2VRP/SP: RCPN. Aquisição de nacionalidade originária.


  
 

Processo 0043069-44.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – 2ª Vara de Registros Públicos – VISTOS, Cuida-se de pedido de providências encaminhado pela E. Corregedoria Geral da Justiça, do interesse do Setor de Passaportes do Consulado- Geral do Brasil em Toronto, Canada, que questiona acerca da aplicação do disposto no artigo 12, parágrafo único, da Resolução CNJ 155. A manifestação pela Vice-Cônsul encontra-se acostada às fls. 03. A Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, Capital, prestou esclarecimentos (fls. 08/09). O Ministério Público ofertou parecer às fls. 12/14, opinando pelo arquivamento do expediente, ante a inexistência de indícios de ilícito funcional pela Senhora Oficial. É o relatório. Decido. Trata-se de expediente instaurado a partir de representação pelo Setor de Passaportes do Consulado-Geral do Brasil em Toronto, Canada, que questiona acerca da aplicação do disposto no artigo 12, parágrafo único, da Resolução CNJ 155. Destaca a Senhora Vice-Cônsul que tem recebido relatos de que usuários tem encontrado dificuldade para ver averbada a informação de que são brasileiros natos, nos termos da indicada resolução, em relação às pessoas nascidas entre 07.06.1994 e 21.09.2007, cujos assentos tenham sido originalmente lavrados em Consulados brasileiros. Aponta a Senhora Representante que, pese embora a disposição de que a averbação seja feita de ofício ou a requerimento da parte, serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais desta Capital tem exigido requerimento presencial ou por procurador devidamente constituído por meio de instrumento com firma reconhecida. A i. Oficial veio aos autos para noticiar que, de fato, sempre exigiu o requerimento pessoal apresentado pelo usuário ou, noutro turno, por procurador devidamente constituído por meio de instrumento com firma reconhecida, em razão de entender que a averbação ou retificação pretendida tem caráter personalíssimo e pode afetar direitos para além da mera nacionalidade brasileira, incluindo a perda de nacionalidade originária ius soli concedida ao registrado por Estado estrangeiro. Destaca a Senhora Delegatária que o procedimento adotado tem caráter cautelar, visando à prevenção de sua responsabilização por eventual dano que possa decorrer da averbação e, igualmente, garantir a proteção integral dos interessados, que por vezes podem não se atentar a eventual conflito com legislação estrangeira. Com efeito, informou a d. Registradora que, para além do requerimento pessoal ou por procurador legalmente constituído, aceita que solicitações sejam encaminhadas por mensagem eletrônica, desde que assinadas digitalmente nos padrões ICPBrasil, em analogia ao item 47.7.1, do Cap. XVII, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, e artigo 6º do Provimento 95 do CNJ. O Ministério Público opinou pelo cumprimento dos dispositivos normativos em seus termos exatos, dispensando-se as exigências efetuadas pela Registradora. No entanto, concluiu o d. Promotor de Justiça que não há que se falar em falha na prestação do serviço ou ilícito funcional pela Senhora Registradora, que atuou com cautela. Pois bem. A resposta ao questionamento posto pela representação consular advém da análise em conjunto do regramento de regência da matéria: nacionalidade nata, originária ou primária. A nacionalidade originária é estabelecida, basicamente, por dois critérios, chamados ius soli e ius sanguinis. O critério denominado ius soli, direito de solo ou direito do solo, considera o território como fonte de definição da nacionalidade de uma pessoa. Assim, aquele nascido em determinado lugar, terá determinada nacionalidade. Por outro lado, o ius sanguinis, ou direito de sangue, define a ascendência, ou seja: filiação, como critério para a conferência da nacionalidade. Nesse sentido, todo filho de um nacional, será também nacional daquele país, independentemente do local onde tenha nascido. O ordenamento jurídico pátrio estabelece um sistema misto, combinando ambos os parâmetros, ius soli e ius sanguinis, e somando alguns requisitos, para a atribuição da nacionalidade brasileira primária aos seus cidadãos, retratado pelo artigo 12, I, da Constituição Federal. In verbis: Art. 12. São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007). Desse modo, de nosso interesse no presente caso, a alínea c refere o critério da filiação complementado pelo (i) registro competente ou (ii) residência e opção. Ressalte-se que a alínea “c” invoca duas diferentes situações. A primeira parte de sua redação aponta que a nacionalidade originária é atribuída a “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente (ius sanguinis + registro EC no 54/07)” (Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional 32. ed. rev. e atual. até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016 São Paulo: Atlas, 2016. P. 370). A segunda parte da alínea, que não se confunde com a situação exibida no primeiro trecho, traz ocorrência diversa: a nacionalidade nata é atribuída a “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade (EC no 54/07), pela nacionalidade brasileira (ius sanguinis + critério residencial + opção confirmativa).” (idem, P. 370/371). Para o completo entendimento da situação retratada no artigo 12, I, “c”, e sua solução prática, necessário se faz o entendimento das alterações legislativas que sofreu tal hipótese de aquisição de nacionalidade originária. Na redação original da Constituição da República, antes da edição da Emenda Constitucional de Revisão nº 03 de 1994, eram considerados brasileiros natos todos aqueles nascidos no exterior, de pai ou mãe brasileiros, que fossem registrados em repartição consular ou viessem a fixar residência em território nacional antes da maioridade e, após, fizessem a devida opção. Ocorreu que, após o advento da alteração legislativa trazida pela ECR nº 03 de 1994, a hipótese trouxe somente a residência em território nacional para a constituição da nacionalidade, extinguindo-se a possibilidade do registro em instituição consular para a aquisição originária. A alínea “c” passou a figurar com a seguinte redação: “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”. Nesse sentido, apontam Mendes e Branco (2021): Suprimiu-se, aparentemente sem razão plausível, a possibilidade, anteriormente oferecida, de o filho de brasileiro nascido no exterior obter a nacionalidade brasileira com o mero registro na repartição consular competente.Tal situação foi novamente alterada com a EC nº 54 de 2007, que se voltou ao entendimento anterior de que bastaria o registro em entidade consular para a constituição da nacionalidade nata ou, noutro turno, não tendo havido o registro consular, manteve a exigência de fixação de residência e opção. (Mendes, Gilmar Ferreira, e Branco, Paulo Gustavo Gonet, 2021, Cap. 6, item 2.2). Por fim, a questão foi novamente alterada com a Emenda Constitucional nº 54 de 2007, que se voltou ao entendimento anterior de que a nacionalidade primária também poderia ser adquirida com o registro em entidade consular (além da segunda parte da alínea: pela residência). Leciona Alexandre de Moraes (2016) quanto às mencionadas alterações efetivadas na Carta Magna: A EC no 54/07 trouxe novamente a mesma redação do texto original do art. 12, I, c, da Constituição Federal, possibilitando a aquisição da nacionalidade originária aos nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente. Assim, voltou a ser adotado o critério do ius sanguinis somado a um requisito específico (registro), qual seja, a necessidade de registro em repartição brasileira competente (Embaixada ou Consulado), independentemente de qualquer outro procedimento subsequente, além do registro, para confirmar a nacionalidade. O assento de nascimento lavrado no exterior por agente consular possui a mesma eficácia jurídica daqueles formalizados no Brasil por oficiais do registro civil das pessoas naturais, não havendo necessidade de qualquer opção, nesta hipótese (RDA 116/230). (2016, P. 377). Para regularização da situação legal dos nascidos fora do país, a EC nº 54 também fez inserir o artigo 95 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para oferecer a igualdade aos nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, cujos direitos de nacionalidade restaram nublados nesse período entre a instituição da ECR nº 3, de 1994, e a nova disposição dada ao artigo, pela EC nº 54, de 2007. Assim dispõe o artigo 95 do ADCT: Art. 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007). Sem a providência adotada pelo ADCT haveria uma lacuna de direitos entre aqueles nascidos no período de 1994 e até a nova redação de 2007, que teriam de firmar residência em território pátrio para a aquisição de nacionalidade, não bastando seu registro em repartição consular. À luz de tais alterações legislativas e à vista do artigo 95 da ADCT, restou consignado nas Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça o seguinte procedimento, a ser adotado por Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais: 159. Por força da redação atual da alínea c, do inciso I, do art. 2º [12*] da Constituição Federal e do art. 95 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Emenda Constitucional n° 54, de 20 de setembro de 2007), o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais deverá, de ofício ou a requerimento do interessado e, ou, procurador, sem a necessidade de autorização judicial, efetuar averbação em traslado de assento consular de nascimento, cujo registro em repartição consular brasileira tenha sido lavrado entre 7 de junho de 1994 e 21 de setembro de 2007, em que se declara que o registrado é: Brasileiro nato de acordo com o disposto no art. 12, inciso I, alínea c, in limine, e do art. 95 dos ADCTs da Constituição Federal.” 159.1. A averbação também deverá tornar sem efeito eventuais informações que indiquem a necessidade de residência no Brasil e a opção pela nacionalidade brasileira perante a Justiça Federal, ou ainda expressões que indiquem tratar-se de um registro provisório, que não mais deverão constar na respectiva certidão. Então, o que o artigo 95 do ADCT visa a oferecer é a igualdade de direitos que restaram nublados nesse período entre a instituição da ECR nº 3, de 1994, e a nova disposição dada ao artigo, pela EC nº 54, de 2007. De todo o narrado, compreende-se que por força da atual redação do artigo 12 da Constituição da República, o nascido no exterior, de pai ou mãe brasileiro, registrado em entidade consular, já é brasileiro nato, sem qualquer restrição, não sendo questão de opção ou residência, razão pela qual a mera averbação e/ou retificação da transcrição não tem o condão de impactar direito estrangeiro, que estaria limitado, se o caso, desde o registro efetuado na repartição diplomática. É por isso que se fazem desnecessárias as exigências impostas pela Registradora, no sentido de garantir a vontade do registrado de expressar sua nacionalidade, porque os indivíduos já são brasileiros natos, não se subvertendo o requerimento de averbação em espécie de opção pela nacionalidade e que portanto não tem impacto em direito estrangeiro. Destaco que, mesmo sem o requerimento, ao mero pedido de expedição de certidão de transcrição de nascimento, nesses casos ora analisados, a averbação ou retificação deve ser efetuada de ofício, por todas as razões e argumentos já apostos. Por conseguinte, pese embora compreensível o entendimento esposado pela i. Registradora e as medidas de cautela adotadas, os requerimentos não devem ser submetidos a tais exigências de confirmação da vontade pedido presencial, assinatura digital ou procuração com firma reconhecida , mantendo-se os exatos termos dos dispostos nos regramentos ora analisados, no sentido de que basta simples pedido pelo registrado, interessado ou procurador, uma vez que a averbação pode e deve ser realizada de ofício, à luz de mero pedido de expedição de certidão. Consigno à d. Oficial que a presente argumentação não impacta as outras cautelas devidas em razão da Lei Geral de Proteção de Dados e outras questões envolvendo o sigilo dos registros públicos civis de caráter pessoal, bem como não impacta as suas medidas concernentes à correta identificação do requerente ou seus procurados, sendo medida de cautela cabível, caso a caso, exigências para a confirmação da identidade dos interessados. Noutro turno, à vista dos esclarecimentos prestados pela i. Oficial, não verifico a existência de falha na prestação do serviço ou ilícito funcional em sua atuação, que foi pautada pela cautela e pela conferência de segurança jurídica a seus atos e aos usuários. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença, que servirá de ofício e será encaminhada por e-mail, ao Setor de Passaportes do Consulado-Geral do Brasil em Toronto, Canada, em atenção ao questionamento direcionado à E. Corregedoria Geral da Justiça, para ciência e providências que entenderem pertinentes. Encaminhe-se cópia desta ecisão, bem como de fls. 08/09 e 12/14, à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Cumpra-se com presteza, haja vista os prazos de ciência estipulados pela instância superior. Publique-se no DJE, em razão do tema de interesse geral. Ciência à Senhora Oficial e ao Ministério Público. P.I.C. (DJe de 17.11.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.