Processo Administrativo Disciplinar – Pena de perda da delegação – Portaria inaugural que designou perícia sem prévio interrogatório e apresentação de defesa prévia por parte do Oficial processado – Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo, Lei Estadual nº 10.261/68 – Necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo disciplinar – Obrigatoriedade de acompanhamento por defesa técnica, constituída ou dativa, desde o início do procedimento – Retorno dos autos ao primeiro grau – Recurso provido.


  
 

Número do processo: 0000436-46.2018.8.26.0060

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 423

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0000436-46.2018.8.26.0060

(423/2019-E)

Processo Administrativo Disciplinar – Pena de perda da delegação – Portaria inaugural que designou perícia sem prévio interrogatório e apresentação de defesa prévia por parte do Oficial processado – Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo, Lei Estadual nº 10.261/68 – Necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo disciplinar – Obrigatoriedade de acompanhamento por defesa técnica, constituída ou dativa, desde o início do procedimento – Retorno dos autos ao primeiro grau – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por N.B.C.J., Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de (…), contra r. sentença de fls. 405/438 que, em processo administrativo disciplinar, aplicou ao recorrente a pena de perda da delegação, por ofensa ao art. 31, I, II e V da Lei nº 8.935/94.

Sustenta o recorrente a nulidade do procedimento, tendo em vista: a) não ter sido instruído com atas de correição apontadas na D. Portaria inaugural; b) inobservância do art. 15 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), cujo rito deveria ter sido observado; c) nulidade da notificação inicial, haja vista não ter sido oportunizado ao recorrente sua oitiva e apresentação de defesa prévia, tampouco a possibilidade de constituição de advogado.

No mérito, verbera a aplicação do Comunicado nº 1914/2018, que possibilitou a regularização de passivos de unidades extrajudiciais, ausência de qualquer conduta dolosa a indicar deliberada intenção de não recolhimento, razão pela qual estão ausentes os pressupostos de aplicação de pena disciplinar ou, alternativamente, a escolha por penalidade de menor gravidade.

É o relatório.

Opino.

Respeitado o entendimento lançado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, de fato, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, o procedimento padece de nulidade insanável.

Conforme se colhe do teor da Portaria nº 01/2018 (fls. 01/02, aditada à fl. 43), a instauração do PAD teria se dado a partir de irregularidades administrativo-disciplinares supostamente inscritas nas atas de correição ordinária dos anos de 2016 e 2017, relativas ao não recolhimento de parcelas de emolumentos referentes ao Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo-IPESP e ao Estado, em ofensa ao art. 19 da Lei Estadual nº 11.331/2002, bem como ao art. 31 da Lei nº 8.935/94.

Não há qualquer nulidade pela ausência de cópias das atas de correição dentro deste expediente, uma vez que o livro de visitas e correições faz parte do acervo da serventia, de modo que o Oficial a elas possui amplo e irrestrito acesso.

Por outro lado, observa-se que, ao baixar a Portaria inaugural, o MM. Juiz Corregedor Permanente, imediatamente, designou perícia contábil, sem que fosse dada ao recorrente a oportunidade de ser interrogado, bem como de constituir defesa técnica, ou nomeação do defensor dativo.

Verifica-se tal fato da leitura do mandado de notificação de fls. 4/5, podendo ser visto que o Oficial apenas foi comunicado da instauração do procedimento disciplinar, bem como da designação de perícia técnica:

“MANDA a qualquer Oficial de Justiça de sua jurisdição que, em cumprimento deste, expedido nos autos da ação em epígrafe, proceda à CITAÇÃO e INTIMAÇÃO da(s) pessoa(s) acima indicada(s) acerca da instauração de processo administrativo, através da Portaria nº 01/2018 da Vara Única, por infração capitulada no art. 31, I (inobservância das prescrições legais e normativas; II (conduta atentatória as instituições notariais ou de registro) e V (descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30, mormente os incisos I, V e VIII), da Lei nº 8.935/94, bem como NOTIFICAÇÃO acerca das disposições contidas no artigo 465, parágrafo 1º do Código de Processo Civil, em razão da nomeação de perito judicial.”

Na verdade, instaurado o procedimento, deveria ter sido designado o interrogatório do Oficial, com posterior apresentação de defesa prévia, até para que fosse dada a ele a chance de nomear assistente técnico e contrapor a prova pericial.

Em matéria de processo administrativo disciplinar contra titulares de delegações extrajudiciais, à míngua de qualquer disposição expressa na Lei nº 8.935/94, aplicam-se, naquilo que for cabível, as regras do Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo, Lei Estadual nº 10.261/68, com posteriores alterações.

E sob as regras da referida legislação, diz o seu art. 268 que:

Artigo 268 – A apuração das infrações será feita mediante sindicância ou processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa. (g.n).

Nessa linha, o art. 277 da referida Lei trata da Portaria de instauração do procedimento nos seguintes termos:

Artigo 277 – O processo administrativo deverá ser instaurado por portaria, no prazo improrrogável de 8 (oito) dias do recebimento da determinação, e concluído no de 90 (noventa) dias da citação do acusado.

§ 1º – Da portaria deverão constar o nome e a identificação do acusado, a infração que lhe é atribuída, com descrição sucinta dos fatos, a indicação das normas infringidas e a penalidade mais elevada em tese cabível.”

Logo em seguida, verifica-se que o procedimento legal determina seja designada data para o interrogatório do processado:

Artigo 278 – Autuada a portaria e demais peças preexistentes, designará o presidente dia e hora para audiência de interrogatório, determinando a citação do acusado e a notificação do denunciante, se houver. (g.n).

§ 1° – O mandado de citação deverá conter:

1 – cópia da portaria;

– data, hora e local do interrogatório, que poderá ser acompanhado pelo advogado do acusado;

3 – data, hora e local da oitiva do denunciante, se houver, que deverá ser acompanhada pelo advogado do acusado;

– esclarecimento de que o acusado será defendido por advogado dativo, caso não constitua advogado próprio(g.n).

5 – Informação de que o acusado poderá arrolar testemunhas e requerer provas, no prazo de 3 (três) dias após a data designada para seu interrogatório;

– advertência de que o processo será extinto se o acusado pedir exoneração até o interrogatório, quando se tratar exclusivamente de abandono de cargo ou função, bem como inassiduidade.”

Como dito, uma vez notificado da instauração do procedimento, caso o recorrente não tivesse constituído advogado, seria obrigatória a nomeação de defensor dativo, o que não foi feito pelo MM. Juiz Corregedor Permanente. Isso é reafirmado no art. 281 da Lei Estadual 10.261/68:

Artigo 281 – Ao acusado revel será nomeado advogado dativo.”

Em seguida ao interrogatório, também seria impositivo fosse facultado ao recorrente a oportunidade de apresentação de defesa escrita, com indicação de provas, o que também não ocorreu:

Artigo 283 – Comparecendo ou não o acusado ao interrogatório, inicia-se o prazo de 3 (três) dias para requerer a produção de provas, ou apresentá-las.”

Conclui-se, com todo respeito ao MM. Juiz Corregedor Permanente, que houve franca inversão do procedimento a ser observado, uma vez que o primeiro ato foi justamente a designação de perícia técnica, antes mesmo da possibilidade de interrogatório, sem a constituição de advogado e sem a possibilidade de defesa escrita.

A observância do contraditório e da ampla defesa é impositiva neste procedimento, conforme remansosa jurisprudência desta Eg. Corte:

“MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM FACE DO OFICIAL DO (…) CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE (…) – IMPOSIÇÃO DA PENA DE PERDA DA DELEGAÇÃO POR JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE – IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DO DESEMBARGADOR CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO ADMINISTRATIVO, MANTENDO A SENTENÇA PUNITIVA – SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA DELEGADA É MEDIDA PREVENTIVA QUE NÃO SE CONFUNDE COM A PENALIDADE DE PERDA DA DELEGAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 32, INCISO IV, E 35, INCISO II, AMBOS DA LEI FEDERAL Nº 8.935/94 COMBINADOS COM O ARTIGO 32, INCISO IV, DO CAPÍTULO XXI DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DE SÃO PAULO – INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM – DESNECESSIDADE, ADEMAIS, DE NOMEAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE – TITULARES DAS DELEGAÇÕES QUE ESTÃO SUJEITOS AO PODER CENSÓRIO-DISCIPLINAR DO JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE OU DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA, QUE DETÊM COMPETÊNCIA PARA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DOS RESPECTIVOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS – INFRAÇÃO DISCIPLINAR GRAVÍSSIMA RECONHECIDA NA VIA ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE VALORES DEVIDOS AO ESTADO E À CARTEIRA DE PREVIDÊNCIA DAS SERVENTIAS NÃO OFICIALIZADAS DA JUSTIÇA, EM DESRESPEITO ARTIGO 19, INCISO I, LETRAS ‘B’ E ‘C, DA LEI ESTADUAL Nº 11.331/2002 – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – SEGURANÇA DENEGADA”. “O legislador federal, no exercício de sua atribuição constitucional, regulamentou o artigo 236 da Carta Magna editando a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), estabelecendo em seu artigo 35, incisos I e II, que a perda da delegação dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa”. “No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os titulares da delegação estão sujeitos ao poder censório-disciplinar das Corregedorias Permanentes e da Corregedoria Geral da Justiça (artigo 19, do Capítulo XXI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), o que implica reconhecer a regularidade do processo administrativo instaurado, instruído e decidido pelo MM Juiz Corregedor Permanente a que se encontra subordinado o notário”. (TJSP; Mandado de Segurança 2171578-07.2017.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo  NIA; Data do Julgamento: 08/11/2017; Data de Registro: 09/11/2017).

O MM. Juiz Corregedor Permanente é o garante da observância das prerrogativas legais, ciência pelo recorrente de todo o andamento e decisões do processo administrativo disciplinar, bem como da sua efetiva participação na formação da decisão final, em conformidade à ampla defesa e ao contraditório.

E, ainda que se afirmasse que tal nulidade somente seria reconhecível se houvesse prejuízo, o prejuízo aqui é patente; o recorrente foi condenado à pena máxima prevista em lei: perda da delegação.

Sendo assim, face à sua evidente nulidade, a instrução deverá ser renovada, a partir do interrogatório do recorrente, para que, agora, o feito seja ordenado com observância à ampla defesa e ao devido processo legal.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja declarada a nulidade do procedimento desde a notificação inicial do recorrente, com o retorno dos autos para que seja designada data de interrogatório, e posterior abertura de prazo para apresentação de defesa prévia e requerimentos sobre provas, com ulteriores atos procedimentais.

Sub censura.

São Paulo, 12 de agosto de 2019.

Paulo César Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso para declarar a nulidade do procedimento desde a notificação inicial do recorrente, com o retorno dos autos para que seja designada data de interrogatório, e posterior abertura de prazo para apresentação de defesa prévia e requerimentos sobre provas, com ulteriores atos procedimentais. I. São Paulo, 15 de agosto de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça  Advogado: PEDRO LUIZ MARTINS ARRUDA, OAB/SP 122.051.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.08.2019

Decisão reproduzida na página 157 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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