1VRP/SP: Registro de Imóveis. Pacto antenupcial. Separação total de bens. A previsão de incomunicabilidade de bens adquiridos durante o casamento, ainda que mediante esforço comum, com referência à inaplicabilidade da súmula 377 do STF, não conta com qualquer óbice legal para ingresso. Os cônjuges não podem renunciar reciprocamente ao direito de herança.


  
 

Processo 1118160-89.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Fabio Torres Maluf – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar apenas o óbice relativo à referência feita à súmula 377 do STF no título (cláusula 3.1). Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ANA CLAUDIA TELES SILVA (OAB 143086/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1118160-89.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Fabio Torres Maluf

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fábio Torres Malu tendo em vista negativa em se proceder ao registro de escritura de pacto antenupcial lavrada em 17 de agosto de 2022 pelo 30º Tabelião de Notas da Capital (livro n. 675, fls. 031/033 – prenotação n. 631.608).

Os óbices consistem na referência à súmula n. 377 do STF (cláusula 3.1), a qual é inaplicável à hipótese, em que instituído voluntariamente o regime da separação total de bens, bem como na inclusão da cláusula 3.7, por meio da qual os cônjuges renunciaram reciprocamente ao direito de herança, o que viola a regra do artigo 426 do Código Civil, tornando a previsão nula de pleno direito na forma do artigo 1.655 do Código Civil (fls. 22/25 e 26/29).

Documentos vieram às fls. 05/31.

Em manifestação dirigida à serventia extrajudicial, a parte suscitada aduziu que o Oficial extrapolou suas atribuições ao analisar aspectos materiais do negócio jurídico, o qual cumpriu todas as suas formalidades legais, com documentação perante Tabelião de Notas; que a cláusula relativa à renúncia ao direito de herança traz ressalvas sobre o seu cabimento, refletindo apenas a vontade dos contratantes; que, à vista de decisões judiciais relativas à aplicação da súmula 377 do STF além de hipóteses relativas ao regime legal da separação total, resolveram declarar expressamente a incomunicabilidade de seus bens (fls. 08/16). Em sede de impugnação, houve reiteração de teses (fls. 32/37).

O Ministério Público opinou pela procedência parcial (fls. 50/52).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é parcialmente procedente. Vejamos os motivos.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (princípio da legalidade estrita).

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Embora a qualificação registrária, a princípio, restrinja-se aos aspectos formais e extrínsecos do título, não há qualquer dúvida de que o exame da legalidade consiste também na aceitação para registro somente de título que estiver de acordo com a lei.

Nesse sentido, os ensinamentos de Afrânio de Carvalho e Pontes de Miranda (nossos destaques):

“É incontestável, portanto, que, por ser a nulidade um efeito que se produz ipso jure em decorrência apenas da existência do vício, o registrador ao examinar o título, em processo semelhante ao de jurisdição voluntária, deve levá-la em conta para opor a ‘dúvida’ tendente a vetar a inscrição requerida. A regra dominante nesse assunto, no nosso direito como em qualquer outro, é a de que o funcionário público deve negar sua colaboração em negócios manifestamente nulos, inclusive abster-se de fazer inscrições nos registros públicos” (AFRÂNIO DE CARVALHO, Registro de Imóveis, Rio de Janeiro: Forense, edição de 1977, páginas 256 a 257).

“Legalidade e validade são conceitos largos. A referência aos dois [reportasse o autor ao Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939] não é escusada, porque o título pode ser válido e não ser legal o registo (e.g.: válido mas irregistrável no registo de imóveis). Desde logo afastemos as anulabilidades, porque essas dependem de sentença constitutiva negativa em ação própria, e não poderiam ser invocadas quaisquer anulabilidades ao oficial de registo, ou de ofício. (…) A dúvida do oficial do registo somente pode ser, portanto, quanto às nulidades: a) se o escrito está assinado por pessoa absolutamente incapaz; b) se ilícito ou impossível o seu objeto; c) se foi infringida regra cogente de forma; d) se foi preterida alguma solenidade que a lei considera essencial para a sua validade; e) se a lei diz que é nulo o ato ou lhe nega efeito (Código Civil, art. 145, IV)” (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, § 1233, n. 4).

No que diz respeito às regras a serem respeitadas quando da qualificação, são aquelas vigentes no momento de apresentação do título em atenção ao princípio tempus regis actum.

Neste sentido, tem decidido reiteradamente o Conselho Superior da Magistratura, como na Apelação n.0015089-03.2012.8.26.0565, relatada pelo Corregedor Geral da Justiça à época, Des. Renato Nalini:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de Compra e Venda lavrada antes da averbação da indisponibilidade, mas apresentado a registro depois dela – Impossibilidade de registro até que a indisponibilidade seja cancelada por quem a decretou ‘Tempus regit actum’ – Precedentes do CSM – Recurso não provido”.

No título em análise, escritura pública de pacto antenupcial, verifica-se que há item que contraria expressa previsão legal.

De fato, os contratantes, na cláusula 3.7, estipulam sobre a herança de pessoas vivas, o que não é admitido por nosso sistema jurídico (aquela do artigo 426 do Código Civil), ainda que façam ressalva quanto à futura aplicabilidade da previsão (fl. 27). Justamente por isso, a estipulação é nula de pleno direito (artigo 1.655 do Código Civil) e não pode ingressar no fólio real.

Por outro lado, a previsão de incomunicabilidade de bens adquiridos durante o casamento, ainda que mediante esforço comum, com referência à inaplicabilidade da súmula 377 do STF, não conta com qualquer óbice legal para ingresso. Em verdade, justifica-se à vista de decisões judiciais que concluem pela incidência da súmula em questão mesmo em relacionamentos não regidos pelo regime legal da separação total de bens.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar apenas o óbice relativo à referência feita à súmula 377 do STF no título (cláusula 3.1).

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 29 de novembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 01.12.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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