1VRP/SP: Registro de Imóveis. Partilha igual em bens. Partilha desigual em imóveis. Inexigibilidade do ITBI. A desigualdade deve ser considerada em relação ao patrimônio integral deixado pelo autor da herança.


  
 

Processo 1115258-03.2021.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Angela Maria Ferreira de Barros Gomes – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro dos títulos. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ADRIANE CRISTINA SPICCIATI PACHECO DANILOVIC (OAB 196595/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1115258-03.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 10º Oficial de Registro de Imóveis da capital

Suscitado: Angela Maria Ferreira de Barros Gomes

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Angela Maria Ferreira de Barros Gomes, diante da negativa em se proceder ao registro de escrituras de inventário e partilha e de rerratificação dos bens deixados por Raymundo Magliano Filho, envolvendo os imóveis das matrículas n. 108.638, 112.764, 115.776 e 115.835 daquela serventia.

Informa o Oficial que, dentre as exigências formuladas na nota devolutiva (fls. 32/34), apenas a do item “2” não foi cumprida, que consiste na necessidade de exibição de guia e comprovante de recolhimento do ITBI, uma vez que a totalidade dos imóveis arrolados foi atribuída à viúva-meeira, ora requerente, ou seja, acima de sua meação legal; que não desconhece que a questão não é pacífica à vista do alegado pela parte interessada de que os imóveis representam apenas o valor de sua meação com relação ao monte-mor, mas que, embora vislumbre a existência de “colisão” entre as Leis Estadual e Municipal, não cabe aqui discutir eventual inconstitucionalidade, sendo que não pode ficar à mercê de eventuais autuações do fisco municipal; que, optando os herdeiros pela chamada “partilha cômoda”, em que os imóveis são atribuídos em sua totalidade a uma só pessoa (no caso concreto, à meeira), igualando os quinhões (ou meação) com bens móveis, caracterizada está a onerosidade da transmissão e, portanto, a incidência prevista no Decreto Municipal n. 55.196; que, de fato, o que se tributa é a transmissão imobiliária conforme os ensinamentos de Yussef Said Cahali, pelo que resta caracterizada a onerosidade do excesso de meação (nos imóveis); que a exigência não decorre de mera interpretação sua, mas da estrita observância ao princípio da legalidade, notadamente à regra do artigo 289 da Lei n. 6.015/73.

Vieram documentos às fls. 05/131.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls. 132/139, sustentando que descabida a exigência de comprovação de pagamento do ITBI no caso, conforme decidido inúmeras vezes em procedimentos de dúvida; que não se considerou o contexto do conjunto de bens do espólio e da partilha do patrimônio total do falecido; que a argumentação exposta na nota devolutiva já foi rechaçada reiteradamente pelo E. TJSP ao entender que, nesses casos, deve ser feito o cotejo da meação à vista da universalidade do patrimônio objeto de partilha; que não recebeu excesso de meação, mas, pelo contrário, recebeu montante significativamente inferior à metade em razão da expressa doação de parte da sua meação aos três filhos, os quais são herdeiros exclusivos do autor da herança, com o devido recolhimento do ITCMD (item nono da escritura levada a registro); que não se verifica fato gerador do ITBI conforme a jurisprudência pacífica do E. TJSP; que, sob a perspectiva do Direito Registral, o entendimento é o mesmo, tanto em primeira instância quanto perante o E. Conselho Superior da Magistratura, inclusive em demandas provocadas pelo próprio Oficial do caso concreto; que referido órgão superior é incisivo ao afirmar que a fiscalização por parte do Oficial é imperativa apenas quanto a impostos devidos e não acerca de tributos cuja incidência seja questionável.

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 146/148).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida não procede. Vejamos os motivos.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Todavia, em que pese a cautela do Oficial, o título apresentado dispensa o recolhimento do ITBI exigido sob alegação de partilha desigual dos bens imóveis deixados por Raymundo Magliano Filho.

Este juízo já firmou entendimento em caso análogo (processo de autos n. 1078933-29.2021.8.26.0100), no sentido de que a desigualdade deve ser considerada em relação ao patrimônio integral deixado pelo autor da herança.

No caso concreto, tal desigualdade foi apropriadamente reposta com outros bens móveis integrantes do espólio, de modo que foram respeitados os quinhões devidos a cada um dos herdeiros (fls. 86/122 e 123/128).

Mais ainda: à viúva-meeira coube valor abaixo da meação quando considerado o valor do monte-mor (fls. 103, 108, 111, 115 e 121).

Nota-se também que inexistem nos autos indícios de que os interessados tenham se utilizado de qualquer ato oneroso para a divisão, pelo que não se verifica a ocorrência do fato gerador que pressupunha o imposto exigido.

Nesse sentido é o entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura, como se vê do julgado trazido pelo Ministério Público (com nossos destaques):

“Desafia a lógica o que se extrai do dispositivo acima transcrito. Se na forma do artigo 1.791 do Código Civil a herança é um todo unitário, cuja posse e propriedade regulam-se pelas normas relativas ao condomínio, não há como se defender que, antes da partilha, cada herdeiro seja titular da metade ideal de cada bem que integra o monte partível. Cada herdeiro, na verdade, é condômino da universalidade formada pelos bens da herança, de modo que somente a partilha fixará a quota parte de cada um.

A atribuição de imóveis para um herdeiro e de bens móveis para outro, resultando essa operação em quinhões iguais, não implica transmissão de bens imóveis por ato oneroso. Trata-se simplesmente de se definir quem será proprietário de quais bens, sem qualquer operação subsequente.

Não houve na espécie, portanto, transmissão por ato oneroso de bem imóvel, pressuposto estabelecido pela Constituição Federal para a incidência do ITBI, mas simples partilha de patrimônio comum” (TJ-SP – Apelação: 1060800-12.2016.8.26.0100, Relator: Pereira Calças, Data de Julgamento: 06/06/2017, Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura, Data de Publicação: 08/06/2017).

E, ainda (também com nossos destaques):

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título” (TJ-SP – Apelação: 1112232-31.2020.8.26.0100, Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral), Data de Julgamento: 16/06/2021, Órgão Julgador:

Conselho Superior de Magistratura, Data de Publicação: 21/06/2021).

Por fim, vale ressaltar que o valor recolhido a título de ITCMD já foi devidamente fiscalizado e aceito pelo 22º Tabelião de Notas da Capital, responsável pela lavratura das escrituras de inventário e partilha e de rerratificação levadas a registro (fls. 121/122).

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro dos títulos.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 11 de novembro de 2021.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 17.11.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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