Artigo: Inventário Extrajudicial com Testamento: Por que não? – Por José Flávio Bueno Fischer

* José Flávio Bueno Fischer

O enunciado 600, da VII Jornada de Direito Civil, realizada ano passado, dispõe que “após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.”

A despeito deste enunciado, elaborado a partir de construções jurisprudenciais e doutrinárias acerca da possibilidade do inventário extrajudicial mesmo quando houver testamento, o artigo 610 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que entrou em vigor no último dia 18, em nada inovou em relação ao seu dispositivo correspondente no antigo Código de Processo Civil (Lei nº 5869/73), artigo 982, exceto o acréscimo de que a escritura pública é título hábil para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

Art. 610.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1o  Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2o  O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Art. 982.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único.  O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.” (NR)
Ou seja, o legislador perdeu uma excelente oportunidade de dar mais um passo para atingir o escopo do novo Código de Processo Civil, qual seja, o incentivo à desjudicialização através da ampliação dos procedimentos extrajudiciais. Permitir, expressamente, a realização de inventário extrajudicial quando houver testamento, desde que todos interessados sejam maiores e concordes, teria sido um avanço importante para dar ainda mais celeridade à Justiça, considerando a já comprovada eficiência dos inventários extrajudiciais, que tem um prazo médio de apenas 15 dias para processamento e conclusão.
É sabido que muitos ainda defendem que o exame do conteúdo do testamento com a finalidade de dizer o direito é atribuição exclusiva do juiz, pois, para eles, o notário não tem condições de identificar hipóteses em que as disposições testamentárias permitiriam interpretações distintas (art. 1899, CC), disposições nulas (art. 1900, CC), ou que demandassem aplicação do disposto nos artigos 1901 a 1911, do Código Civil,
Ora, não é esse nosso entendimento! Se o notário possui capacidade técnica para a lavratura de testamentos públicos, tanto mais a possui para a compreensão das disposições testamentárias e seu fiel cumprimento, dentro dos parâmetros legais.
O notário, ao lavrar um testamento público, colhe a fiel vontade do testador, verificando sua capacidade e sua livre vontade para o ato, e orientando-o das regras legais sobre as disposições testamentárias, tudo para que o testamento seja plenamente válido e eficaz. Assim, já ao redigir o testamento, o tabelião fica adstrito aos preceitos contidos nos artigos 1899, 1900 e 1901 a 1911, do Código Civil, de modo a evitar interpretações distintas ou nulas das cláusulas testamentárias.
Então, se há capacidade técnica para a análise prévia das disposições testamentárias, quando da sua elaboração, por que não há quando do seu cumprimento?
O artigo 1899 do Código Civil dispõe “quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.” Ora, quem melhor que o notário, que é aquele que colhe a vontade do testador e a transcreve no documento público, para interpretá-la e fazê-la cumprir?
Sílvio de Salvo Venosa, citado em parecer contrário ao nosso entendimento aqui exposto, mas que, ao nosso ver, corrobora o que aqui queremos defender, ao comentar o artigo 1899 do Código Civil, afirma que “qualquer que seja a conclusão do intérprete, porém, não deve fugir do texto e do contexto do testamento. Nesse sentido deve ser compreendida a dicção do art. 1.899.”[1]
Nessa linha, também é Zeno Veloso, ao afirmar que “sob pretexto de apurar qual é essa intenção, não tem direito o intérprete de criar, inventar, estabelecer o que ele acha coerente, racionável e justo, impondo, afinal, a sua vontade, substituindo-a pela do defunto, traindo a memória do de cujus e o que este deixou perenizado no seu testamento. Enfim, não pode o intérprete, interpretando, travestir-se de testador do testamento alheio.”[2]
Em outras palavras, o intérprete do testamento deve ficar restrito ao que nele está previsto, evitando divagações e suposições. Por isso mesmo que o notário, diante de sua experiência em colher a real vontade do testador, transformando-a num documento público claro e objetivo, é tão apto a fazer cumprir esta mesma vontade, pois sua capacidade técnica portada de fé pública e sua imparcialidade o conduzem à interpretação da real vontade do testador.
Desta forma, consideramos que é plenamente viável e cabível a realização de inventário extrajudicial quando houver testamento público, desde que inexista interesse de menores e fundações ou dissenso entre os herdeiros e legatários.
É este o entendimento exarado pela 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, em sentença de 14 de fevereiro de 2014, segundo a qual tratando-se de testamento já aberto e registrado, sem interesse de menores e fundações ou dissenso entre os herdeiros e legatários, e não tendo sido identificada pelo Juízo que cuidou da abertura e registro do testamento qualquer circunstância que tornasse imprescindível a ação de inventário, não há óbice à lavratura de escritura de inventário extrajudicial, diante da expressa autorização do Juízo competente.[3]
Veja-se que a decisão mencionada exige o prévio registro do testamento como condição de realização do inventário extrajudicial, isso porque, segundo a decisão, esse procedimento judicial viabiliza identificação de hipóteses em que as disposições testamentárias permitiriam interpretações distintas (art. 1899, CC), disposições nulas (art. 1900, CC), ou que demandassem aplicação do disposto nos arts. 1901 a 1911, do Código Civil.
A despeito de considerarmos que o tabelião tem plenas condições de identificar eventuais disposições testamentárias que demandariam interpelação judicial e, assim, encaminhar as partes à via judicial, compreendemos que o procedimento judicial prévio de registro de testamento se traduz como meio termo entre a impossibilidade de realização de inventário extrajudicial quando houver testamento e possibilidade de realização sem qualquer intervenção judicial.
O meio termo, o justo meio, o caminho do meio, o equilíbrio, é o fim buscado pela Justiça. Através do prévio registro do testamento, em que o Juízo que cuida da abertura e registro do testamento dispensa o inventário judicial após cuidadosa análise, tem-se a manifestação judicial necessária a conferir a segurança que nosso ordenamento jurídico, ainda manifestamente vinculado a um sistema contencioso, exige.
E não se diga que o pronunciamento judicial na abertura e registro do testamento é insuficiente para verificar eventuais interpretações distintas ou nulidades das cláusulas testamentárias, pois se trata apenas de análise dos requisitos formais do testamento. Ao nosso ver, tratando-se de testamento público, em que as disposições testamentárias são elaboradas de forma clara e objetiva, traduzindo a real vontade do testador, eventual cláusula obscura ou nula, que seria muito improvável em razão da alta capacidade técnica do notário, conforme já explanamos, seria de plano detectada pelo Juízo de abertura e registro do testamento.
Todos sabemos que o Judiciário, há muito, está abarrotado de processos e, por isso, a resposta às partes é lenta e dispendiosa. Desta forma, insistir que um inventário seja processado pela via judicial só porque existe um testamento, mesmo não havendo interesses de menores e fundações e havendo consenso entre as partes, parece ir contra o objetivo precípuo do novo Código de Processo Civil: a desjudicialização como forma de oferecer às partes uma solução mais rápida e eficiente para suas demandas jurídicas.

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[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Apud Testamento válido / Inventário Extrajudicial: IMPOSSIBILIDADE Disponível em http://mundonotarial.org/blog/?p=926. Acesso em 22.03.2015.

[2] VELOSO, Zeno. Apud Testamento válido / Inventário Extrajudicial: IMPOSSIBILIDADE Disponível em http://mundonotarial.org/blog/?p=926. Acesso em 22.03.2015.

[3] Disponível em https://www.26notas.com.br/blog/?p=9457. Acesso em 22.03.2015.

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*José Flávio Bueno Fischer é 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF e Membro do Conselho de Direção da UINL.

Fonte: Notariado | 28/03/2016.

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Artigo: RENÚNCIA DE HERANÇA E VÊNIA CONJUGAL – Por José Hildor Leal

Ponto da mais alta indagação no mundo jurídico, quando se trata de renúncia de herança, diz respeito à necessidade ou não de anuência do cônjuge do renunciante na escritura pública, ou nos autos do inventário judicial. A questão divide opiniões.

Em instigante artigo publicado neste mesmo blog, o tabelião Marco Antônio de Oliveira Camargo cita Maria Helena Diniz e Washington de Barros, para os quais é desnecessário o consentimento do cônjuge.

Informa o articulista que corrente contrária defende a imprescindibilidade da vênia quando for o herdeiro casado em qualquer regime que não seja o da separação convencional de bens, a exemplo de Francisco Cahali e Giselda Hironaka: “tratando a sucessão aberta como imóvel a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge (…). Considera-se que a ausência do consentimento torna o ato anulável, uma vez passível de ratificação (RT, 675/102); no mesmo sentido: RTJ, 109:1086)”.

Refere ainda Zeno Veloso, que entende imprescindível a outorga do cônjuge pelo renunciante casado (salvo se o regime de bens for o da separação absoluta, regulamentado pelo art. 1.647 do CC), visto que a herança, por lei, é considerada imóvel e a renúncia seria equivalente a uma alienação.

Para reforçar esta tese, o art. 17 da Resolução 35/2007, do CNJ, alerta que nos casos de inventário por escritura pública, os cônjuges dos herdeiros deverão participar do ato quando houver renúncia.

Pois bem. É certo que a lei civil exige o consentimento para a alienação de imóveis, exceto no regime da separação absoluta, conforme o art. 1.647, do Código Civil, sendo importante esclarecer que a renúncia não constituiu ato de alienação, embora parte da doutrina entenda que sim; renunciar, em sentido jurídico, é abandono de direito por seu titular, sem o transferir a terceiro, diante do que resta afastada a necessidade de participação do cônjuge, salvo a exceção adiante verificada.

De fato, qualquer que seja o regime de bens, o cônjuge do herdeiro não é herdeiro, mas é preciso ressalvar que conforme o regime de bens adotado no casamento, ocorre comunicação patrimonial tão logo transmitida a herança ao sucessor, o que se dá no exato momento da morte do autor da herança, pelo princípio da saisine (art. 1.784, CC). Logo, independente de aceitação, os bens do espólio se incorporam de plano ao patrimônio do herdeiro

No regime da separação de bens, ou da comunhão parcial, ou da participação final nos aquestos, a herança transmite-se unicamente ao patrimônio particular do herdeiro, sem comunicação de aquestos, porém havendo comunicação quando se trata do regime da comunhão universal.

Diante disso, ainda que o cônjuge do herdeiro não tenha direito na herança, por via reflexa os bens do espólio passam de imediato a integrar o patrimônio do casal, caso em que terá que anuir na renúncia feita pelo herdeiro.

Concluindo, mesmo que se considere imóvel o direito à sucessão aberta, a lei não exige anuência do consorte nos atos de renúncia de herança pelo sucessor, porém, deve se entender que se casado pelo regime da comunhão universal de bens, será ela ineficaz em relação ao que não consentiu.

O TJ/RS decidiu, em 13/06/2007, que havendo renúncia de herança por herdeiro casado sob o regime da comunhão universal de bens, se faz necessário o consentimento conjugal (Apelação Cível 70018543744, 7ª Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel).

Claro, reiterando a afirmação inicial, trata-se de tema de alta indagação, com interpretações as mais diversas, e da mais respeitável doutrina.

Assim é o Direito.

Fonte: Notariado | 29/03/2016.

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Questão esclarece dúvida acerca da doação entre concubinos

Doação entre concubinos – possibilidade

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da doação entre concubinos. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: É possível a doação entre concubinos?

Resposta: Em tese – abstraídas certas perplexidades que concretamente poderiam surgir (ex.: a relação de concubinato ficaria expressa no contrato/escritura?; o cônjuge do doador, se casados pelo regime da comunhão de bens, compareceria no ato?), nada impede seja feita uma “doação entre concubinos”. Contudo, tal doação poderá ser anulada em momento posterior, caso haja litígio entre a família do doador e o donatário. Neste sentido, v. art. 550 do Código Civil:

“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.”

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 29/03/2016.

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