1VRP/SP: Registro de Imóveis. Carta de sentença. Divórcio. Ato de registro.


  
 

Processo 1120537-33.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Denise de Souza Vieira – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital para afastar a possibilidade de averbação do título apresentado, mantendo os óbices apontados na nota de devolução de fls.119/120. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ARTHUR AZEVEDO NETO (OAB 71699/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1120537-33.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp

Requerido: Denise de Souza Vieira

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Denise de Souza Vieira diante da negativa de averbação de carta de sentença extraída da ação de autos n.1000818-10.2020.8.26.0009, na qual foi homologado o divórcio de Rogério Souza Pinto e Denise de Souza Vieira, bem como a partilha dos bens do casal, que incluiu o imóvel da matrícula n.143.089 daquela serventia.

O Oficial informa que o ato cabível para o título apresentado seria o de registro em sentido estrito. Entretanto, após a devolução inicial com exigência pela comprovação do recolhimento do tributo devido, o título foi reapresentado sem o atendimento da exigência, insistindo a apresentante pela averbação, nos termos do artigo 167, II, 14, da Lei 6015/73, sob a alegação de que a transação homologada consubstancia mera expectativa de transferência da propriedade, a qual somente seria alcançada após adimplemento integral do financiamento.

Ressalta que o divórcio já foi averbado e que não cabe averbação sobre a assunção de financiamento, uma vez que o fato jurídico homologado é complexo, compreendendo, primeiramente, a transmissão dos direitos pelo titular, sendo a assunção das obrigações mera consequência da cessão da propriedade fiduciária, nos termos do artigo 29 da Lei n. 9514/97.

Documentos vieram às fls.09/133.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte interessada se opõe ao recolhimento do tributo, salientando que a transmissão da propriedade exige escritura pública e alegando que o título apenas contém declaração dos divorciandos quanto à transação na qual o varão cedeu e transferiu para a mulher todos os direitos e obrigações relativos à sua meação.

Sustenta que “sendo a carta de sentença inquestionavelmente um título judicial suscetível apenas de averbação naquela indigitada matrícula por ter ele caracterizado o ato de transação na partilha de bens do divórcio, apenas como um ônus ou encargo para a requerente enfrentar com suas forças o restante pagamento do financiamento imobiliário e a solução de sua respectiva hipoteca; de tal maneira a possibilitar, após o cancelamento da oneração, a consecução da promessa de doação da metade ideal do imóvel do varão para a mulher, agora ditos divorciados” (fls.122/124). Nestes autos, porém, não produziu impugnação (fls. 134/135).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice, anotando que nada mais há a ser averbado, restando apenas o registro da partilha homologada (fls.137/139).

É o relatório

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, a procedência é medida de rigor. Vejamos os motivos.

O título apresentado consiste em carta de sentença extraída do processo de autos n.1000818-10.2020.8.26.0009, que tramitou perante a 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional IX – Vila Prudente e tratou do divórcio consensual do casal Rogério de Souza Pinto e Denise de Souza Vieira (fls.58/118, com aditamento às fls.33/54).

A sentença proferida em 25 de março de 2020, além de declarar a dissolução do vínculo conjugal, também homologou o acordo de partilha apresentado pelos divorciandos, segundo o qual o varão abriu mão do imóvel e do veículo adquiridos durante a união conjugal em favor de Denise, obrigando-se a suportar 50% do ITCMD incidente sobre a transação, enquanto Denise se responsabilizou pelas despesas do financiamento vencidas a partir da sentença (fls.63/64 e 111/113).

Nesse contexto, em que há partilha de bens com transmissão de propriedade imobiliária, a carta de sentença do divórcio deve ser objeto de registro, na forma do artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos, e não de mera averbação, como previsto no artigo 167, II, 14, da mesma lei.

Neste sentido, as notas explicativas do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo (destaque nosso):

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

a) o registro de:

(…)

23. atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha (Livro 2);

NOTA: A escritura pública de separação ou divórcio e a sentença de separação judicial, divórcio ou que anular o casamento só serão objeto de registro quando versar sobre a partilha de bens imóveis ou direitos reais registrários.

(…)

b) a averbação de:

(…)

14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;

NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio ‘pro indiviso'”.

O objetivo da nota inserida nas NSCGJ é orientar quanto à providência a ser tomada diante da apresentação de título judicial que altere o estado civil do proprietário tabular.

Ocorre que, com o advento da Lei n. 6.850/80, que modificou a Lei de Registros Públicos visando compatibilizá-la com o estatuto processual (artigo 1.124 do CPC/73), a medida gerou confusão ao transportar o número 22, do inciso I, do artigo 167, da Lei n. 6.015/73, para o número 14, do inciso II, do mesmo artigo, com determinação de averbação “das sentenças de separação judicial, de divórcio e de nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro”.

Como se sabe, os atos atributivos ou declaratórios da propriedade são objeto de registro em sentido estrito.

Essa questão foi resolvida em consulta formulada pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil ao então juiz desta 1ª Vara de Registros Públicos, Dr. José de Mello Junqueira, no processo de autos n.124/1981, cujo resultado esclareceu o seguinte (destaques nossos):

“(…) Pela averbação faz-se apenas mudanças de acréscimos ou sinalizações ao objeto (construção, numeração) ou ao título (reratificação) ou circunstâncias de alteração de nome e restabelecimento de sociedades conjugais e outras. Não é lícito alterar-lhe a destinação e finalidade dada pelo sistema registrário.

(…) As sentenças de separação judicial, divórcio e de nulidade ou anulação de casamento, quando partilharem, concomitantemente, os bens do casal contém, em verdade, dois dispositivos distintos: um ordenamento sobre a situação de estado das pessoas envolvidas e outro sobre o domínio dos bens, como consequência ao ordenamento primeiro.

Expede-se no caso um formal de partilha, instrumento próprio que documenta o ato judicial a divisão dos bens, como ocorre nas transmissões “causa mortis”.

Não importa o Ofício de Justiça expedir um mandado ou uma carta de sentença, ao invés do formal de partilha. O rótulo não desnatura a natureza do título. Partilhado os bens, o instrumento que documenta esse ato judicial é um formal de partilha, qualquer que seja o título que o encabeça, devendo conter, para se aperfeiçoar, todas as formalidades exigidas em lei.

Tratando-se de um formal de partilha, o registrador deverá registrá-lo (inscrevê-lo) por força do número 25, inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73.

É preciso que o Oficial do Registro atente para o conteúdo da decisão, examinando a ocorrência ou não da partilha dos bens, principalmente se o instrumento expedido pelo Juízo da Família contiver o nome de mandado ou carta de sentença (…)”.

Foi com base nesse julgado paradigmático que a E. Corregedoria Geral da Justiça expediu o Comunicado 12/82, o qual, por sua vez, deu origem às notas hoje presentes nas NSCGJ.

Observe-se que, no caso concreto, a alteração do estado civil dos proprietários tabulares já foi objeto da Averbação n.11 (fl.131), sendo a carta de sentença apresentada título suficiente para transmissão da meação de Rogério, de modo a tornar Denise proprietária exclusiva do bem, independentemente de escritura pública, como autoriza o artigo 221, inciso IV, da Lei 6015/73.

Note-se que os divorciandos, ao acordarem em atribuir a integralidade dos bens comuns para um dos cônjuges, propiciaram desproporção entre as meações, o que caracterizou excesso, que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa.

Essa reposição onerosa é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.

Se, na divisão, um dos cônjuges adquire onerosamente a meação do outro sobre determinado imóvel, configura-se o fato gerador do ITBI, que é a transmissão inter vivos a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel. Se não houver compensação financeira, considera-se doada essa parte desproporcional, pelo que incide ITCMD.

No caso concreto, como não houve reposição onerosa, ficou caracterizado o fato gerador do ITCMD, sobre o qual as partes também decidiram dividir a responsabilidade.

Como se sabe, para os registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Correta, portanto, a fiscalização realizada no caso (exigência de recolhimento do imposto de transmissão cabível).

Vale observar, ainda, que, em havendo previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação ou pela existência de qualquer causa extintiva do crédito tributário.

Neste sentido decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura na Apelação nº 0019186-49.2013.8.26.0100, de relatoria do Exmo. Des. Elliot Akel (destaque nosso):

“Registro de imóveis – Dúvida – Registro de carta de adjudicação – Ausência de recolhimento de imposto ITBI que é devido pela cessão e pela adjudicação – Impossibilidade de reconhecimento de decadência ou prescrição pela via administrativa – Impedimento do registro mantido – Recurso Desprovido”.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital para afastar a possibilidade de averbação do título apresentado, mantendo os óbices apontados na nota de devolução de fls.119/120.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de dezembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 16.12.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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