objeto da matrícula n° 5242 do CRI de Tambaú SP, independentemente da apresentação de CND Certidão Negativa de Débitos, e desde que cumpridos os demais requisitos legais. Torno definitiva a liminar anteriormente requerida, em relação ao imóvel objeto da matrícula n° 5242 e revogo a liminar em relação ao imóvel objeto da matrícula n° 3342. Oficie-se à autoridade impetrada para as providências pertinentes, nos termos do artigo 13 da Lei n° 12.016/2009. Cada parte responderá por 50% das custas e despesas processuais, sendo incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos das Súmulas nº 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça. P.I.C.

Alega o apelante a inexistência de interesse processual do apelado, ante a inadequação da via eleita frente à existência de solução administrativa própria (dúvida registral), gratuita e proporcional. Defende que movimentar o Judiciário para esse fim desrespeita o princípio da proporcionalidade e onera indevidamente o Registrador, que agiu no exercício regular de sua atividade pública. Aduz que a sentença afastou a exigência de Certidão Negativa de Débitos (CND) para o registro de alienação fiduciária de imóvel, contrariando o art. 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/1991, que impõe essa obrigatoriedade e, como Registrador de Imóveis, sustenta estar vinculado ao princípio da legalidade e sujeito à responsabilidade solidária e penal pelo descumprimento dessa exigência (art. 48 da mesma lei), destacando a insegurança jurídica enfrentada pelos registradores, que podem ser penalizados tanto pela exigência quanto pela dispensa da CND, ao que postula a reforma da sentença, com a denegação da segurança e a manutenção da exigência da CND. Subsidiariamente, pretende a exclusão de condenação em custas judiciais, uma vez que agiu conforme a legislação vigente (fls. 193/203).

Apelação tempestiva, preparada e com contrarrazões (fls. 211/221).

Oposição do impetrado ao julgamento virtual (fls. 271).

É o relatório.

2. De plano, impõe-se rejeitar a alegação de ausência de interesse de agir por parte da impetrante, pois, verificada a ilegalidade da exigência imposta por oficial de serviço do registro, nada impede prejudicado o acionamento, desde logo, do Poder Judiciário, mediante a via mandamental, visando à proteção de seu direito líquido e certo, em observância ao direito constitucional de acesso à justiça, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, não sendo exigível o prévio exaurimento de requerimentos administrativos.

No mérito, a controvérsia reside na legalidade da exigência de certidão negativa de débitos (CND) como condição para a registro de alienação fiduciária de imóvel, conforme requerido pelo Oficial de Registro.

A questão, contudo, já foi amplamente debatida no âmbito deste Tribunal e consolidada em precedentes que reconhecem a inconstitucionalidade dessa exigência, por configurar sanção política e violar direitos constitucionais.

No julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0139256-75.2011.8.26.0000, o Órgão Especial desta Corte declarou inconstitucional o art. 47, alínea “d”, da Lei nº 8.212/91, ao entender que a imposição de CND como requisito para atos registrais constitui coação indevida à quitação de tributos, afrontando o direito ao devido processo legal e ao livre exercício de atividades econômicas, garantidos pelos arts. 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal.

Da mesma forma, o Conselho Superior da Magistratura deste Tribunal já decidiu que a exigência de CND, sem amparo legal específico, traduz uma forma heterodoxa de cobrança de tributos, caracterizando sanção política flagrantemente inconstitucional. Tal entendimento também encontra respaldo no art. 117, item 117.1, do Capítulo XX das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais, que vedam qualquer exigência de quitação de débitos fiscais, exceto nos casos expressamente previstos, como o recolhimento do ITBI e do laudêmio.

Ainda, o Conselho Nacional de Justiça, no Pedido de Providências nº 0001230-82.2015.2.00.0000, reafirmou que, diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV, da Lei nº 7.711/88 pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 394), não subsiste fundamento jurídico para a exigência de quitação de tributos como requisito para o registro de títulos imobiliários.

Nesse sentido, precedentes desta C. Corte:

MANDADO DE SEGURANÇA – Registro de Imóveis – Dúvida – Exigência de CND – Ordem concedida – Apela a União, arguindo preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, no mérito defende a regularidade da nota devolutiva – Preliminar rejeitada – Processo e julgamento da dúvida e da apelação que cabem ao Poder Judiciário Estadual, no exercício de função administrativa – Interesse recursal da Fazenda Nacional – Certidões negativas de tributos e contribuições previdenciárias federais (CND RFB/PGFN) – Exigência afastada, segundo atual orientação do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Recurso desprovido. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1000670-27.2021.8.26.0538; Relator (a): José Aparicio Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Cruz das Palmeiras – Vara Única; Data do Julgamento: 17/05/2024; Data de Registro: 17/05/2024)

APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS COMO AUTORIDADE COATORA – EXIGÊNCIA DE CND PARA REGISTRO DE IMÓVEL. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR DO AUTOR – Constatada a ilegalidade da exigência feita por oficial de serviço notarial, poderá o prejudicado, desde já, socorrer-se do Poder Judiciário, pela via mandamental, para ver protegido seu direito líquido e certo, em homenagem ao direito constitucional de acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV) – Preliminar rejeitada. MÉRITO – A exigência de Certidão Negativa de Débitos e Tributos Federais, ou outro documento equivalente, para registro de imóvel configura sanção política e meio transverso de cobrança de dívida tributária, de modo que fere direito líquido e certo da autora impetrante. Precedentes do E. STF e do C. Órgão Especial deste E. TJSP. Segurança concedida. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1012618- 94.2023.8.26.0602; Relator (a): Fernando Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/08/2024; Data de Registro: 30/08/2024)

Registro de Imóveis – Carta de Adjudicação – Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Impossibilidade – Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado – Dúvida improcedente – Apelação provida. (TJSP; Apelação Cível 1000791-27.2017.8.26.0625; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/05/2018; Data de Registro: 23/05/2018)

De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença, inclusive em sede de reexame necessário.

3. Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos.

ADEMIR MODESTO DE SOUZA – Relator 

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1001431-24.2021.8.26.0614 – Tambaú – 7ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ademir Modesto de Souza.

Fonte: DJE/SP 18.03.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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