Recurso Especial – Direito empresarial – Ação de execução – Embargos do devedor – Título de crédito – Nota promissória – Duplicidade de datas de vencimento – LUG – Arts. 6º, alínea 1ª, 33, 75 e 76, alínea 1ª – Defeito suprível – Operação de crédito – Intervalo de tempo e confiança – Elementos essenciais – Vontade do emitente – Presunção – Provimento – 1. Cuida-se de embargos à execução, por meio da qual é questionada a prescrição da pretensão cambial de execução dos valores inscritos nas notas promissórias em virtude da duplicidade de datas de vencimento apostas nas cártulas – 2. Recurso especial interposto em: 11/01/2017; concluso ao gabinete em: 26/03/2018; aplicação do CPC/15 – 3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve prevalecer a data aposta por extenso na cártula, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra; e b) se ocorreu a prescrição da pretensão executiva cambiária na hipótese concreta – 4. Embora a formalidade seja essencial aos títulos de crédito, sendo responsável pela aplicação da disciplina específica do direito cambiário, pode a lei enumerar um requisito e, ainda assim, admitir que o documento não o contenha expressamente, ou o contenha de forma irregular, com a presença de vícios supríveis, sem que o documento perca a eficácia de um título de crédito – 5. Um dos defeitos supríveis é o da divergência entre valores da dívida, que é resolvido pela regra do art. 6, alínea 1ª, da LUG com a prevalência da expressão por extenso ou da de menor quantia, que, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula – 6. A omissão quanto à data de vencimento da dívida é um requisito não essencial, pois, em virtude da ausência desse dado, considera-se que a dívida é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente da nota promissória – 7. As demais formas de vencimento demandam manifestação de vontade expressa do emitente e serão válidas desde que sejam escolhidas entre as enumeradas no art. 33 da LUG e de que não representem pagamentos em prestações – 8. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais o critério deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente – 9. A nota promissória é um título de crédito próprio, e, assim, deve representar os elementos essenciais de uma operação de crédito, que são a confiança e o intervalo de tempo entre a prestação e a contraprestação – 10. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data mais posterior, ainda que eventualmente expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva manifestação de vontade do emitente – 11. Na hipótese concreta, as notas promissórias contêm duas datas de vencimento igualmente expressas por extenso quanto ao mês (“fevereiro” e “julho”), sendo a primeira delas coincidente com a data de emissão da cártula, aposta numericamente (05.02.08) – 12. Não havendo como se considerar essas datas como vencimentos sucessivos, as notas promissórias são eficazes – 13. Por envolver operação de crédito, deve-se presumir que a efetiva vontade do emitente das notas era a de que o vencimento se desse após a emissão, prevalecendo, assim, a segunda e mais futura data de vencimento – 14. Considerando que a execução fora ajuizada em 01/07/2011, não há prescrição a ser reconhecida, pois a pretensão cambial foi exercitada antes do integral fluxo do prazo de 3 (três) anos contados do vencimento da dívida, 5/7/2008, previsto no art. 70 da LUG, e que viria a termo no dia 05/07/2011 – 15. Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.730.682 – SP (2018/0010144-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : PEDRO FAVARO – ESPÓLIO

REPR. POR : IVETE GONCALVES LEMOS – INVENTARIANTE

ADVOGADOS : OSNY BUENO DE CAMARGO E OUTRO(S) – SP028858

ANNA CONSUELO LEITE MEREGE – SP178271

RECORRIDO : ABEL DOGNANI

RECORRIDO : CLAIR SANDRO DOGNANI

ADVOGADO : HÉLIO GUSTAVO ASSAF GUERRA E OUTRO(S) – SP159494

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA. DUPLICIDADE DE DATAS DE VENCIMENTO. LUG. ARTS. 6º, ALÍNEA 1ª, 33, 75 E 76, ALÍNEA 1ª. DEFEITO SUPRÍVEL. OPERAÇÃO DE CRÉDITO. INTERVALO DE TEMPO E CONFIANÇA. ELEMENTOS ESSENCIAIS. VONTADE DO EMITENTE. PRESUNÇÃO. PROVIMENTO.

1. Cuida-se de embargos à execução, por meio da qual é questionada a prescrição da pretensão cambial de execução dos valores inscritos nas notas promissórias em virtude da duplicidade de datas de vencimento apostas nas cártulas.

2. Recurso especial interposto em: 11/01/2017; concluso ao gabinete em: 26/03/2018; aplicação do CPC/15.

3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve prevalecer a data aposta por extenso na cártula, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra; e b) se ocorreu a prescrição da pretensão executiva cambiária na hipótese concreta.

4. Embora a formalidade seja essencial aos títulos de crédito, sendo responsável pela aplicação da disciplina específica do direito cambiário, pode a lei enumerar um requisito e, ainda assim, admitir que o documento não o contenha expressamente, ou o contenha de forma irregular, com a presença de vícios supríveis, sem que o documento perca a eficácia de um título de crédito.

5. Um dos defeitos supríveis é o da divergência entre valores da dívida, que é resolvido pela regra do art. 6, alínea 1ª, da LUG com a prevalência da expressão por extenso ou da de menor quantia, que, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula.

6. A omissão quanto à data de vencimento da dívida é um requisito não essencial, pois, em virtude da ausência desse dado, considera-se que a dívida é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente da nota promissória.

7. As demais formas de vencimento demandam manifestação de vontade expressa do emitente e serão válidas desde que sejam escolhidas entre as enumeradas no art. 33 da LUG e de que não representem pagamentos em prestações.

8. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais o critério deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente.

9. A nota promissória é um título de crédito próprio, e, assim, deve representar os elementos essenciais de uma operação de crédito, que são a confiança e o intervalo de tempo entre a prestação e a contraprestação.

10. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data mais posterior, ainda que eventualmente expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva manifestação de vontade do emitente.

11. Na hipótese concreta, as notas promissórias contêm duas datas de vencimento igualmente expressas por extenso quanto ao mês (“fevereiro” e “julho”), sendo a primeira delas coincidente com a data de emissão da cártula, aposta numericamente (05.02.08).

12. Não havendo como se considerar essas datas como vencimentos sucessivos, as notas promissórias são eficazes.

13. Por envolver operação de crédito, deve-se presumir que a efetiva vontade do emitente das notas era a de que o vencimento se desse após a emissão, prevalecendo, assim, a segunda e mais futura data de vencimento.

14. Considerando que a execução fora ajuizada em 01/07/2011, não há prescrição a ser reconhecida, pois a pretensão cambial foi exercitada antes do integral fluxo do prazo de 3 (três) anos contados do vencimento da dívida, 5/7/2008, previsto no art. 70 da LUG, e que viria a termo no dia 05/07/2011.

15. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por PEDRO FAVARO – ESPÓLIO, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

Ação: de embargos à execução de título extrajudicial, opostos por ABEL DOGNANI e CLAIR SANDRO DOGNANI em face do recorrente, por meio da qual questionam a prescrição da pretensão cambial de execução dos valores inscritos nas notas promissórias que lastreiam o processo executivo.

Sentença: julgou procedentes os pedidos dos embargos, extinguindo a execução e declarando a prescrição da pretensão executiva, ao fundamento de que, diante da duplicidade de datas de vencimento da nota promissória, deveria prevalecer aquela escrita por extenso, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66).

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente.

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: aponta violação dos arts. 6º e 70 da Lei Uniforme de Genebra; 191 e 206, § 3º, VIII, do CC/02. Aduz que teria ocorrido a renúncia tácita e a preclusão lógica da prescrição, pois os recorridos teriam confessado a existência da dívida, praticando ato que importou no reconhecimento de seu direito. Alega, ademais, que a data de vencimento escrita por extenso coincide com a data de emissão da nota promissória, tendo ocorrido mero erro de grafia e sendo notável que ambas as partes mantiveram consenso de que a nota seria paga a prazo, no dia 05/07/2008, e não na data de sua emissão. Afirma, ademais, que o art. 6º da Lei Uniforme de Genebra somente tem aplicação na divergência relacionada às expressões numéricas e por extenso do valor da dívida, não podendo referida norma ser aplicada por analogia para divergências entre as expressões das datas de vencimento.

Decisão de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso especial.

Agravo: interposto pelo recorrente, determinei sua reautuação como recurso especial.

É O RELATÓRIO.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em determinar se: a) diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve prevalecer a data aposta por extenso na cártula, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra; e b) se ocorreu a prescrição da pretensão executiva cambiária na hipótese concreta.

Recurso especial interposto em: 11/01/2017

Concluso ao gabinete em: 26/03/2018

Aplicação do CPC/15

1.1. DAS FORMALIDADES LEGAIS E DA CONFIGURAÇÃO DE UM DOCUMENTO COMO TÍTULO DE CRÉDITO

1. A formalidade é essencial aos títulos de crédito, porquanto é o respeito aos requisitos legais o fator responsável pela incidência da disciplina específica do direito cambiário.

2. Realmente, segundo a lição de FRAN MARTINS, “é, assim, o formalismo o fator preponderante para a existência do título e sem ele não terão eficácia os demais princípios próprios dos títulos de crédito”, de modo que, “em regra, se faltar no documento ao menos um daqueles requisitos considerados essenciais, o escrito não terá o valor de título de crédito, não se beneficiando, assim, do direito especial que ampara esses títulos” (Idem, ibidem, p. 16, sem destaque no original).

3. É, portanto, o rigor formal que garante a transformação de um mero documento escrito em um título de crédito e garante a segurança jurídica daqueles que o utilizam como instrumento de circulação de riquezas.

2. DOS REQUISITOS NÃO ESSENCIAIS E DOS DEFEITOS SUPRÍVEIS

4. Nem todos os requisitos definidos na lei são, entretanto, essenciais para que o documento se invista da natureza de título de crédito. De fato, pode a lei enumerar um requisito e, ainda assim, admitir que o documento não o contenha expressamente, ou o contenha de forma irregular, com a presença de vícios.

5. Nessa situação, essa formalidade ou requisito terá natureza não essencial, porquanto, a despeito de a informação a) nem mesmo estar inscrita expressamente no documento ou b) conter vícios sanáveis, que consistirão em defeitos supríveis; nem assim o documento perderá a eficácia de um título de crédito.

6. Em regra, os requisitos não essenciais ou cujos defeitos são considerados supríveis contam com a previsão, no próprio texto legal, de uma solução para o equívoco ou ausência na menção ao dado que deve ou deveria estar inscrito no documento.

7. É o que ocorre, por exemplo, com as previsões do art. 6º, alínea 1ª, relacionado à divergência entre as expressões do valor da dívida, e do art. 76, alínea 1ª, da Lei Uniforme de Genebra, referido à ausência de indicação da data de vencimento.

3. DA DIVERGÊNCIA ENTRE A EXPRESSÃO NUMÉRICA E A POR EXTENSO DOS VALORES DA DÍVIDA E O ART. 6º, ALÍNEA 1ª, DA LUG

8. A “promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada” (sem destaque no original), é requisito da nota promissória, conforme dispõe o art. 75, item 2, da Lei Uniforme de Genebra.

9. Todavia, segundo o disposto no art. 6º, alínea 1ª, de referido diploma normativo, é possível verificar que a duplicidade do valor da dívida é um defeito suprível, pois a menção dúbia pode ser corrigida sem que a cártula perca seus efeitos cambiais.

10. De fato, a própria lei estabeleceu uma solução objetiva para a ambiguidade do valor da dívida, resolvendo, assim, de antemão, qualquer dúvida que pudessem ter os titulares da cártula a respeito da extensão do crédito nele contido, garantindo a segurança da circulação do título.

11. Com efeito, a resposta adotada pelo legislador quanto a esse específico ponto foi a de que deveria prevalecer aquela expressão que indicasse com maior grau de certeza qual teria sido o conteúdo da obrigação segundo a manifestação do emitente. Elegeu, para esse fim, a indicação feita por extenso ou, na hipótese de diversas indicações discordantes, a de quantia inferior.

12. De fato, prevalece, especificamente quanto ao tema, o princípio de que “a soma escrita em letras oferece maior garantia de verdade, por se achar menos exposta a erro, adição ou falsidade do que a soma expressa em algarismos” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas, Bookseller, 2003, p. 287, sem destaque no original).

13. Ademais, segundo consigna a doutrina, a finalidade dessa regra se encontra na intenção do legislador de “evitar que, saindo o título das mãos do seu criador (sacador), pudesse o beneficiário, ou terceiro adquirente, alterar o seu valor, acrescentando outras quantias, quer por extenso, quer em algarismo, para compelir o devedor a pagar soma superior àquela a que se obrigou” (ROSA JR., Luiz Emygdio. Títulos de crédito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 126, sem destaque no original).

14. Portanto, seguindo essa orientação, a dívida tem a extensão restringida por um desses dois critérios e segundo dados expressamente inscritos na nota promissória (valor por extenso ou a quantia de menor grandeza), definidos como aqueles que melhor protegem o emitente/devedor de eventuais adições ou falsidades inscritas nas cártulas pelos beneficiários do título.

15. O espírito da norma é fazer prevalecer a quantia que, em tese, foi originariamente aposta no documento por presunção acerca do conteúdo da manifestação da vontade do emitente, que seria mais precisa na expressão por extenso ou na quantia de menor valor.

4. DA OMISSÃO NA INDICAÇÃO DA DATA DO VENCIMENTO E O ART. 76, ALÍNEA 1ª, DA LUG

16. A época do pagamento – ainda que seja enumerada como um dos requisitos da nota promissória, conforme estabelece a Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66), em seu art. 75, item 3 – não é, também, todavia, elemento indispensável para o título.

17. Realmente, a doutrina destaca que a falta de indicação da data do vencimento é requisito dispensável da eficácia da nota promissória, aduzindo que “o único requisito apontado em lei que realmente é dispensável é o vencimento” pois, “independentemente da indicação de um vencimento, o título terá eficácia cambial, pois se presume que o título vence contra apresentação ao sacado” (TOMAZETE, Marlon. Curso de Direito Empresarial, vol. 2, Títulos de crédito, 9ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, sem destaque no original).

18. Portanto, segundo a regra expressa do art. 76, item I, da Lei Uniforme, o silêncio da cártula quanto à época do pagamento (ou do vencimento) não impede que a nota promissória tenha a eficácia típica de uma cambial, haja vista ser presumido que a intenção do emitente era a de que o vencimento se desse à vista.

19. Aliás, a essência da orientação de que a falta de menção à data de vencimento acarreta a presunção de que a dívida é exigível à vista faz parte da teoria geral das obrigações e coaduna com a da disposição do art. 331 do CC/02.

20. Com efeito, segundo a teoria geral das obrigações, “a ausência de termo interpreta-se como reserva, por parte do credor, da faculdade de exigir a prestação em qualquer momento” (TEPEDINO, Gustavo (et. al.). Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 629).

21. De igual maneira, conforme destaca a doutrina, a regra de que, na omissão da cártula, o vencimento da dívida é à vista, constante no art. 76, alínea 1ª, da LUG, “se justifica porque as demais modalidades de vencimento dependem de manifestação de vontade do sacador para a sua caracterização” (MARTINS, Fran. Títulos de Crédito, 17ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 142).

22. Trata-se, portanto, de presunção segundo a qual, na nota promissória, diante da não manifestação do emitente, presume-se que sua vontade era e de submeter a exigibilidade da dívida à potestade do credor, já que essa é a regra dos negócios jurídicos em geral, devendo ser excepcionada por manifestação expressa.

5. DOS VENCIMENTOS DIFERENTES E SUCESSIVOS E O ART. 33 DA LUG

23. Se, de um lado, o silêncio quanto à época do pagamento é suprível pela presunção legal de que a vontade do emitente era o vencimento à vista, de outro, sua manifestação expressa em sentido oposto aos limites formais da lei acarreta a perda da eficácia cambial do documento.

24. De fato, segundo a Lei Uniforme, o sacador tem a liberdade de fixar a época do vencimento, desde que obedeça às modalidades estabelecidas pela LUG, de forma que, nos termos de seu art. 33, a nota promissória somente pode ser emitida: a) à vista; b) à certo termo da vista; c) à um certo termo da data; ou ainda d) pagável em dia certo.

25. Assim, a liberdade do emitente na fixação das modalidades de vencimento é explicitamente restringida pela LUG, que, ao dispor serem nulas notas promissórias, “quer com vencimentos diferentes ou com vencimentos sucessivos”, estabelece a regra da perda da eficácia da “cambial com qualquer outra modalidade de vencimento, que não uma das previstas no art. 33, alínea 1ª, assim como a cambial com vencimentos sucessivos, ou seja, a prestações” (BIMBATO, José Mario. Lei cambial comentada: Letra de câmbio e nota promissória. Barueri: Minha Editora, 2013, sem destaque no original).

26. A LUG repete, quanto ao tema, a disciplina do revogado Decreto 2.044/1908, no qual prevalecia que, “para estabelecer bases seguras a respeito do vencimento das letras de câmbio, a lei explica os quatro modos por que podem elas ser passadas”, e que, ademais, “a letra de câmbio pagável por prestação não corresponderia ao seu escopo e a sua função; incisa ficaria a soma e múltiplas as épocas do vencimento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas, Bookseller, 2003, p. 313-314, sem destaque no original).

27. O art. 33 da LUG retira, portanto, a eficácia cambial do documento em que a manifestação de vontade do devedor tenha sido exprimida fora dos limites de sua atuação lícita; ou seja, que estabeleça: a) modalidades de pagamento distintas das previstas; ou b) vencimentos sucessivos, que são aqueles que representem pagamentos fracionados em prestações.

6. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 6º, ALÍNEA 1ª, 33, 75 E 76, ALÍENA 1ª, DA LUG E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ

28. Do que até agora foi exposto, infere-se que a Lei Uniforme de Genebra tratou expressamente de três alternativas decorrentes das atitudes do devedor/emitente quanto à época do pagamento: a) se omite, o que acarreta a presunção legal de que o pagamento é feito à vista, consistindo a escolha da data do pagamento em faculdade do credor, o que mantém a eficácia do título (art. 76, alínea 1, da LUG); ou b) manifesta sua vontade de fixar uma modalidade de vencimento, desde que esteja entre aquelas previstas no art. 33 da LUG e não consista no pagamento em prestações, sendo plenamente eficaz o título; ou c) escolhe outra modalidade de vencimento que não aquelas do art. 33 da LUG ou sujeita o pagamento a vencimentos sucessivos, sendo nula a nota promissória, não produzindo efeitos típicos cambiários.

29. Dessas circunstâncias, infere-se que o escopo buscado pela Lei Uniforme é de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente da cártula, ainda que essa vontade tenha sido expressa por meio do silêncio quanto à modalidade de vencimento e desde que não previsto uma forma de vencimento impossível para a lei, ou seja, em prestações ou em hipótese distinta dos vencimentos numerados no art. 33 (à vista; à certo termo da vista; à um certo termo da data; e em dia certo).

30. Esse é, também, o espírito da norma do art. 6º, alínea 1ª, da LUG, que considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.

31. Assim, embora a LUG não tenha enfrentado direta e frontalmente a hipótese de divergência entre datas de vencimento da dívida, deve-se considerar que esse vício é um defeito suprível – haja vista que a data de vencimento não é pressuposto essencial da nota promissória, segundo o art. 76, alínea 1ª, da LUG –, cuja solução, decorrentes da disparidade entre a expressão numérica e a por extenso da data em que a dívida se torna exigível, deduzida da interpretação sistemática da norma, deve conduzir para a preservação da vontade presumida do emitente no momento da confecção do documento.

7. DA POSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR QUE A VONTADE DO EMITENTE É DE QUE O VENCIMENTO SEJA POSTERIOR À EMISSÃO

32. A nota promissória é um título de crédito próprio, e, como tal, se propõe à concessão de um prazo para o pagamento, distinto da data da emissão da cártula, de forma que não faz sentido a emissão de uma nota promissória com data de vencimento coincidente com a data de emissão.

33. Realmente, conforme ressalta a doutrina, o tempo é elemento essencial do crédito, pois “a operação mediante a qual alguém efetua uma prestação presente, contra promessa de uma prestação futura, denomina-se operação de crédito”, de modo que “o intervalo ou a distância de tempo entre a prestação e a contraprestação […] é o elemento essencial do crédito, traduz a manifestação da confiança, que lhe serve de base ou fundamento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Op. cit., p. 67, sem destaque no original).

34. Portanto, se a LUG não tem disposição expressa sobre a disparidade de expressões da data de vencimento da dívida, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.

35. Ressalta-se, na nota promissória, a necessidade de respeito à manifestação originária de vontade, pois é “o emitente da nota promissória é quem cria o título […] e sendo assim é ele quem vai dispor sobre a modalidade de pagamento do título” (MARTINS, Fran. Op. Cit., p. 280, sem destaque no original).

36. Assim, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito –, deve prevalecer a data mais posterior, ainda que expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva manifestação de vontade do emitente.

8. DA HIPÓTESE CONCRETA

37. Na presente hipótese, o Tribunal de origem manteve a sentença que considerou que, uma vez verificada divergência entre as datas mencionadas como de vencimento da dívida na nota promissória objeto da ação de execução, prevaleceria a data aposta por extenso.

38. Todavia, na específica situação dos autos, conforme se infere da documentação acostada às fls. 28 e 29 (e-STJ), a data mencionada por extenso (“cinco dias do mês de fevereiro de dois mil e oito”) é idêntica à data de emissão e assinatura do documento (“05.02.08”).

39. Não o suficiente, consta, no limite superior do anverso da cártula, a indicação de que o vencimento se daria no dia “05 de julho de 2.008” (sem destaque no original), expressão, pois, igualmente “por extenso” da data de vencimento.

40. Observa-se, portanto, que, além de existirem duas datas de vencimento igualmente expressas por extenso quanto ao mês (“fevereiro” e “julho”), a primeira delas coincide com a data de emissão da cártula, aposta numericamente (05.02.08).

41. O acórdão recorrido merece, portanto, ser reformado no ponto, porquanto não é cabível a incidência analógica do art. 6º, alínea 1ª, da LUG, e também não se pode presumir que a vontade do emitente da nota promissória era a de que a dívida fosse exigível no mesmo momento em que expedia a promessa de pagamento.

42. Não o suficiente, pela mesma razão de não se considerar a data de emissão como data de vencimento da dívida, não se pode interpretar a menção às duas datas de vencimento como hipótese de vencimentos sucessivos, razão pela qual também não há razão para a aplicação da nulidade prevista no disposto no art. 33, última parte, da LUG.

43. Nessas condições, deve prevalecer a vontade cambial expressamente inscrita na nota promissória por seu emitente, devendo ser considerada a data de vencimento aquela que seja posterior à data de emissão da cártula, isto é, “05 de julho de 2.008” (e-STJ, fls. 28-29, sem destaque no original), inclusive, e sobretudo, por ter sido expressa por extenso, o que revela a ausência de modificações por parte do beneficiário.

44. Portanto, considerando que, conforme informado pela sentença, a execução fora ajuizada em 01/07/2011 (e-STJ, fl. 556), não há prescrição a ser reconhecida, pois a pretensão cambial foi exercitada antes do integral fluxo do prazo de 3 (três) anos contados do vencimento da dívida, previsto no art. 70 da LUG, e que viria a termo no dia 05/07/2011.

9. CONCLUSÕES

45. Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedentes os pedidos dos embargos do devedor e, assim, permitir a continuidade do processo executivo, invertendo os ônus da sucumbência. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.730.682 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 11.05.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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CGJ/SP: COMUNICADO CG Nº 494/2020

COMUNICADO CG Nº 494/2020

PROCESSO Nº 2020/49601 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, DESEMBARGADOR RICARDO MAIR ANAFE,

comunica aos responsáveis pelas unidades dos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registro do Estado de São Paulo que deverão informar se, no período de 03 de fevereiro a 30 de junho de 2020, houve operação ou proposta suspeita passível de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf, indicando se foram promovidas, ou não, comunicações na forma do Provimento nº 88/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça.

Informa que as informações deverão ser prestadas, no período de 1º a 10 de julho de 2020, exclusivamente, com uso do formulário eletrônico a ser acessado pelo link que será encaminhado para cada uma das unidades pelo e-mail dicoge.cnj@tjsp.jus.br.

Esclarece que as informações serão restritas à existência, ou não, de operação ou proposta suspeita comunicada ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf, devendo ser observado o sigilo em relação à operação e às partes nela envolvidas, na forma do art. 18 do Provimento CNJ nº 88/2019.

Alerta, por fim, que a não prestação da informação para a Corregedoria Geral da Justiça, na forma prevista no art. 17 do Provimento CNJ nº 88/2019, importará em falta disciplinar. (DJe de 11.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Lei PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA nº 14.013, de 10.06.2020 – D.O.U.: 12.06.2020.

Ementa

Dispõe sobre o valor do salário-mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2020; e dá outras providências.


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º No mês de janeiro de 2020, o salário-mínimo será de R$ 1.039,00 (mil e trinta e nove reais).

Parágrafo único. Em decorrência do disposto no caput deste artigo, o valor diário do salário-mínimo corresponderá, no mês de janeiro de 2020, a R$ 34,63 (trinta e quatro reais e sessenta e três centavos) e o valor horário, a R$ 4,72 (quatro reais e setenta e dois centavos).

Art. 2º A partir de 1º de fevereiro de 2020, o salário-mínimo será de R$ 1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais).

Parágrafo único. Em decorrência do disposto no caput deste artigo, o valor diário do salário-mínimo corresponderá, a partir de 1º de fevereiro de 2020, a R$ 34,83 (trinta e quatro reais e oitenta e três centavos) e o valor horário, a R$ 4,75 (quatro reais e setenta e cinco centavos).

Art. 3º Fica revogada a Medida Provisória nº 916, de 31 de dezembro de 2019.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de junho de 2020; 199 o da Independência e 132 o da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Paulo Guedes


Nota(s) da Redação INR

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.06.2020.

O conteúdo deste ato é coincidente com aquele publicado oficialmente. Eventuais alterações posteriores em seu objeto, ou sua revogação, não são consideradas, isto é, este ato permanecerá, na Base de Dados INR, tal qual veio ao mundo jurídico, ainda que, posteriormente, alterado ou revogado.

Fonte: INR Publicações

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