Artigo: O que esperar da Justiça no Brasil?

*José Renato Nalini

O Judiciário é o grande protagonista da cena estatal neste início do século 21. Todas as questões humanas são agora livremente submetidas à sua apreciação. No cenário micro, as pessoas perderam o receio de ingressar no Fórum, descobriram o acesso à Justiça e a ela recorrem com desenvoltura. No mundo macro, todas as políticas públicas passam pelo Estado-juiz, graças a uma Constituição que subordina a administração pública a princípios judicialmente aferíveis. Qualquer atuação estatal resta jungida à avaliação de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Diante desse comando explícito, ficou superado o óbice à incursão judicial sobre o mérito administrativo. Antes, alguns assuntos residiam na esfera da discricionariedade do administrador. Agora, incumbe ao juiz examinar se o gestor da coisa pública observou estritamente a vontade constituinte. Constatado o desvio, o julgador se arroga na função governativa.

Resultado dessa redescoberta da Justiça foi o excessivo demandismo brasileiro. Tramitam atualmente 93 milhões de processos para 200 milhões de pessoas. Como se todos os habitantes desta Nação estivessem a litigar. A beligerância parece a regra para quem observa o Judiciário desta era. Administrar o crescente número de ações judiciais requer prudente análise do fenômeno. A resposta singela e tradicional é multiplicar as estruturas do Judiciário, com criação de mais unidades, ampliação do quadro de pessoal e urgência na obtenção de orçamento compatível com as necessidades atuais e vindouras.

Outra leitura implicará prover a Justiça de gestão competente para acelerar a outorga da prestação jurisdicional sem aumentar em demasia as atuais estruturas. Para isso a informatização deve ser otimizada, de maneira a propiciar maiores resultados, a par de capacitação e motivação do funcionalismo a oferecer o melhor de seus préstimos, sem a promessa de inflação do quadro de servidores. O funcionário estimulado se convenceria de que é mais eficaz investir numa carreira prestigiada, com perspectivas de ascensão funcional e de retribuição por desempenho, em lugar da proliferação infinita de cargos e funções mal remuneradas.

As especificidades da Justiça não a isentam de absorver a cultura dominante, em que o ritmo da sociedade não se compadece mais com a lentidão do processo judicial. O modelo de quatro graus de jurisdição impõe ao demandante e ao demandado um suplício que se não confunde com perder o pleito: aguardar durante longos anos que se profira o julgamento definitivo, após as idas e vindas de instâncias intermediárias. Sem falar nas dezenas de oportunidades de reapreciação do mesmo tema, ante o caótico esquema recursal.

A par disso, a Justiça tem de continuar a conviver em harmonia com as várias alternativas de solução de conflito que prescindem da intervenção judicial. Seu papel é sinalizar qual a leitura predominante do ordenamento para que a pacificação resulte de um desenvolvimento da autonomia cidadã. Incentivar a conciliação, a mediação, a negociação, a transação, a celebração de acordos após imersão das partes na realidade que bem conhecem é fundamental para que impere a efetiva justiça no Brasil.

Investir na cultura do diálogo não interessa exclusivamente ao Judiciário, para mero alívio de sua insuportável carga de trabalho. A questão é muito mais séria e abrangente. Entregar todos os interesses ao Judiciário, agora, significa formatar uma cidadania inoperante, incapaz do diálogo, e tornar cada vez mais remota a potencialidade de implementação de uma democracia participativa. Como preparar o cidadão para contribuir na gestão da coisa pública, se seus problemas, até os de menor dimensão, precisam ser decididos no formalismo do Judiciário?

Não interessa à República brasileira inibir o protagonismo dos brasileiros, convertendo-os em membros de uma sociedade tutelada, a depender do Estado-juiz para a resolução de problemas que podem ser enfrentados na madura e saudável discussão dos próprios interessados. A solução negociada é muito mais ética que a decisão judicial. Esta é a mais forte, a mais poderosa, mas também a mais precária das respostas. A parte insatisfeita sempre poderá fazer ressurgir o conflito mal resolvido, pois a decisão nem sempre atinge o mérito e se resume a um aspecto processual, além do sabor frustrante de um julgamento epidérmico. Aquele que não enfrentou o cerne da controvérsia, manteve-se nos aspectos rituais e manteve incólume — ou até agravada — a desinteligência deflagradora da ação judicial.

Embora a teoria chame de “sujeito processual” a parte em litígio, na verdade o interessado representa um “objeto da vontade do Estado-juiz”. Este é que tarifará a dor, o prejuízo, a angústia, a liberdade ou o patrimônio de quem recorre ao Judiciário. Iniciada a ação, o interessado não tem vez nem voz direta no processo. Resta-lhe aguardar, pacientemente, o advento da coisa julgada, após labiríntico percurso nos meandros das instâncias.

Promover a paz, evitar os conflitos, é dever de todos. Mas é obrigação precípua da comunidade jurídica. Todos devem contribuir para evitar lides temerárias, para promover a conciliação, para tornar o convívio algo respeitoso, se possível amistoso e saudável.

Postas as alternativas — manter o crescimento e a atual concepção do que deva ser o Judiciário ou proceder a um inadiável aggiornamento —, cabe indagar: o que se deve aguardar da Justiça brasileira?

O Judiciário é um Poder da República e se exterioriza em serviço público posto à disposição da população. O erário, que sustenta a máquina, é fruto da arrecadação tributária a todos imposta. Por isso a população titulariza o direito e, mais que isso, o dever de participar das discussões que redesenhem a Justiça. Ou se continua no curso de dilatação dimensional para fazer do Brasil um imenso tribunal, com um juiz em cada esquina, ou se ajusta o passo do Judiciário com a contemporaneidade.

Você, brasileiro, é que decide.

* José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo I 02/01/14

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Ventos de liberdade e cidadania

Ricardo Coelho

É inegável que o Brasil vive hoje tempos de liberdade, com instituições sendo reconhecidas e respeitadas, em que pese percalços relacionados a denúncias de alguns agentes públicos, malversação de recursos e obras inacabadas. Mesmo tendo uma estrada longa a percorrer para alcançamos o patamar de nação desenvolvida, nosso país desponta e impressiona pelo enorme potencial econômico, capacidade empreendedora e abundância de recursos naturais.

Essa condição de liberdade e perspectiva encontra fundamento na nossa Constituição Federal, promulgada há exatos 25 anos. Trata-se de um marco da nossa democracia que fortaleceu partidos políticos, dividiu poderes, estabeleceu parâmetros e assegurou garantias e direitos.

No início deste mês tive a oportunidade de participar de homenagem a alguns brasileiros que deram o melhor de si para a elaboração de nosso texto constitucional. Um encontro realizado no Rio de Janeiro reuniu a classe política, notários e registradores de imóveis de todo o país. Entre os homenageados estavam os ex-ministros Bernardo Cabral e Nelson Jobim. Também foram lembrados os pioneiros da área registral do país que tiveram participação ativa no texto constitucional, como meu pai, Benedito da Costa Coelho Junior, fundador e membro ativo do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), entidade que tenho a honra de presidir atualmente e que representa 3,4 mil registradores em todo o território nacional.

Mais do que reconhecer o trabalho de alguns brasileiros, a cerimônia reuniu personalidades, prestadores de serviço público e profissionais que sabem exatamente o valor da liberdade, cidadania e transparência vivenciados hoje.

Impulsionada pelas conquistas da nossa Constituição, a atividade de registrador prevê esclarecer e informar direitos absolutos dos cidadãos. Costumo dizer que as pessoas entram em um cartório pelo menos em três vezes na vida: para registrar um filho recém-nascido, ao requerer o registro da casa própria e para dar conta da morte de um ente querido.

O país conta hoje com uma estrutura organizada para o registro de todas as naturezas. Nossa categoria tem se debruçado em estudos se esforçando para oferecer o melhor serviço possível.
Até meados do próximo ano todos os cartórios deverão ter o chamado Registro Eletrônico, que dará maior agilidade ao serviço cartorial pondo fim a uma série de entraves burocráticos.

Outra preocupação nossa é quanto à necessária regularização dos imóveis públicos e particulares. Para se ter uma ideia da desproporção, pelo menos metade dos imóveis do país tem alguma irregularidade. Isto significa não ter a posse definitiva, causando prejuízos a seus proprietários, que tem direito sobre o bem e seu patrimônio. Em nome disso, em abril passado, o IRIB assinou com o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria de Patrimônio da União, acordo para regularizar todos os imóveis de posse do governo federal. Um inventário está em curso visando levantar exatamente onde e quantas são as propriedades públicas nestas condições.

Defendemos a cultura do registro como forma do cidadão ter acesso à informação, com transparência, exercendo sua cidadania. Este é o Brasil que sonhamos. Um país que dá condições a todos, de forma igualitária, sem exceções, como preconiza nossa Carta Magna, um documento de 25 anos, que permanece robusto, jovem e atual. Que estas lições se mantenham sempre vivas. E que as novas gerações possam comemorar avanços e conquistas ainda maiores, em nome de uma sociedade cidadã, transparente, ética e livre.

_____________________

* Ricardo Coelho é presidente do IRIB.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br) – Site Folha Londrina I 31/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


STF: Decisão mantém norma da OAB sobre quarentena para escritórios de advocacia

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, suspendeu cautelarmente uma decisão liminar que havia afastado os efeitos de norma do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que estende a quarentena prevista no artigo 95 (parágrafo único, inciso V) da Constituição Federal de 1988 aos escritórios de advocacia que acolham magistrados aposentados. A decisão foi tomada na análise da Suspensão de Segurança (SS) 4848.

O dispositivo constitucional prevê que é vedado aos juízes “exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”.

Liberdade de exercício

Ao analisar um mandado de segurança impetrado por dois advogados contra a norma do Conselho Federal da OAB, o juízo da 22ª Vara Federal do Distrito Federal, com base no princípio da liberdade de exercício da profissão, concedeu liminar para suspender a Ementa 18/2013, da Ordem, que estende a quarentena prevista na Constituição às bancas que albergam magistrados aposentados.

O Conselho buscou cassar a liminar junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), mas teve o pedido indeferido. Diante disso, a OAB ajuizou a Suspensão de Segurança no STF, alegando que a norma insculpida na Carta da República tem como objetivo preservar a imparcialidade do Poder Judiciário e evitar eventual tráfico de influências e a exploração do prestígio dos magistrados. A Ordem entende que a liminar concedida pela Justiça Federal do DF põe em risco princípios constitucionais como moralidade, impessoalidade, devido processo legal, ampla defesa e paridade de armas.

Burla

Em sua decisão, o ministro Joaquim Barbosa frisou que o sentido da norma da OAB é impedir que sociedade de advogados sirva como expediente de burla à regra da quarentena.

O princípio da liberdade de exercício da profissão, disse o ministro, não oferece fundamentação jurídica adequada para o pleito formulado perante a 22ª Vara do DF. O acórdão do pleno do Conselho da Ordem, que resultou na norma impugnada, registra que “cabe à sociedade de advogados a decisão de acolher ou não em seus quadros o magistrado aposentado”. Além disso, lembrou o ministro, o caráter da quarentena prevista na Constituição é restrito, uma vez que o juiz aposentado segue fazendo jus a seus proventos, além de estar apto a advogar perante órgãos judiciários distintos daquele em que por último atuou.

Com esses argumentos, o ministro deferiu o pedido de medida cautelar para suspender a decisão liminar do juízo da 22ª Vara Federal do DF.

A notícia refere-se ao seguinte processo: SS 4848.

Fonte: STF I 09/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.