Processo 1070764-48.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Bruno Stefani da Silva Medina Talavera – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: WILSON DIAS SIMPLICIO (OAB 180213/ SP), CLAUDIO DE ALBUQUERQUE GRANDMAISON (OAB 138330/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1070764-48.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: Bruno Stefani da Silva Medina Talavera
Requerido: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juiz de Direito: Dr. Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Bruno Stefani da Silva Medina Talavera em face do Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, diante de negativa de prosseguimento ao procedimento de adjudicação compulsória pela via extrajudicial, envolvendo instrumento particular de permuta de bens imóveis, objetivando a adjudicação do imóvel da matrícula n. 127.892 daquela serventia (prenotação n. 1.028.526).
O requerente alega que celebrou instrumento particular de permuta de bens imóveis com a empresa Alfabens Empreendimentos Imobiliários Ltda, tendo por objeto a permuta do imóvel objeto da matrícula n. 127.892 do 15º Registro de Imóveis da Capital, então pertencente à empresa, com o imóvel objeto da matrícula n. 396.047 do 11º Registro de Imóveis da Capital, então pertencente ao requerente; que, com fulcro no Provimento n. 150/2023 do CNJ, apresentou requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial, instruído com os documentos exigidos, inclusive termo de quitação; que, por nota devolutiva, a desqualificação do título foi motivada pelo não cumprimento do requisito da quitação (artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973, e Provimento n. 150 do CNJ), sob o fundamento de que a permuta não se convalidou pela falta de transmissão do imóvel para a empresa Alfabens Empreendimentos Imobiliários Ltda., carecendo, portanto, da quitação exigida para o pedido na via extrajudicial; que, ainda segundo a nota devolutiva, o mérito da causa discutida no processo n. 1045095-06.2018.8.26.0002, tratou apenas da declaração da subsistência do negócio jurídico, mas não do seu cumprimento (quitação), de modo que a alegada presunção da quitação, sem a outorga de escritura ao promitente vendedor, deve ser discutida em ação jurisdicional própria.
O requerente sustenta que na cláusula 3ª do contrato as partes atribuíram para os devidos fins e efeitos fiscais o valor de R$ 100.000,00, para cada imóvel, e conferiram, no próprio instrumento, recíprocas quitações; que “não obstante as disposições concernentes à demonstração da quitação do preço, estabelecendo de forma objetiva, a expressão “termo de quitação” nos termos do artigo 440-G, § 6º, inciso VI do Provimento 150 do Conselho Nacional de Justiça, é certo que impõe-se uma interpretação “cum grano salis”, admitindo-se tanto o instrumento em apartado, mas também consignado a quitação do preço no próprio instrumento, como no presente caso”; que, deste modo, o óbice deve ser afastado para prosseguimento do pedido na via extrajudicial (fls. 01/04).
Documentos vieram às fls. 05/58.
O Oficial manifestou-se, informando que o requerente alega que a quitação ocorreu no próprio instrumento de permuta. Porém, essa circunstância não foi comprovada nos documentos apresentados, o que ensejou a desqualificação do título, por nota devolutiva; que o requisito fundamental da adjudicação compulsória extrajudicial, nos termos do artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973 e do Provimento n. 150/2023 do CNJ, é a comprovação do pagamento do preço acordado; que, no caso de permuta, a comprovação deveria ocorrer por meio da escritura ou do registro, não sendo aceitável uma presunção meramente conjectural; que, além disso, nos autos da ação de reivindicação proposta por Alfabens Empreendimentos Imobiliários Ltda. em face de Bruno Stefani Medina Talavera (processo n. 1045095-06.2018.8.26.0002, da 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro), o mérito da causa cingiu-se à declaração de validade do negócio jurídico, e não ao seu cumprimento e à quitação; que, ademais, o prazo da prenotação expirou em 08 de maio de 2024, encontrando-se cancelada (fls. 65/69). Juntou documentos (fls. 70/80).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo afastamento do óbice e prosseguimento do expediente extrajudicial (fls. 84/86).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Inicialmente, extrai-se que o Oficial aduz que o prazo da prenotação expirou no dia 08 de maio de 2024, estando atualmente cancelada.
Ocorre que a dúvida inversa foi suscitada pela parte no mesmo dia 08 de maio de 2024, ou seja, no último dia do prazo da validade, não havendo que se falar, portanto, em cancelamento da prenotação.
Note-se que a prenotação preserva os interesses da parte até a efetivação do registro: os efeitos da prenotação prorrogam-se até o final do processo extrajudicial de adjudicação compulsória, como determina o item 465, Cap. XX, das NSCGJ: “A petição inicial e os documentos serão atuados, e os efeitos da prenotação ficarão prorrogados até o final do processo.”
Como é cediço, o procedimento da dúvida é reservado à análise da discordância do apresentante com os motivos que levaram à recusa do ingresso do título. Do seu julgamento, decorrerá a manutenção da recusa, com o cancelamento da prenotação, ou a improcedência da dúvida, que terá como consequência a realização da inscrição pretendida, conforme determina o artigo 203, inciso II, da Lei n. 6.015/1973.
Cumpre ressaltar, também, que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando daqualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
É importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da adjudicação compulsória administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973, incluído pela Lei n. 14.382/2022, e pela Seção XVI, Cap. XX, das NSCGJ.
Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.
Passo a apreciar a questão apresentada.
Da leitura dos autos, constata-se que se trata de pedido de adjudicação compulsória extrajudicial envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 127.892 do 15º Registro de Imóveis da Capital.
Consta que Bruno Stefani da Silva Medina Talavera e Alfabens Empreendimentos Imobiliários Ltda. celebraram em 23 de agosto de 2012 instrumento particular de permuta de bens imóveis, tendo por objetos os seguintes imóveis: o apartamento n. 155 do Edifício Azaleias, do Condomínio Terrara, localizado na Avenida Interlagos, n. 4.455, nesta Capital, objeto da matrícula n. 396.047 do 11º Registro de Imóveis da Capital (de propriedade de Bruno – “primeiro permutante”); e o apartamento n. 71 do Edifício Brooklin Square, situado na Rua Guaraiuva, n. 599, nesta Capital, objeto da matrícula n. 127.892 do 15º Registro de Imóveis da Capital (de propriedade da Alfabens – “segundo permutante”) (fls. 22/25).
Da análise das cláusulas do aludido instrumento, restou avençado entre as partes que o primeiro permutante transfere à segunda permutante, e esta transfere àquele, a partir da assinatura do contrato, a posse e os direitos sobre seus os respectivos imóveis (cláusula 5ª). Foi atribuído o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada imóvel, para efeitos fiscais, dando-se recíprocas e mútuas quitações (cláusula 3ª).
O pedido de adjudicação compulsória extrajudicial foi negado pelo Oficial de Registro de Imóveis, o qual sustenta ausência da comprovação da quitação, que no caso de permuta, deveria ocorrer por meio da escritura ou do registro. Ou seja, o negócio jurídico não teria se concretizado em razão da falta de transmissão do outro imóvel (matrícula n. 396.047 do 11º Registro de Imóveis da Capital) para a Alfabens.
Expediu nota de devolução, nos seguintes termos: “O pedido de Adjudicação Compulsória Extrajudicial não cumpre com os requisitos elencados no artigo 216-B da Lei 6.015/43, e Provimento 150 do Conselho Nacional de Justiça, tendo em vista que não se convalidou a permuta pela falta de transmissão do imóvel para a ALFABENS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, ficando ausente a quitação exigida para a presente pretensão. O mérito da causa discutida no processo nº 1045095-06.2018.8.26.0002 visou somente declarar a subsistência do negócio jurídico, e não o seu cumprimento, o que geraria quitação, conforme destacado no v. acórdão (fl. 364). A alegada presunção da quitação, sem a outorga da escritura de permuta ao promitente vendedor, s.m.j., deve ser discutido em ação jurisdicional própria.” (fls. 33).
Insurge-se o suscitante contra a exigência supratranscrita, argumentando que, no próprio instrumento particular de permuta, as partes atribuíram como valor do negócio o montante de R$ 100.000,00 para cada imóvel, e deram-se quitação recíproca.
Pois bem.
A adjudicação compulsória extrajudicial, prevista no artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973 (incluído pela Lei n. 14.382/2022), foi regulamentada pelo Provimento n. 150/2023 do CNJ, e pelos itens 462 e seguintes, Cap. XX, das NSCGJ.
Com efeito, o procedimento é cabível quando as partes celebram atos ou negócios jurídicos consistentes em promessa de compra e venda, promessa de permuta, cessões ou promessas de cessão, sem haver cláusula de arrependimento, conforme disposto no artigo 440- B do Provimento n. 150/2023 do CNJ:
“Art. 440-B. Podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável.”
No caso dos autos, trata-se de permuta, negócio jurídico em que a prestação principal diz respeito à coisa entregue em pagamento, ainda que haja complemento em dinheiro, com previsão no artigo 533 do Código Civil. Na hipótese em que o pagamento feito em dinheiro seja em valor superior ao da coisa entregue em complemento, estará configurada a compra e venda.
A permuta, no caso telado, carrega uma característica peculiar, sendo tanto objeto de uma aquisição, quanto mero instrumento de pagamento da aquisição paralela, fato que por si só não implica a cindibilidade formal do título. Ostenta, ainda, caráter consensual, se aperfeiçoando sem a tradição, isto é, o negócio se consuma com o simples acordo de vontades materializado no instrumento particular.
Do mesmo modo, não importa determinar se já ocorreu ou não o pagamento do preço avençado no contrato para se concluir que a sua natureza é de permuta, mesmo porque o instrumento para validade dos negócios jurídicos que visem à constituição e à transferência de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo, incluindo a permuta efetiva, é a escritura pública (artigo 108 do Código Civil).
O artigo 216-B, § 1º, da Lei de Registros Públicos, e o item 464, Cap. XX, das NSCGJ, estabelecem que o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial deverá ser instruído com determinados documentos, dentre eles os seguintes (destaques nossos):
“I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade (…)”
Por sua vez, o § 6º do artigo 440-G do Provimento do CNJ elenca os fatos/documentos que poderão ser utilizados para fins de prova de quitação:
“I – ação de consignação em pagamento com valores depositados;
II – mensagens, inclusive eletrônicas, em que se declare quitação ou se reconheça que o pagamento foi efetuado;
III – comprovantes de operações bancárias;
IV – informações prestadas em declaração de imposto de renda;
V – recibos cuja autoria seja passível de confirmação;
VI – averbação ou apresentação do termo de quitação de que trata a alínea 32 do inciso II do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973; ou
VII – notificação extrajudicial destinada à constituição em mora.”
Neste contexto, o notário assume importante papel no procedimento, uma vez que sua função – identificar os instrumentos que caracterizem o direito material do requerente na relação contratual, declarar a quitação do preço e verificar a inadimplência do requerido na recusa à outorga do título definitivo – alicerça o direito do requerente adjudicatário.
Da mesma forma, seguindo o disposto no § 4º do artigo 440-G do Provimento tratado, “caberá ao tabelião de notas fazer constar informações que se prestem a aperfeiçoar ou a complementar a especialidade do imóvel, se houver.”
No caso dos autos, respeitado o entendimento exposado pelo I. Promotor de Justiça, tem-se por justificada a recusa do Oficial Registrador, que deve ser mantida, senão vejamos.
Da ata notarial de 27 de outubro de 2023, lavrada pelo Tabelião de Notas do 29º Subdistrito – Santo Amaro (livro 1.716, págs. 117/123), de fato constou expressamente a quitação do preço (item 5). E assim o fez com base nas informações prestadas pelo solicitante.
O fato de o instrumento particular indicar que os contratantes conferem mútua e recíproca quitação (fls. 55) não possui o condão de demonstrar que houve o efetivo pagamento, mesmo que a avença tenha sido assinada pelos envolvidos, com reconhecimento de firma.
Afinal, em se tratando de contrato de permuta de imóveis, o cumprimento da obrigação assumida, com a consequente quitação, somente estaria caracterizada com a efetiva transmissão da propriedade do imóvel para a permutante Alfabens.
Nos termos da manifestação de fls. 65/68: “o requisito fundamental da adjudicação compulsória extrajudicial, conforme estabelecido no artigo 216-B da Lei 6.015/73 e Provimento 150 do Conselho Nacional de Justiça, é a comprovação do pagamento do preço acordado. No caso em questão, relacionado à permuta, essa comprovação deveria ocorrer por meio da escritura ou do registro, não sendo aceitável uma presunção meramente conjectural” (fls. 67/68).
Outrossim, há de se ressaltar que nos autos do processo n. 1045095-06.2018.8.26.0002, da 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, houve o reconhecimento da validade do negócio jurídico, tão-somente. Não se discutiu, no referido feito, sobre o cumprimento das obrigações ali assumidas, o que implicaria atestar a quitação.
Sendo assim, reputa-se válida a justificativa apresentada pelo Oficial Registrador para obstaculizar o prosseguimento da adjudicação compulsória extrajudicial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 23 de julho de 2024. (DJe de 26.07.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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