Entrevista: dupla parentalidade

Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que  a existência de pai socioafetivo não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) em Rondônia comentou a decisão. Confira:

1) Na sua avaliação o entendimento do STJ de que a paternidade socioafetiva não pode ser imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o reconhecimento do vínculo biológico está correto?

Entendo que o posicionamento do STJ está correto porque o filho, embora tenha um pai registral tem direito de saber a sua origem biológica. Vemos no direito das famílias contemporâneo, novos arranjos familiares e novas formas de paternidade e maternidade. Decorrentes desse novos arranjos, dessas novas famílias, criam-se laços afetivos e situações inusitadas que tem desafiado os julgadores. A paternidade é exemplo desses laços.

Sabe-se que a paternidade, atualmente, exige mais que um laço de sangue, mais do que a procriação, é necessário sobretudo o vínculo afetivo e emocional, surgindo daí a figura da paternidade socioafetiva, na qual o pai reconhece como seu um filho não biológico. Todavia, uma vez instalada essa situação fática e jurídica, ela não constitui óbice ao filho que tem interesse em conhecer a sua origem biológica. Isso é uma realidade para a qual o direito e os julgadores não podem fechar os olhos.

Não podemos olvidar que é preciso buscar um direito próximo da realidade, ainda que a situação não esteja prevista no direito positivado. Ora, se é possível o reconhecimento de dupla maternidade porque não também da dupla paternidade?

Penso não ser razoável impor ao filho que escolha somente um daqueles que exercem a função de pai, não sendo razoável também admitir que um dos pais se sobreponha ou exclua o outro, e isso consiste em adequar o direito às novas realidades sociais.

Ademais, entendo que a paternidade socioafetiva pode conviver harmoniosamente com a paternidade biológica, não havendo óbice para que conste na certidão de nascimento o nome dos dois pais (socioafetivo e biológico).

Registro, no entanto, que a questão é nova, e merece uma análise mais acurada, devendo ser estudada e debatida pelos tribunais e operadores do direito, à luz dos novos paradigmas com os quais lida o direito de família atual.

2) Sendo reconhecida a paternidade biológica, teria esse filho o direito sucessório à herança dos pais, afetivo e biológico?

Uma vez reconhecida a dupla parentalidade, é indubitável que filho terá todos os direitos inerentes à filiação, inclusive os direitos sucessórios. Ora, se a pretensão é ter dois pais registrais, um socioafetivo e outro biológico, o reconhecimento não visa usurpar, mas sim ampliar direitos.

3) Na sua opinião quais princípios norteiam o reconhecimento da dupla parentalidade?

A pretensão do filho em saber a sua origem e a busca pelo reconhecimento do vínculo se coaduna com o princípio do melhor interesse, que visa a busca de soluções que representem maiores benefícios para a criança e adolescente, além do princípio da dignidade humana.

Fonte: IBDFAM I 21/10/2013.

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STJ: Paternidade socioafetiva não afasta direito ao reconhecimento do vínculo biológico

A existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

O colegiado, de forma unânime, seguiu o entendimento da relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, para quem o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 

“Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”, assinalou a ministra. 

Vínculo prevalente

Na ação de investigação de paternidade, a filha, que foi registrada pelo marido de sua mãe, pretendia o reconhecimento da paternidade biológica, a alteração de seu nome e sua inclusão, como herdeira universal, no inventário do pai biológico. 

A família do pai biológico contestou o pedido, sustentando a inexistência de relacionamento entre ele e a mãe da autora da ação; a falta de contribuição da autora na construção do patrimônio familiar e a prevalência da paternidade socioafetiva em relação à biológica. 

Em primeiro grau, o magistrado declarou a paternidade, com fundamento no exame positivo de DNA, e determinou a retificação do registro de nascimento. Além disso, declarou a autora legítima herdeira necessária do pai biológico, fazendo jus, portanto, à sua parte na herança, no mesmo percentual dos demais filhos. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a sentença. 

No recurso especial ao STJ, a família do pai biológico voltou a sustentar a prevalência do vínculo socioafetivo em relação ao biológico, para declaração da paternidade com todas suas consequências registrais e patrimoniais. Segundo a família, houve, na realidade, uma “adoção à brasileira” pelo marido da mãe da autora, quando declarou no registro de nascimento da criança que ela era sua filha. 

Melhor interesse

Em seu voto, a ministra Andrighi mencionou que a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade. 

Entretanto, a ministra afirmou que a paternidade socioafetiva não pode ser imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o reconhecimento do vínculo biológico. 

“É importante frisar que, conquanto tenha a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura”, disse a relatora. 

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ I 17/10/2013.

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Entrevista: reconhecimento de paternidade socioafetiva

Na semana passada publicamos matéria sobre decisão unânime da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mantendo sentença que julgou procedente o pedido em ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Veja entrevista com o promotor aposentado Dimas Messias de Carvalho, membro do IBDFAM e um dos advogados da ação*:

Qual é a importância da decisão em Minas Gerais relativa à socioafetividade?

Finalmente tivemos uma decisão mineira do TJMG que apreciou o mérito e não apenas a possibilidade, em tese, do ajuizamento da ação. Diante desse precedente os caminhos se abrem para a propositura de novas ações, diminuindo os riscos de extinção do processo sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido. Além do TJMG, é importante ressaltar que o parecer da Procuradoria de Justiça que também foi favorável.

Esta decisão mostra que o TJMG se posiciona no rol dos tribunais mais modernos do país?

O Tribunal de Justiça Mineiro, apesar de ainda carregar uma fama injusta de conservador, possui atualmente um grande número de desembargadores de excepcional capacidade jurídica e sensíveis às mudanças sociais, notadamente nos novos modelos de arranjos familiares, que tem como elemento agregador a socioafetividade. Entre esses notáveis julgadores se incluem o relator do acordão, Des. Kildare Gonçalves Carvalho, que é professor de Direito Constitucional e autor de renomada obra da mesma disciplina. Da mesma forma a revisora Desª Albergaria Costa e o vogal Des. Elias Camilo são magistrados que se destacam pela excelência e sensibilidade em seus julgamentos, podendo serem consideradas modernas.

É inequívoco, todavia, que esta decisão coloca o TJMG em outro nível de avanço no País, em efetivamente garantir os princípios constitucionais da dignidade humana, igualdade e isonomia dos filhos, tanto que a decisão foi muito aplaudida e comentada nos recentes congressos do IBDFAM, entre eles o do Mercosul, despertando interesse também de juristas do Peru e Argentina, que queriam saber os fundamentos da decisão.

Por que a socioafetividade ainda não está expresssamente prevista na legislação?

Penso que é em razão do Código Civil de 2002 ter sua origem no Projeto 634 de 1975, quando ainda não se discutia a socioafetividade. Somente em 1979 foi publicado o memorável artigo " a desbiologização da paternidade", do prof. mineiro João Baptista Vilela, conforme lembra Rodrigo da Cunha Pereira na sua obra sobre os princípios fundamentais norteadores do direito de família e que usei muito nas razões para fundamentar a procedência do pedido. O Congresso Nacional, entretanto, já se sensibilizou e reconheceu a importância da filiação socioafetiva, sendo apresentado em 03.06.2013, o PL 5682/2013 para incluir no art. 27 do ECA a possibilidade de ser exercitado o reconhecimento do estado de filiação em face dos pais biológicos ou socioafetivos.

Qual é a importância da participação do IBDFAM, na condição de amicus curiae, na ação (ARE 692186 – Paraíba) que tramita no STF para discutir a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica?

É essencial, como aliás vem ocorrendo em vários outros pleitos para humanizar o Direito de Família e efetivamente respeitar a pessoa humana com dignidade. O IBDFAM mudou o Direito de Família no Brasil, efetivando os princípios constitucionais e igualdade entre as pessoas. O princípio da afetividade foi construído e divulgado pelos sócios do IBDFAM, como Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Giselda Hironoka, Luiz Edson Fachin, Maria Berenice Dias, Sérgio Resende de Barros, entre outros, sempre enfrentando grandes oposições. Assim é imprescindível a participação do IBDFAM como amicus curiae em qualquer discussão de relevância para o direito de família, atuando como um farol para iluminar um norte mais feliz e humano na família brasileira, especialmente tratando-se da socioafetividade.

*Também advogaram na ação Jacob Lopes de Castro Máximo e Daniella 

Velloso Pereira.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM I 04/09/2013.

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