1VRP/SP: Registro de Imóveis. Partilha. Escritura de divórcio.


  
 

Processo 1108607-52.2021.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Vera Maria de Castro Lima – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Vera Maria de Castro Lima e Enio Rodrigues de Lima e, em consequência, mantenho os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ENIO RODRIGUES DE LIMA (OAB 51302/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1108607-52.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital

Requerido: Vera Maria de Castro Lima e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Vera Maria de Castro Lima e Enio Rodrigues de Lima tendo em vista negativa em se proceder ao ingresso de dois títulos (prenotações distintas – n. 833.979 e 833.981).

O primeiro trata-se da escritura de divórcio consensual dos requerentes, lavrada perante o 6º Tabelião de Notas da Capital, enquanto o segundo é a escritura de doação da nua propriedade do imóvel da matrícula n.45.600 daquela serventia para a filha do casal, Carolina de Castro Lima Biazi, com reserva de usufruto vitalício.

A devolução dos títulos foi motivada pela ausência de documentos que acompanharam prenotação anterior (n. 829.147), cujo prazo de validade expirou, além da ausência de partilha de bens do casal na qual conste o imóvel doado.

Segundo o Oficial, uma alternativa à apresentação da partilha seria a juntada de declaração dos requerentes de que o imóvel não foi nem será objeto de partilha ou sobrepartilha, passando do estado de indivisão (comunhão) para condomínio, o que possibilitará a averbação do divórcio, que terá como base de cálculo o valor de referência do imóvel por se tratar de averbação com valor.

Documentos vieram às fls. 05/43.

A parte suscitada manifestou-se às fls. 55/60, aduzindo que não há lei que torne indisponíveis os imóveis em situação de comunhão até sua partilha nem impedimento para que os comunheiros, em consenso, alienem a totalidade do bem, satisfazendo-se a continuidade registral pela averbação do novo estado civil dos proprietários. Apresentou documentos de fls.66/71.

O Ministério Público opinou pela procedência, com manutenção dos óbices (fls. 75/78).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale observar que as prenotações mencionadas pelo Oficial levariam a atos distintos se a qualificação tivesse sido positiva.

A escritura de doação, porque translativa de propriedade, seria registrada, enquanto a escritura de divórcio seria averbada.

A dúvida, porém, se destina apenas ao questionamento de qualificação negativa de título destinado a registro. Já o pedido de providências acolhe a insurgência contra oposição à prática de qualquer outro ato registral, como averbação, cancelamento ou abertura de matrícula.

Considerando que a nota de devolução relativa à prenotação n.833.979 indica expressamente que se refere à petição datada de 12 de agosto de 2021 (fls.13/16 e 22/25), tratando-se de protocolo indevido pelo cancelamento do protocolo n.829.147, cuja validade expirou conforme indicado no item 4 da nota relativa ao protocolo n.833.981 (fls.39/40), análise será feita nestes autos apenas em relação ao negócio translativo de propriedade.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

Primeiramente, não é possível a complementação, no curso do procedimento de dúvida, dos documentos que instruem o título levado a registro.

Ausente a qualificação prévia pelo Oficial Registrador, resta prejudicada a análise dos documentos de fls.66/71.

Outrossim, mesmo que se acolhesse a alegação de que tais documentos instruíram o protocolo físico da escritura cujo pedido de registro dá causa ao presente procedimento, o registro não poderia ser autorizado.

Conforme bem ressaltou o Ministério Público, importante observar a necessidade de partilha prévia do bem.

Na presente hipótese, os atuais proprietários tabulares, Enio e Vera, adquiriram o imóvel enquanto casados sob o regime da comunhão de bens (R.13/45.600 – fl.11) e o doaram para sua filha Carolina por escritura lavrada em 18 de dezembro de 2020 (fls.26/32), após se divorciarem, mas sem realização da devida partilha, o que está expresso no documento levado a registro (fls.17/21 e 33), a configurar situação de mancomunhão, a qual somente deixa de existir com o registro da divisão dos bens do casal:

“Avaliando que a comunhão decorrente do regime de bens é resultante da situação jurídica e não somente da pluralidade de pessoas parecenos que findo o interesse econômico conjugal pela separação ou pelo divórcio, havendo partilha de bem imóvel, é de rigor seu registro como ato constitutivo, de sorte que eventuais interessados saibam qual foi o destino dado ao patrimônio do casal por ocasião da partilha. Parecenos que a publicidade registral resultante de simples averbação de separação ou de divórcio, para fins de atualização do estado civil como é praticado nos Registros Imobiliários do Estado de São Paulo, em razão de decisões vinculantes, não tem a força de estabelecer o condomínio que só seria formado mediante partilha e consequente registro” (SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Condomínio e incorporações no Registro de Imóveis. São Paulo: Mirante, 2011, p.44, nota 2).

A matéria já foi objeto de decisão pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão. 2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constata é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges à totalidade dos bens” (RESP nº 1.537.107/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016).

Em outros termos, sem a apresentação da partilha, não há como averiguar se houve divisão igualitária dos bens do casal, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de ambos os ex-cônjuges.

Por isso mesmo, correta a observação feita pelo Ministério Público quanto à exigência de registro prévio da partilha, não sendo suficiente mera averbação de alteração do estado civil.

Nem mesmo a participação conjunta dos comunheiros é suficiente para superar a ofensa ao princípio da continuidade, como decidiu recentemente o Egrégio Conselho Superior da Magistratura, que analisou a hipótese de doação entre ex-cônjuges, firmando entendimento sobre a necessidade de registro prévio da partilha após o fim do casamento para que futuras alienações possam ingressar no fólio:

“DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido” (APELAÇÃO CÍVEL: 1012042-66.2019.8.26.0562, Relator: Des. Ricardo Mair Anafe, DJ: 14/04/2020).

Em suma, a fim de se preservarem os princípios da continuidade e da segurança jurídica que regem os registros públicos, deve ser exigida a partilha prévia.

Vale notar que a averbação do divórcio não depende de apresentação ou de averbação da escritura pública de divórcio para comprovar se houve ou não partilha de bens, bastando apresentação da certidão de casamento com anotação do divórcio. Neste caso, os emolumentos devidos não terão valor declarado porque não houve partilha do imóvel, aplicando-se a nota explicativa n. 2.4, da Tabela II, da Lei n. 11.331/02.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Vera Maria de Castro Lima e Enio Rodrigues de Lima e, em consequência, mantenho os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de novembro de 2021.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 16.11.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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