STJ prestigia a publicidade registral do casamento

Não começaram hoje os debates jurídicos que buscam a compreensão das semelhanças e distinções entre os institutos do casamento e da união estável. Recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, do qual se transcreve afinal um trecho, traz boas luzes sobre a matéria, destacando a solenidade cartorária do casamento, inexistente na união estável.

É o Registro Civil das Pessoas Naturais que confere a publicidade registral do casamento, tornando assim o ato oponível erga omnes. A união estável, mesmo que instrumentalizada pela escritura pública, ou seja, mesmo que lavrada em cartório do Tabelião de Notas, não poderá ser oposta a terceiros, salvo se os companheiros conseguirem ultrapassar o ônus que lhes cabe, qual seja, comprovar que os terceiros tinham conhecimento da união estável.

A decisão ainda destaca que não existe preferência constitucional por uma ou outra forma de família, constituída pelo casamento ou pela união estável, no entanto, isso não implica na completa e inexorável coincidência entre os institutos, notadamente no tocante às formalidades cartorárias e produção de efeitos perante terceiros.

Vide trechos da decisão:

“Nessa esteira, cumpre para logo ressaltar, todavia, que nunca foi afirmada a completa e inexorável coincidência entre os institutos da união estável e do casamento. Na verdade, apenas se afirmou que não há superioridade familiar do casamento ou predileção constitucional por este.”

(…)
É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança.

(…)
De resto, a celebração de escritura pública entre os consortes não afasta essa conclusão, porquanto não é ela própria o ato constitutivo da união estável. Presta-se apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina.

Ementa:

DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA. FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DISPENSA. VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ.

1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles.

2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição.

3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável – também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento – ato jurídico – e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica.

4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança.

5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ à união estável.

6. Recurso especial provido. REsp 1.299.866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.

Fonte: Arpen/SP I 25/03/2014.

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Abertas as inscrições para o XIX Congresso Notarial Brasileiro no Estado da Bahia

Evento contará com a inédita parceria acadêmica do IBDFam nacional e debaterá temas teóricos e práticos atuais da atividade notarial brasileira.

Já estão abertas as Inscrições para o XIX Congresso Notarial Brasileiro, evento organizado pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB-CF) em parceria com a Seccional da Bahia (CNB-BA) que será realizado entre os dias 14 e 18 de maio na Praia de Imbassaí, no Estado da Bahia, e que contará com a inédita parceria acadêmica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) para debater os principais temas doutrinários da atividade notarial.

Com uma Programação que mesclará assuntos teóricos com a prática diária do notariado, o XIX Congresso Notarial Brasileiro contará com palestrantes de renome nacional, além de convidados representantes de notariados da América do Sul e da União Internacional do Notariado (UINL). 
 
O auditório do Grand Palladium Imbassaí Resort & Spa, localizado entre as praias do Forte e da Costa do Sauípe, em um dos locais mais paradisíacos do País, abrigará debates que mesclarão doutrina notarial e acadêmica com temas práticos da atividade notarial diária. Este novo modelo de encontro nacional contará com a participação intensiva dos principais juristas do IBDFAM, órgão nacional voltado ao estudo de questões de Direito de Família e Sucessões, e aprofundará os debates técnicos a respeito dos principais temas doutrinários da atividade. 
 
O evento, que terá em sua abertura uma palestra magna sobre Ética aplicada à atividade notarial, além de um coquetel de boas vindas aos participantes, reservará os demais dias para o aprofundamento dos debates teóricos e práticos. Já no segundo dia de palestras os temas em destaque serão “O inventário extrajudicial com testamentos”, “Cláusulas restritivas no testamento e na doação”, “Certificação digital – autenticação eletrônica” e “Cooperativismo”. 
 
No dia 16, palestras jurídicas dominarão a plenária. Entre os destaques, temas como a “A diversidade das uniões informais”, “Efeitos sucessórios da multiparentalidade” e“Testamento e planejamento sucessório”. Logo após, será realizado um debate no estilo pinga-fogo, moderado pelo presidente do CNB-CF, Ubiratan Guimarães. A noite contará com um animado Baile Notarial. Por fim, no último dia do evento, um Workshop com o tema “Debates práticos de atos notariais” focará as principais dúvidas práticas da atividade diária, com especial atenção às novas normatizações em vigor no Estado da Bahia.
 

Fonte: CNB | 24/02/2014.

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Um novo Direito de Família que se projeta

* Mário Luiz Delgado

O que se verifica como tendência jurisprudencial é a proteção da família em seu sentido mais amplo.

Está reaberto o debate em torno do projeto de lei que institui o chamado "Estatuto das Famílias", reapresentado perante o Senado Federal pela Senadora Lídice da Mata, agora aperfeiçoado e sob nova roupagem. Esse projeto (PLS 470/13), como se sabe, desmembra do Código Civil o título que trata do Direito de Família e reestrutura toda a matéria, criando um estatuto autônomo.

Consentâneo com as realidades da vida, para as quais o Direito não pode fechar os olhos, o projeto busca soluções para conflitos e demandas familiares, a partir de novos valores jurídicos como o afeto, o cuidado, a solidariedade e a pluralidade. Optando pela celeridade, simplicidade, informalidade, fungibilidade e economia processual, a fim de proporcionar a efetiva concretização dos princípios constitucionais, abre as portas do sistema jurídico-positivo para as novas demandas surgidas nas relações de família, como é caso da paternidade socioafetiva, do abandono afetivo, da alienação parental e das famílias recompostas, simultâneas ou não.

Quando da apresentação da primeira versão projeto, em 2007, manifestei, em carta aberta divulgada em diversas publicações, posteriormente transformada em artigo e em capítulo de livro1, posição contrária à iniciativa. A contrariedade, no entanto, era restrita ao aspecto formal. Explico: talvez imbuído da paixão pelo Código Civil de 2002, decorrente da minha atuação direta no processo legislativo junto à ultima relatoria do projeto, tinha dificuldade em aceitar qualquer alteração relevante do Código, especialmente essa, que iria suprimir do regramento codificado toda uma disciplina jurídica. Defendia ser mais conveniente e oportuno reformar o próprio Código Civil no lugar de começar do zero, tentando criar um código novo, e que todas as inovações do Estatuto poderiam, com muito mais facilidade, ser inseridas no Código Civil.

Portanto, em momento algum, me opus à necessidade de modernização do Direito de Família tal como proposto, no mérito, pelo PL 470/13. Aliás, modernização que é imperativa, face às grandes transformações legislativas ocorridas na última década, tais como as leis 11.698 (guarda compartilhada), 11.804 (alimentos gravídicos), 11.924 (acréscimo do sobrenome do padrasto ou madrasta), 12.010 (adoção) e a EC 66/10.

Passados os anos, e com o peso da experiência que transforma certezas em dúvidas, hesito, agora, sobre a correção da minha posição anterior. Como defendo em meu livro "Codificação, descodificação e recodificação do direito civil brasileiro", a evolução do Direito é sempre marcada por movimentos cíclicos e alternados de concentração e de fragmentação ou dispersão das fontes. O desenvolvimento da sociedade, a causar o envelhecimento natural dos códigos, gera, em contrapartida, a necessidade de se regulamentar a lattere do código toda uma gama de novas questões. Esse processo de dispersão das fontes sempre se sucede ao processo de codificação.

O Direito de Família realmente possui institutos que o diferenciam, de forma muito peculiar, dos demais ramos, especialmente pela sua aderência direta e imediata às realidades da vida, que de tão diversificadas e mutáveis implicam a impossibilidade de o Código Civil albergar todas as demandas da família contemporânea. Sob esse aspecto, uma legislação unificada em forma de estatuto autônomo talvez venha a proporcionar uma hermenêutica mais harmônica dos princípios constitucionais e facilitar a sua concretização, tal como sustentado pelos elaboradores do projeto. Nos domínios da técnica legislativa, os estatutos são textos legais bastante semelhantes aos códigos, procurando disciplinar de modo completo e estanque uma determinada ordem de relações jurídicas. Implicam sempre na criação de direito novo, não tratando de condensar normas pré-existentes.

De qualquer forma, independentemente do aspecto formal da iniciativa legislativa, o fato é que o projeto, quanto ao seu conteúdo, representa notável avanço legislativo, à medida que incorpora no regramento positivado posições que atualmente só são acolhidas na jurisprudência, porém com considerável deficit na segurança jurídica. Isso porque a uniformização dessas questões só é obtida depois de muitos anos, quando decididas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Algumas dessas inovações, entretanto, estão sendo mal compreendidas. Veja-se o caso, por exemplo, do reconhecimento de certos direitos às chamadas entidades familiares paralelas. Os críticos ao projeto sustentam a impossibilidade jurídica dos arranjos familiares simultâneos, a exemplo de uniões estáveis paralelas, ou nomeadamente a concomitância de união estável e casamento, produzirem quaisquer efeitos jurígenos. Apegados ao dogma da família patriarcal, monogâmica e matrimonial, tais críticos esquecem as situações extraídas da realidade social e que vem sendo reconhecidas pela jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça, como de diversos tribunais estaduais, cada vez mais pujante no amparo das multifárias manifestações familiares, mesmo porque não cabe ao Estado exercer qualquer tipo de controle sobre o comportamento das pessoas na seara afetiva.

Cite-se, aqui, o julgamento do REsp 1.126.173/MG, de 9 abril de 2013, onde o STJ, para fins de aplicação da lei 8.009/90, decidiu que o devedor, possuindo entidades familiares simultâneas e concomitantes, tem estendida a impenhorabilidade do bem de família a ambos os imóveis utilizados como residência pelas famílias paralelas .

No julgamento da Apelação Cível 70022775605, a 8ª câmara Cível do TJ/RS reconheceu efeitos jurídicos também à união estável concomitante ao casamento não desfeito, com partilha de bens entre cônjuges e companheira.

No mesmo sentido, em demanda envolvendo uniões estáveis paralelas, colhe-se a seguinte manifestação em voto-vencedor do desembargador José Fernandes de Lemos, da 5ª câmara Cível do TJ/PE, na Apelação Cível 296.862-5:

"No caso em análise, há que se atentar para o fato evidente de que, se o varão esteve no vértice de uma relação angular com duas mulheres, duas casas e duas proles, preenchendo em ambos os núcleos o papel de marido, de provedor e de pai, é que cultivava a compreensão pessoal de que podia integrar duas famílias, e, no seu íntimo, nutria a aberta intenção de fazê-lo.

(…)

Tais circunstâncias, se analisadas com a devida isenção de ânimo, demonstram o caráter familiar da união amorosa mantida pela autora-apelante, que em nada se assemelha às relações clandestinas e furtivas, de finalidade meramente libidinosa. Assim, configurando-se a formação de autênticos núcleos familiares simultâneos, não há razão jurídica para que se exclua um deles da tutela estatal, desmerecendo-o e relegando-o à plena desconsideração, ou, quando muito, à tutela do direito obrigacional."

E antes que se deturpe o sentido desta minha manifestação, para transformá-la em uma espécie de ode à poligamia, ressalto o meu pleno convencimento da permanência do princípio monogâmico como um dos princípios basilares do nosso Direito de Família legislado, ao lado da afetividade, da busca da felicidade, da isonomia de gênero e do melhor interesse da criança e do adolescente. Ocorre que todo e qualquer princípio está sujeito à colisão com outros princípios e até mesmo com outras regras, submetendo-se, portanto, a contínua e permanente operação de ponderação. A convivência dos princípios é sempre tensa, conflitual e, por isso, não pode o princípio da monogamia impedir o reconhecimento de determinados direitos, especialmente quando estiver em jogo o macro princípio da dignidade da pessoa humana. Os princípios colidentes coexistem, deixando de ser aplicados em um caso ou em outro, de acordo com o seu peso ou sua importância naquela situação concreta, mas permanecendo no ordenamento.

Da mesma forma que se reconhecem direitos ao casamento putativo, a despeito de sua nulidade absoluta, em prol do princípio da boa fé, é de se reconhecer também juridicidade às uniões paralelas quando, através de uma operação de ponderação e sopesamento, se puder afastar o princípio monogâmico no caso concreto.

O que se verifica, como tendência jurisprudencial, portanto, é a proteção da família em seu sentido mais amplo, abrangendo, inclusive, a multiplicidade da entidade familiar, em hipóteses excepcionais.

Enfim, se o projeto 470/13 puder ser aperfeiçoado, o momento é este. E nesse sentido, o IASP, através de sua Comissão de Estudos de Direito de Família e das Sucessões, estará, oportunamente, se debruçando sobre o texto.

Concorde-se ou não com a iniciativa da Senadora Lídice da Mata e do IBDFAM, não se pode lhe retirar o mérito de trazer luzes a um debate tão instigante quanto apaixonante, como sói acontecer com todas as questões de família.

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1. DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 466-469.

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Mário Luiz Delgado é sócio do escritório Martorelli Advogados.

Fonte: Migalhas | 12/02/2014.

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