Artigo: 450 anos do Notariado Brasileiro – Por José Flávio Bueno Fischer

Por José Flávio Bueno Fischer*

Este ano, comemora-se uma data muito especial para os tabeliães brasileiros: 450 anos da criação do notariado na cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com Deoclécio Leite de Macedo, brilhante paleógrafo brasileiro que dedicou parte de sua vida na tentativa de constituir a história do notariado brasileiro, compulsando velhos livros de registro em busca de elementos que naturalmente se acham esparsos, “o primeiro ofício de tabelião público do Judicial e Notas do Rio de Janeiro, de acordo com o costume português, foi criado juntamente com a cidade, pelo capitão Estácio de Sá, em 1º de março de 1565. Pero da Costa foi nomeado seu primeiro serventuário. Por provisão de Mem de Sá, em 20 de setembro de 1565, foi anexado a esse ofício o de escrivão das Sesmarias. Pero da Costa renunciou, então, ao ofício de tabelião do Judicial, acumulando, somente, as funções de tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias.”[1]
Muitos, entretanto, afirmam que a experiência da atividade notarial no Brasil é anterior ao 1º Oficio do Rio de Janeiro e remonta às expedições portuguesas do grande capitão Martim Afonso de Souza, que teria trazido, a bordo da famosa esquadra por ele comandada, 2 tabeliães, oficiais que teriam sido escolhidos e nomeados ainda em Portugal, conforme se lê da Carta de Poder de 20 de novembro de 1530 conferida por D. João III. Registrava o monarca que para a tomada de posse das terras bem como “para as coisas da Justiça e governança da terra” seria necessário criar tabeliados. [2]
Na verdade, pouco importa saber a origem exata da história do notariado no Brasil. A própria instituição do notariado em escala mundial se perde nas brumas do tempo. O que vale dizer é que dentre as diversas funções ou profissões surgidas com o desenvolvimento da sociedade, a atividade do notário é uma das poucas que ainda perdura. “Enquanto as instituições mais veneráveis e poderosas ruíram com o passar dos séculos, o notariado atravessou incólume a Queda do Império Romano, as trevas da Idade Média e até mesmo a sangrenta revolta do povo contra a aristocracia. A Revolução Francesa demoliu antigas instituições, mas o notariado foi preservado e revigorado.”[3]
E, no Brasil, o mérito do notariado é enorme e atravessa gerações. Nas palavras de Carlos Fernando Brasil Chaves, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Subseção São Paulo, é a verdadeira história guardada em livros oficiais, pois ela demonstra o comportamento da vida social, das relações interpessoais, da aquisição patrimonial, dos valores morais, do comportamento familiar, do altruísmo ou do egoísmo, ou seja, reflexo fundamental e indissolúvel das características da sociedade. Segundo ele, talvez nenhuma outra instituição seja capaz de retratar de forma tão fiel a transmutação da vida brasileira.[4]
Realmente, qual outra instituição poderia pretender tamanhas experiência e estabilidade senão aquela que serve à boa-fé dos negócios jurídicos, à segurança das convenções, à publicidade dos atos e fatos jurídicos, ao rechaço da fraude e a garantia da validade e da eficácia de todas as trocas e do comércio humano?[5]
O tabelião, que é profissional de direito, com conhecimentos jurídicos e técnicos, garante a identidade e capacidade das partes, a legalidade dos atos, a conservação desses e sua validade “erga omnes”, desempenhando um importante papel de mantenedor da paz social, eis que sua atuação previne litígios e traz segurança jurídica. Em outras palavras, a noção própria da função notarial é obter o bem comum, a paz social, o que é uma prerrogativa apenas do Notário do tipo latino.
Com efeito, o tabelião latino, compreendendo os notários de todos os 86 países membros da União Internacional do Notariado, dentre eles, os brasileiros, distingue-se muito do notário anglo-saxão, esse último típico dos países regidos pela Common Law, como os Estados Unidos e muitos países da União Européia. Enquanto as atribuições do notário anglo-saxão são limitadas à autenticação de assinaturas e de cópias, à tirada do protesto cambial e, em geral, a tomada de juramentos não judiciais, as do tabelião latino são muito mais abrangentes, englobando a feitura de documentos que constituem atos jurídicos. De acordo com Poisl, “essa autoria assumida pelo tabelião latino garante a plena eficácia do documento, pois que é fiadora da identidade, capacidade e legitimidade das partes, da legalidade de todo o texto, do cumprimento das exigências fiscais.”[6]
Enquanto o notário do sistema latino deve ser um profissional do Direito, com formação jurídica adequada para redigir os atos que lhe são apresentados, o notário do sistema anglo-saxão, o Notary Public, por não ter formação jurídica, está proibido de oferecer assistência às partes e de redigir quaisquer documentos em que se exija conhecimento especializado. Consequentemente, nesse último sistema, desconhece-se o documento autêntico, a sua eficácia de fé pública e a figura do notário como autor desta.
Desta forma, de acordo com Mônica Jardim, o sistema latino de notariado é o único que realmente realiza a prevenção de litígios, ou seja, “é o único que gera uma segurança jurídica preventiva ao lado da segurança corretiva, reparadora ou a posteriori, que decorre da decisão judicial.” Segundo ela, a “segurança preventiva não existe nos países anglo-saxónicos, nos quais a função notarial, na limitada medida em que existe, é externa, posterior e sobreposta ao documento.” O notário do sistema anglo-saxão é estranho ao conteúdo do documento e a fé pública ou autenticidade não atinge esse conteúdo.[7]
Veja-se o exemplo dos problemas oriundos da falta de transparência no mercado imobiliário norte-americano, que bem reflete o que aqui se quer demonstrar. No texto “Fraudes imobiliárias, cartórios e burocracia”, postado em 08.02.2009 no site www.observatoriodoregistro.com.br, Sérgio Jacomino noticia uma nova modalidade de fraude, a “identity theft mortgage”, algo como subtração de identidade pessoal e hipoteca, ou simplesmente roubo de casas. Isso porque como não há nos Estados Unidos um sistema registral que permita a conferência da real titularidade do domínio dos bens, os fraudadores, de posse de uns poucos dados sobre os imóveis e os proprietários, formalizam empréstimos bancários, oferecendo os imóveis em garantia, e até mesmo vendendo-os ou transferindo-os para seus próprios nomes.[8]
Se nos Estados Unidos houvesse a assistência de um profissional como os notários dos regimes da civil Law (Notariado Latino), como ocorre no Brasil, onde o tabelião é um profissional de Direito treinado para dar a necessária assessoria jurídica aos contratantes, interpretando as cláusulas contratuais, certamente as fraudes seriam coibidas de forma mais eficiente.
Desta forma, pode-se dizer, com segurança, que a presença do notário do sistema latino em todas as sociedades organizadas é imperiosa para assegurar a eficácia às convenções negociais e evitar fraudes, na medida em que seus atos são dotados de presunção de exatidão (fé pública) e legalidade. Aliás, quanto mais complexa a sociedade, e, portanto, maior a gama de negócios jurídicos a vincular as pessoas e contribuir para o progresso econômico, maior a importância dos notários, profissionais de direito que têm por missão dar segurança e publicidade a fatos jurídicos que a todos interessam e afetam.
A instituição do Notariado é “a expressão do tempo, do espaço e da cultura do país.”[9] Seu papel é fundamental na construção da pacificação social e da justiça. Por isso, independentemente da precisão histórica de sua origem no Brasil, vamos comemorar com louvor os 450 anos (ou mais) desta atividade tão essencial ao desenvolvimento do país!

_________________________

[1] MACEDO, Deoclécio Leite de. Tabeliães do Rio de Janeiro do 1º ao 4º Ofício de Notas: 1565-1822.Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/Media/Deoclecio.pdf. Acesso em 15.09.2015.

[2] OBSERVATÓRIO DO REGISTRO. 450 anos de tabeliado no Brasil? Disponível em:http://cartorios.org/2015/01/26/450-anos-de-tabeliado-no-brasil/. Acesso em 15.09.2015.

[3] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo, Método, 2014. p. IX

[4] CHAVES, Carlos Fernando Brasil. Uma instituição e a história do Brasil. Jornal do Notário. Ano XVII – Nº 167. Mai/Jun – 2015. Disponível em:http://www.cnbsp.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/revistas/84.pdf. Acesso em 15.09.2015.

[5] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo, Método, 2014. p. IX

[6] POISL, Carlos Luiz. Em testemunho da verdade: Lições de notário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2006. p. 20-21

[7] JARDIM, Mônica. A segurança jurídica preventiva como corolário da actividade notarial. Disponível em: https://woc.uc.pt/fduc/getFile.do?tipo=2&id=2314. Acesso em: 14.09.2015.

[8] PASSARELLI, Luciano Lopes. Responsabilidade civil do adquirente de bem imóvel que não registra seu título. In: Revista de Direito Imobiliário. Ano 33. n. 68. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan-jun. 2010. p. 09-61.

[9]   CHAVES, Carlos Fernando Brasil. Uma instituição e a história do Brasil. Jornal do Notário. Ano XVII – Nº 167. Mai/Jun – 2015. Disponível em: http://www.cnbsp.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/revistas/84.pdf. Acesso em 15.09.2015.

*José Flávio Bueno Fischer é 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF e Membro do Conselho de Direção da UINL.

Fonte: Notariado | 22/09/2015.

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CSM/SP: Dação em pagamento. Arrematação anteriormente registrada. Penhora – Fazenda Nacional – INSS – indisponibilidade.

A existência de penhoras em favor da Fazenda Nacional e do INSS impede o registro de escritura pública de dação em pagamento, onde a arrematação decorrente de penhora anteriormente registrada não as cancelou.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0004060-59.2014.8.26.0120, onde se decidiu que a existência de penhoras em favor da Fazenda Nacional e do INSS impede o registro de escritura pública de dação em pagamento, onde a arrematação decorrente de penhora anteriormente registrada não as cancelou. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

O caso trata de dúvida suscitada em face da negativa de registro de escritura pública de dação em pagamento, sob o argumento de que, embora o imóvel tenha sido arrematado em execução anterior, o registro da carta de arrematação não fez cancelar as penhoras averbadas em favor da Fazenda Nacional e do INSS, o que, em virtude da indisponibilidade prevista no art. 53, § 1º da Lei nº 8.212/91, impede o registro do título. Em suas razões recursais, os recorrentes afirmaram que as penhoras em favor da Fazenda Nacional e do INSS são posteriores à penhora na execução de onde proveio a carta de arrematação e, uma vez arrematado o imóvel, nada impede a alienação pelo arrematante, que não é devedor da Fazenda Nacional ou do INSS. Alegaram, ainda, que a dação em pagamento não representa alienação voluntária do bem.

Ao julgar o recurso, o Relator afirmou que assiste razão ao Oficial Registrador em recusar o registro do título, pois, conforme apontado por este, o CSM/SP tem entendimento pacífico no sentido de que, embora a indisponibilidade não impeça a alienação forçada, impede a voluntária, além de lembrar que as penhoras devem ser canceladas pelos Juízos que as determinaram. Entendeu, também, que enquanto não canceladas, as penhoras subsistem, inobstante o registro da carta de arrematação, impedindo a alienação voluntária do bem e o registro da escritura pública de dação em pagamento, em decorrência da indisponibilidade prevista no art. 53, § 1º da Lei nº 8.212/91. Além disso, o Relator observou ser evidente que a dação em pagamento traduz negócio voluntário, defeso em face da indisponibilidade e que é irrelevante que as penhoras em favor da Fazenda Nacional e do INSS sejam posteriores àquela que ocorreu na execução de onde proveio a arrematação, dado que o registro da escritura de dação em pagamento deve obedecer ao princípio do tempus regit actum, ou seja, devem ser observadas as condições de registro no momento em que o título vier a ser prenotado.

Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Íntegra da decisão

Fonte: IRIB.

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Questão esclarece dúvida acerca da doação de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes.

Doação – ascendente a descendente – anuência.

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da doação de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes. Veja nosso posicionamento sobre o assunto, valendo-se dos ensinamentos de Nelson Rosenvald:

Pergunta: É possível o registro de escritura pública de doação de ascendente a descendente, dos bens que não excedam a parte disponível, sem a anuência dos demais descendentes?  O Código Civil prevê a anuência para compra e venda, mas em relação a doação não há essa previsão.

Resposta: Não somente no caso de doação de ascendente para descendente,  quer cuidando ou não de parte disponível ou adiantamento de legítima, mas também de qualquer outro que envolva transmissão de direitos reais sobre imóveis, independentemente de sua natureza gratuita ou onerosa, deve o ato ser devidamente registrado, sem qualquer exigência de consentimento dos demais descendentes, cuja obrigação fica restrita à parte contratual.

Corroborando nosso entendimento, vejamos o que nos esclarece Nelson Rosenvald, ao comentar o art. 544 do Código Civil de 2002:

“O regime da doação entre familiares é distinto daquele aplicado à compra e venda. Nesta, a venda de ascendente a descendente é anulável quando não conta com o consentimento dos outros descendentes e cônjuge. Já na doação, o consentimento dos descendentes é despiciendo para fins de aferição do plano de validade, haja vista que qualquer controle apenas será exercitado ao tempo da abertura da sucessão.” (ROSENVALD, Nelson in “Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência”, coord. Cezar Peluso, 3ª ed. revisada e atualizada, Manole, São Paulo, 2009, p. 564).

Sugerimos, para maior aprofundamento no tema, a leitura da obra mencionada.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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