REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: Especialização de fração ideal em lote. Atribuição promovida pelo Município.

* Amilton Alvares e George André Alvares

Muitos loteamentos clandestinos ou parcelamentos irregulares originaram-se do expediente fraudulento da venda de frações ideais da gleba bruta. No passado, não muito distante, o dono da gleba elaborou uma planta do parcelamento pretendido e, diante das dificuldades de cumprir os requisitos do procedimento regular de aprovação e registro do loteamento, lançou-se na aventura de vender “lotes” mediante o artifício de transmitir parte ideal da gleba com posse localizada. O instituto do condomínio ordinário do Código Civil foi empregado com fim ilícito e com isso muitas matrículas ostentam, hoje, centenas de registros de vendas de partes ideais. Isso criou um problema de difícil solução nos planos urbanístico e registral. Agora, com o advento da Lei nº. 11.977/2.009 e alterações promovidas pela Lei nº. 12.424/2.011, temos possibilidades reais de regularizar esses assentamentos urbanos e outros parcelamentos irregulares ou informais.

Importa desde logo firmar a premissa de que, em matéria de parcelamento do solo, o Município é o juiz do urbanismo e o seu interesse sobrepuja os interesses dos demais entes federados. Não há outro modo de cumprir a Constituição Federal e afirmar a autonomia municipal, senão mediante o reconhecimento de que o parcelamento do solo está vinculado ao predominante interesse do Município. Portanto, no parcelamento do solo em território do Município, o interesse deste se agiganta diante do interesse de qualquer outro ente político. Acima de qualquer interesse do Estado ou da União está o interesse local (CF, art.30, I e VIII). O Município, no desenvolvimento das políticas urbanas, deve ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (CF, art.182, “caput”). Por isso, a Lei nº. 11.977/2.009 dotou o Município de poderes para promover a aprovação urbanística e ambiental nas regularizações fundiárias de interesse social (art.53, parágrafo 1º), regularizar parcelamentos em área pública (art.56, § 2º, I) e em APP – Área de Preservação Permanente ocupada até 31/12/2.007 (art.54, § 1º). O legislador foi tímido ao assegurar expressamente a competência que pode ser extraída diretamente da Constituição. Na verdade, não se pode conceber que em qualquer parcelamento urbano esteja o Município em posição de subserviência ao Estado, dependendo de licenças ambientais da CETESB para liberar empreendimentos em seu território. Independentemente desse questionamento quanto às aprovações regulares de loteamentos, certo é que em regularização fundiária está dispensada a licença do Estado se o Município possuir conselho de meio ambiente e órgão ambiental capacitado (art.53, parágrafo 1º, da Lei nº. 11.977/2.009).

As dificuldades com o antigo modelo de regularização fundiária e com a outorga de títulos de propriedade sensibilizaram o legislador, que estabeleceu mudanças profundas com a promulgação da Lei nº. 11.977/2.009. A possibilidade de o poder público expedir Auto de Demarcação Urbanística, que será averbado no Registro de Imóveis, o poder-dever de expedir título de legitimação de posse conferido ao Município e a faculdade concedida ao poder público municipal de determinar especialização de parte ideal em lote determinado constituem o cerne das mudanças, que estão a viabilizar a implementação das regularizações fundiárias. No Estado de São Paulo, podemos ainda mencionar a edição dos Provimentos nº. 18/2.012 e 21/2.013 pela Corregedoria Geral da Justiça como fatores determinantes de grandes avanços em regularizações de parcelamentos irregulares. Neste pequeno estudo pretendemos nos ocupar da especialização de parte ou fração ideal em lote determinado, lote de loteamento regularizado.

Juridicamente, o titular de fração ideal é proprietário de parte ideal da gleba do parcelamento mas não é dono de lote específico. No plano fático, ele ocupou um lote específico e se comporta como dono do lote. O proprietário de parte ideal não tem o reconhecimento jurídico e registral de que é dono daquele lote.

A Lei nº. 11.977/2.009 não disciplinou expressamente a especialização da parte ideal. Limitou-se a estabelecer que o título de legitimação de posse poderá ser concedido ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado (art.59, § 2º da Lei nº. 11.977/2.009, incluído pela nº. 12.424/2.011). Nada mais justo do que assegurar a quem tem título registrado o mesmo direito assegurado a quem não tem título – outorga do título de legitimação de posse. Mas temos de considerar que aquele que tem título registrado e posse deve possuir mais direitos do que o simples possuidor ou morador.

Conquanto natural e lógica a norma que autoriza a outorga do título de legitimação de posse ao proprietário de parte ideal, certo é que a regularização registral via legitimação de posse demanda tempo, com espera de pelo menos 5 (cinco) anos para que a posse seja convertida em propriedade (art.60 da Lei nº. 11.977/2.009). Essa solução pode ser considerada injusta, porquanto dar-se-á o aviltamento da posição jurídica do proprietário de parte ideal, que passará de proprietário a possuidor. A possibilidade de o Município expedir ato de atribuição do lote correspondente à fração ideal foi levantada em São José dos Campos em 08/01/2.010, com apresentação de proposta de outorgar ao Município a faculdade de fazer a atribuição do lote ao proprietário de parte ideal. A suma da proposta foi apresentada no Processo nº. 031/08 – 8ª Vara Cível, nos seguintes termos: “A Lei nº. 6.766/79 e a Lei nº. 11.977/2.009 conferem plenos poderes à Prefeitura para a regularização de loteamentos. Regularizado o loteamento, o compromisso de venda e compra ganha força de título de transmissão da propriedade para fins de registro no Registro de Imóveis (art.41 da Lei nº 6.766/79). Em regularizações de loteamento, a lei não disciplinou como o proprietário de parte ideal, com título já registrado, deve se fazer proprietário de parte certa – lote que ocupa no loteamento regularizado. Por óbvio, o proprietário da parte ideal, com registro na matrícula originária da gleba, não pode ter posição inferior à do promitente comprador que nunca conseguiu registrar o seu título. Resta então encontrar a forma mais prática e econômica para fazer o descerramento de matrícula do lote ocupado pelo proprietário de parte ideal ou seu sucessor, nas regularizações fundiárias promovidas pela Prefeitura. Salvo melhor juízo de V.Exa., a solução mais indicada é a Prefeitura expedir um auto de atribuição ou ato administrativo de atribuição dos lotes, após colher os pedidos de atribuição dos respectivos adquirentes de partes ideais, conforme a ocupação existente na gleba da regularização. Penso que os poderes concedidos por lei à Prefeitura, nas regularizações fundiárias, asseguram que a Municipalidade não está obrigada a exibir os pedidos de atribuição de lotes, mas a Prefeitura tem a responsabilidade e o dever de fazer a atribuição dos lotes em favor dos proprietários de partes ideais, para, assim, completar a regularização fundiária com a entrega dos títulos de propriedade, nos termos da ocupação realizada. Não há previsão legal específica, mas a solução do auto ou ato administrativo de atribuição é encargo da Prefeitura e decorrência natural e lógica da regularização fundiária.

Depois da edição do Provimento nº. 18/2.012, a Corregedoria Geral da Justiça – SP abriu a oportunidade para os registradores de imóveis e outros interessados apresentarem propostas de aperfeiçoamento das Normas dos Serviços Extrajudiciais (NSCGJ) quanto ao procedimento registral de regularização fundiária, o que culminou com a edição do Provimento nº. 21/2.003, cujas prescrições integram as NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, Seção X, itens 273 a 313. Hoje, a especialização de fração ideal em lote, por atribuição promovida pelo Município, tem previsão expressa no subitem 282.4, Capítulo XX, das NSCGJ:

282.4 O Município poderá indicar os respectivos lotes correspondentes às frações ideais registradas, sob sua exclusiva responsabilidade, dispensando-se o procedimento previsto no item 293 e seguintes para a especialização das áreas registradas em comum.

E como o Município deve fazer a atribuição da parte ideal em lote específico, sob sua exclusiva responsabilidade, convêm chamar a atenção dos agentes municipais para os aspectos importantes dessa especialização.

1.   O Município deve verificar se de fato o ocupante do lote é proprietário de parte ideal ou sucessor de proprietário de parte ideal.

2.   O Município deverá expedir termo de atribuição do lote ou documento equivalente, em que certificará que o ocupante do lote é proprietário ou sucessor de proprietário de parte ideal e exerce o seu direito de propriedade naquele lote específico, que está na posse do mesmo.

A rigor, o proprietário de parte ideal não precisa ter moradia no lote, pois o direito à especialização da parte ideal decorre do direito de propriedade em que está investido. Da mesma forma, o proprietário de parte ideal não precisa ter moradia no lote se, eventualmente, fizer a opção por obter o título de legitimação de posse. O art.59 da Lei nº. 11.977/2.009 estabelece a distinção, ao prescrever que a legitimação de posse deve ser outorgada aos moradores cadastrados (parágrafo 1º) e ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado (parágrafo 2º). Veja-se que o proprietário de parte ideal pode até não ter sido cadastrado anteriormente pelo Município. Sem cadastro anterior, não deve o Município outorgar título de legitimação de posse, sob pena de violação da norma do parágrafo 2º do art.59, da Lei nº. 11.977/2.009. No entanto, o Município poderá expedir o termo de atribuição se puder cadastrar e certificar que o titular de parte ideal está na posse do lote e é coproprietário tabular ou sucessor de proprietário de fração ideal da gleba.

É conveniente que o Município estabeleça um procedimento próprio com determinação de rotina para a expedição dos termos de atribuição ou especialização de parte ideal em lote. Expedido o respectivo termo de atribuição, deve o proprietário ser orientado a procurar o Registro de Imóveis para tratar da regularização registral. Não é conveniente que o Município assuma a responsabilidade de requerer a prática dos atos registrais. Convém que o interessado trate disso diretamente no Registro de Imóveis pois, conforme as circunstâncias, o ato registral estará sujeito ou não ao pagamento dos emolumentos previstos no Regimento de Custas do Estado.

Propõe-se o seguinte modelo de termo de atribuição a ser expedido pelo Município:

TERMO DE ATRIBUIÇÃO DE LOTE

ESPECIALIZAÇÃO DE PARTE IDEAL EM PARCELAMENTO REGISTRADO

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A Prefeitura Municipal de …, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais, expede o presente Termo de Atribuição do Lote _________ da quadra __________ com a área de ______m2, integrante do parcelamento urbano regularizado sob a denominação de Loteamento ______________________________ em favor do outorgado ___________________________________ (qualificação), atribuição que corresponde à especialização da parte ideal de sua propriedade no imóvel originário do parcelamento regularizado.

Diante da atribuição da propriedade do lote estabelecida neste termo administrativo, conforme levantamento, cadastro, compilação, conferência e verificação de documentos, certificações e serviços técnicos promovidos pelo Município de …, agente promotor da regularização fundiária, deu-se a entrega do lote correspondente à fração ideal registrada na matrícula nº.___________ em nome de ______________________________________ (parte ideal de _____________), e o beneficiário deste termo (outorgado) declara, para todos os fins e efeitos de direito, ter recebido o seu quinhão no imóvel do parcelamento regularizado, prometendo nada mais reclamar ou reivindicar de quem quer que seja ou do Município, a qualquer título, por conta da propriedade e da posse exercidas no imóvel da regularização fundiária.

Local, em………………………………….

 

____________________________________

Prefeitura Municipal de …

 

____________________________________

Proprietário do lote (outorgado)

 

____________________________________

Cônjuge do Proprietário do lote

Para remate, importa ressaltar que se o Município não chamar para si a responsabilidade de fazer a atribuição do lote na especialização da fração ideal, o interessado deverá submeter-se ao procedimento da especialização da parte ideal mediante requerimento próprio apresentado no Registro de Imóveis, sendo necessária a anuência ou a notificação dos confrontantes (itens 279, 293 e 294, Capítulo XX, NSCGJ), procedimento mais oneroso para o beneficiário.

Leia também: LOTE VAGO EM REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

_________________

* Amilton Alvares é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

* George André Alvares é Advogado e Presidente do Instituto Lares (ONG de regularização fundiária).

Como citar este artigo: ALVARES, Amilton; ALVARES, George André. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. ESPECIALIZAÇÃO DE FRAÇÃO IDEAL EM LOTE. ATRIBUIÇÃO PROMOVIDA PELO MUNICÍPIO. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 085/2014, de 08/05/2014. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2014/05/08/regularizacao-fundiaria-especializacao-de-fracao-ideal-em-lote-atribuicao-promovida-pelo-municipio/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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É inaplicável a norma contida no art. 4º, II da Lei nº 6.766/79, que limita as dimensões mínimas de lote a 125m², quando o caso se tratar de desdobro de imóvel já registrado

Parcelamento do solo urbano. Desdobro. Lote – área mínima. Definição municipal

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) julgou, por meio de sua 2ª Câmara Cível, a Apelação Cível nº 1.0016.13.004163-1/001, onde se decidiu pela inaplicabilidade da norma contida no art. 4º, II da Lei nº 6.766/79, que limita as dimensões mínimas de lote a 125m², quando o caso se tratar de desdobro de imóvel já registrado. O acórdão teve como Relatora a Desembargadora Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa e foi, à unanimidade, improvido.

No caso em tela, o Ministério Público mineiro apelou da r. sentença proferida pelo juízo a quo, que deferiu o pedido de alvará e autorizou o registro de formal de partilha envolvendo imóvel com área inferior ao estabelecido pela Lei nº 6.766/79. Em suas razões, o apelante sustentou que o Município deve respeitar as previsões contidas nas Leis nº 6.015/73 e nº 6.766/79, dada sua incompetência para legislar sobre direito urbanístico e afirmou que, in casu, o imóvel não é oriundo de urbanização específica ou de conjuntos habitacionais, devendo observar a metragem mínima de 125m².

Ao analisar o recurso, a Relatora observou que a parte ajuizou procedimento de expedição de alvará, afirmando, na exordial, que é possuidor e proprietário de terreno urbano registrado, recebido por herança, com área de 52,50m², proveniente de anterior desmembramento registrado; que não foi possível a transferência deste imóvel em virtude deste possuir metragem inferior a 125m² e que, pela sentença atacada, o pedido de expedição foi julgado procedente, ocasião em que o juízo a quo considerou que a legislação local atinente à espécie permite o “desdobro” e o “desmembramento” dos imóveis, de forma a atender às necessidades do Município.

Posto isto, a Relatora entendeu que o art. 4º, II da Lei nº 6.766/79 não deve ser analisado de forma isolada, notadamente, quando o dispositivo conflitar com direitos considerados fundamentais, tais como a moradia e a dignidade da pessoa humana. Além disso, verificou que o desmembramento e registro do imóvel com área inferior ao mínimo estabelecido ocorreu depois da entrada em vigor da mencionada lei, sendo certo que, a alteração de tais modificações pelo Registro de Imóveis gerou ao adquirente daquele bem a justa expectativa de gozar de todos os direitos inerentes à propriedade. A Relatora afirmou, ainda, que a promulgação da Lei nº 9.785/99, modificadora da Lei nº 6.766/79, ampliou a autonomia municipal, relativamente ao planejamento urbano e à urbanização de áreas, transferindo-se a eles a competência para diversas definições, inclusive, quanto às áreas máximas e mínimas de lotes. Assim, como ressaltado na sentença recorrida, a Relatora entendeu que o dispositivo que estabelece a área mínima dos lotes constante na Lei nº 6.766/79 somente tem aplicação nas operações de loteamento ou desmembramento do solo, para fins de expansão urbana, não sendo aplicável nos casos de desdobro de terreno já existente e registrado, o qual é regido pela legislação local.

Diante do exposto, a Relatora votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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Parcelamento do solo urbano – Lote – área mínima – inferioridade

É possível a existência de lote com área inferior a 125m2, quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou a edificação de conjuntos habitacionais de interesse social.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) julgou, por meio da sua 1ª Câmara Cível, a Apelação Cível nº 1.0016.12.002355-7/001, que tratou acerca da possibilidade de existência de lote com área inferior a 125m2, quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou a edificação de conjuntos habitacionais de interesse social. O acórdão teve como Relator o Desembargador Geraldo Augusto e o recurso, que teve rejeitada a preliminar, foi, à unanimidade, provido.

No caso em tela, o Município, inconformado com a sentença que determinou o cancelamento de matrícula e de eventuais registros a ela vinculados, ante a constatação de vício no seu destacamento, interpôs, como 1º apelante, recurso de apelação, argumentando, preliminarmente, a nulidade da sentença por ser extra petita. Quanto ao mérito, afirmou que não houve qualquer tipo de identificação e/ou delimitação do imóvel por parte do Estado de Minas Gerais no prazo previsto no art. 6º do ADCT da Constituição Estadual, sendo este registrado em nome do Município, pois a propriedade se encontrava nos limites territoriais da cidade. Alegou, ainda, que a inexistência de registro do imóvel não tem o condão de comprovar que se trata de terra devoluta e que, de acordo com o art. 4º, II, da Lei nº 6.766/79, ao estipular a área mínima de 125m2 para determinado imóvel, somente é aplicável aos novos loteamentos aprovados, devendo-se interpretar tal exigência com reservas, principalmente, por se tratar de situação de fato já consolidada. Por fim, afirmou que houve mera legitimação da posse do bem àqueles que já ocupavam o imóvel, utilizando-se o Município de programa habitacional para consagrar a garantia fundamental da propriedade.

Também inconformados, os réus, 2º apelantes, argumentaram em suas razões que o imóvel não pode ser considerado como terra devoluta, já que há anos mantêm a posse e a propriedade do bem em questão, sem qualquer oposição dos entes federal e estadual, demonstrando que, se o ente municipal doou o imóvel sem oposição é porque a propriedade lhe pertencia. Afirmou que o Município elaborou toda legislação pertinente ao caso para que o imóvel fosse legalizado e adquirido pelos apelantes e que, havendo o cancelamento do registro, ficarão impossibilitados de exercerem seu direito de propriedade.

Ao analisar o recurso, o Relator, após rejeitar as alegações preliminares, constatou que o imóvel foi adquirido antes da vigência do Código Civil, passando a pertencer ao Município, posteriormente, sendo doado por este ao réu e que o imóvel realmente possui área inferior ao mínimo previsto na Lei nº 6.766/79. Contudo, entendeu que o art. 4º, II da mencionada lei previu exceções à regra geral, autorizando a existência de lotes com área inferior a 125m2 quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social. O Relator observou que a doação do imóvel pelo Município ao réu somente foi realizada por autorização da Lei Municipal nº 3.192/06, que instituiu o Programa de Regularização Fundiária na municipalidade e que, além desta lei, o Município editou a Lei Municipal nº 4.322/11, instituindo em determinados bairros as chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), com o objetivo de regularizar as regiões ocupadas desordenadamente. Portanto, entendeu o Relator que o caso se amolda na exceção autorizativa constante na própria Lei nº 6.766/79 e que a situação de fato foi apenas regularizada pelo Município.

Além disso, no que diz respeito ao fato de o imóvel ser considerado como terra devoluta, o Relator entendeu, apontando precedentes jurisprudenciais, que “é de entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que a inexistência de registro imobiliário não induz à presunção de que o imóvel seja terra devoluta, pertencente ao Estado, sendo deste o ônus de provar a titularidade do terreno.”

Diante do exposto, o Relator votou pelo provimento do recurso, concluindo que a matrícula do imóvel deve ser mantida intacta, pois não se pode presumir que o bem doado pelo Município se caracterize como terra devoluta de propriedade do Estado de Minas Gerais, ainda mais quando sequer foi oportunizada a oitiva do ente estadual.

Clique aqui e confira a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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