CSM/SP: Registro de imóveis – Negativa de Registro de Escritura Pública de inventário e partilha – Recusa fundada na existência de indisponibilidade de bens de herdeiro que renunciou à herança a favor do monte mor e na necessidade de apresentação de certidão de casamento atualizada da autora da herança com menção ao regime de bens – Impugnação parcial das exigências formuladas pelo registrador – Dúvida prejudicada – Indisponibilidade de bens do herdeiro que renuncia em prol do monte não impede o registro do formal de partilha – Apelação não conhecida.

Apelação Cível nº 1004923-79.2022.8.26.0358

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004923-79.2022.8.26.0358
Comarca: MIRASSOL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004923-79.2022.8.26.0358

Registro: 2024.0000656879

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004923-79.2022.8.26.0358, da Comarca de Mirassol, em que é apelante TÂNIA REGINA VENDITE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRASSOL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E DAMIÃO COGAN (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de julho de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004923-79.2022.8.26.0358

Apelante: Tânia Regina Vendite

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirassol

VOTO Nº 43.485

Registro de imóveis – Negativa de Registro de Escritura Pública de inventário e partilha – Recusa fundada na existência de indisponibilidade de bens de herdeiro que renunciou à herança a favor do monte mor e na necessidade de apresentação de certidão de casamento atualizada da autora da herança com menção ao regime de bens – Impugnação parcial das exigências formuladas pelo registrador – Dúvida prejudicada – Indisponibilidade de bens do herdeiro que renuncia em prol do monte não impede o registro do formal de partilha – Apelação não conhecida.

Trata-se de apelação interposta por TÂNIA REGINA VENDITE contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirassol/SP, que julgou procedente a dúvida em razão da impugnação parcial das exigências apontadas pelo registrador (fls. 85/87).

A apelante alega, em síntese, a possibilidade de análise do mérito da dúvida invocada, apesar da insurgência parcial quanto às exigências apresentadas pelo Oficial, sob assertiva de que o item 2 da nota devolutiva não impede o registro da escritura de inventário e partilha, eis que se tratou de simples solicitação de certidão atualizada do casamento da autora da herança, Antonia Ciani Vendite.

No mais, insiste na possibilidade do registro da referida escritura, embora exista o gravame de indisponibilidade de bens do herdeiro renunciante Luis Fernando Vendite perante a 3ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto/SP.

Nesse sentido, argumenta que “o eventual direito de credores do renunciante não impede o herdeiro de renunciar e os demais herdeiros de seguir e finalizar a sucessão com o competente registro notarial do inventário” (fl. 06, último parágrafo).

Requer, então, a reforma da sentença, para determinar ao Oficial a adoção de providências quanto ao registro da escritura pública de inventário e partilha (fls. 15/24), junto à matrícula nº 5.613, sem as exigências de nºs 1 e 2 da nota devolutiva referente à prenotação nº 163980 (fl. 63).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 109/110, ratificada às fls. 131 e 134).

É o relatório.

O registro da Escritura de Inventário e Partilha lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Mirassol/SP em 07/03/2019 (fls. 15/24), em razão do falecimento de Antonia Ciani Vendite, ocorrido em 06/08/2018, foi negado pelo Oficial, que expediu a nota de devolução referente à Prenotação nº 163980 (fl. 63), contendo as seguintes exigências:

“1) Existem duas indisponibilidades em nome do herdeiro renunciante Luis Fernando (proc. 00628004419985150082 e 00628003719985150082, ambas da 3ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto, o que inviabiliza o registro vez que lesiva e ineficaz em relação aos credores,

2) Apresentar/juntar:

a) a certidão ATUALIZADA do casamento de Antonio com Antonia, constando o regime;”

A r. sentença recorrida julgou a dúvida procedente em razão da impugnação parcial das exigências apresentadas.

A recorrente discordou apenas da exigência constante no item 1, não se insurgindo em face do outro óbice, qual seja: a apresentação de certidão atualizada do casamento da autora da herança, Antonia Ciani Vendite, com Antonio Vendite, conforme esclarecido pelo Oficial as fls. 75/78.

E, ao revés do que a ora recorrente aduz, a providência é, de fato, exigência que obsta o registro da referida escritura pública e é de sua responsabilidade, e não “do Oficial de Notas”, como aparentemente sugeriu em sua manifestação a fls. 95, terceiro parágrafo.

De toda sorte, para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não, é preciso que todas as exigências, e não apenas parte delas, sejam impugnadas.

A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrais, e, do mesmo modo, a anuência em relação a qualquer um dos óbices prejudica a dúvida, a qual só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) a manutenção da recusa do Oficial.

A não impugnação da totalidade das exigências faz com que o presente recurso assuma um caráter meramente doutrinário, ou teórico, o que não se admite porque redundaria na prolação de decisão condicional quando, na realidade, como dito, somente pode comportar duas soluções: a afirmação da possibilidade ou não da prática do ato, considerando o título tal como foi apresentado ao Oficial registrador e por este qualificado.

O processo de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo a apenas parte dos óbices ao ingresso do título no fólio real, pois, eventualmente afastados os questionados, restariam os demais, não questionados, que, não atendidos, impediria, de toda sorte, o registro.

Na espécie, como a apelante atacou parcialmente as exigências, acabou afirmando a pertinência do óbice não contestado, tornando o recurso prejudicado.

Embora assentada a prejudicialidade, não há impedimento ao exame da exigência quanto ao ingresso da Escritura Pública no fólio real, a titulo de orientação a futura prenotação.

Consta no item 5 da Escritura Pública supracitada:

“5) DA RENUNCIA PELOS HERDEIROS VANIA CRISTINA VENDITE E LUIS FERNANDO VENDITE DA HERANÇA DEIXADA EM RAZÃO DO FALECIMENTO DE ANTONIA CIANI VENDITE: a) pela presente escritura e na melhor forma de direito, de sua livre e espontânea vontade, sem qualquer induzimento, sugestão, medo, coação ou outro artifício, e não aceitando a herança que lhes cabe por sucessão aberta pelo falecimento de sua genitora, os herdeiros VANIA CRISTINA VENDITE e LUIS FERNANDO VENDITE, com a anuência de sua cônjuge, vêm RENUNCIAR, à citada herança, sendo que, com a renúncia ora feita, a herança deverá ser partilhada a quem de direito, conforme legislação atinente à espécie; b) em virtude da renuncia ora feita, obriga-se eles outorgantes, por si, herdeiros ou sucessores, a fazerem a presente sempre boa, firma e valiosa, na forma da Lei; e c) declaram ainda, expressamente e sob as penas da lei que, por não serem empregadores e nem produtores rurais, não terem empregados, nem contratarem serviços de mão-de-obra, e, também, por não comercializarem produção agrícola ou industrial, nem serem responsáveis por recolhimento de contribuição à Previdência Social, não estão, portanto, incursos nas restrições constantes das Leis Previdenciárias; d) que a herança renunciada encontrasse livre e desembaraçada de quaisquer dívidas, dúvidas e ônus reais, judiciais ou extrajudiciais, hipotecas, mesmo legais, impostos e taxas, assim como declara que contra eles não existem protestos de título ou protesto judicial ou ações em trâmite fundadas em direito real e pessoal reipersecutória, ou qualquer outra ação, criminal ou trabalhista, quer na Justiça Comum, Federal ou Trabalhista, inclusive rescisória, que possa afetar a presente renúncia, apresentando para este ato a seguinte certidão: (i) Certidão Positiva com Efeitos de Débitos Trabalhistas em nome LUIS FERNANDO VENDITE sob nº 161107453/2018 expedida aos 26/10/2018 e válida até 23/04/2019, constando 3 (três) processos,(…)”

Constata-se, pois, que o nome de Luis Fernando Vendite foi, de fato, inserido na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens em 14/01/2016 (fls. 52/56), anterior, pois, à lavratura da Escritura Pública de Inventário e Partilha que ora se busca o registro, ocorrida em 07/03/2019.

Nesse passo, convém registrar, em primeiro lugar, que o entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de que a indisponibilidade dos bens do herdeiro decretada em juízo inviabiliza o registro da alienação voluntária.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE. FORMAL DE PARTILHA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RENÚNCIA TRANSLATIVA FEITA POR HERDEIRO CONTRA O QUAL PESAVAM INDISPONIBILIDADES DECORRENTES DE ORDENS JURISDICIONAIS. DOAÇÃO DE SUA COTA PARTE NO IMÓVEL. OBJETO DA PARTILHA EM FAVOR DE OUTRA HERDEIRA. ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA QUE NÃO PODE SER LEVADA A REGISTRO ATÉ QUE SEJAM CANCELADAS AS ORDENS DE INDISPONIBILIDADE. ÓBICE MANTIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.” (Apelação Cível 1045543-61.2022.8.26.0576; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Conselho Superior da Magistratura; Julgamento em 31/08/2023)

Contudo, a situação que se afigura na espécie é diversa, eis que o herdeiro renunciou à herança em favor do monte mor e não de outrem, o que leva à conclusão que o bem imóvel não ingressou no seu patrimônio, como teria na hipótese da renúncia translativa.

É a conclusão que advém do § único do artigo 1.804 do Código Civil:

“Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão.

Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.” (g.n.)

Nesse sentido, é a sentença proferida pela MMª Juíza Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, no Processo nº 1103313-53.2020.8.26.0100, quando era Corregedora Permanente do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, à frente da 1ª Vara de Registro Públicos da Capital, atualmente designada como Juíza Assessora da Corregedoria:

“Todavia, no caso concreto, verifica-se que os imóveis objeto da partilha não ingressaram no patrimônio da herdeira Denise Aparecida Urso Furquim Leite, que renunciou à herança em favor do monte mor, de modo que não podem ser considerados atingidos pelas ordens de indisponibilidade.

Embora o artigo 1.784 do Código Civil disponha que a herança se transmite aos herdeiros desde a abertura da sucessão, deve-se atentar que o parágrafo único, do artigo 1.804, do mesmo diploma, ressalva que “a transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.

Logo, os bens do de cujus são transmitidos automaticamente aos herdeiros no momento de sua morte, mas há possibilidade de aceitação ou renúncia a tais direitos, cujos efeitos retroagem à data da abertura da sucessão, ou seja, ‘ex tunc’.

Assim, vê-se que os imóveis matriculados sob nº 103.323 e 103.324 não ingressaram no patrimônio da herdeira renunciante, pelo que não foram incluídos dentre os bens atingidos pelas ordens de indisponibilidade.”

Ademais, dispõe o artigo 1813 da Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 (Código Civil):

“Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante.”

Ora, da leitura atenta do dispositivo infere-se que a lei não obsta a renúncia do herdeiro à herança, oportunizando tão somente aos credores a possibilidade de aceitá-la em seu nome, se autorizados a tanto.

Destaca-se, então, trecho de julgado da Relatoria do Exmo. Desembargador Ricardo Mair Anafe, Corregedor Geral da Justiça à época, nos autos da Apelação de nº 1001772-70.2020.8.26.0263, julgada pelo C. Conselho Superior da Magistratura em 22/11/2021, que explicita o raciocínio:

“Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor, com finalidade acautelatória, resta por determinar o seu efetivo alcance no caso concreto. O problema coloca-se, porque, na hipótese em discussão, entenderam assim o ofício de registro de imóveis como o juízo corregedor permanente que os herdeiros, a quem a herança se transmite ipso jure com a morte do de cujus (Código Civil, art. 1.784), não podem renunciar ou, o que é o mesmo, devem aceitar o que veio a seu patrimônio a causa de morte. Em que pesem à bem fundada nota devolutiva e às boas razões da r. sentença apelada, essa interpretação não é a mais consentânea com o sistema da lei civil e a liberdade que se concede em matéria hereditária. Isso porque, como está no art. 1.813 do Código Civil, a existência de credores não impõe aos herdeiros que necessariamente aceitem a herança: permite-se, em vez disso, e no seu lugar, que os credores aceitem, mas de nenhuma forma está na lei que os herdeiros estejam impedidos de renunciar – e se tal dever não está criado no Código Civil, muito menos aparece como decorrência das indisponibilidades em questão. Segundo as informações postas a fl. 03, com efeito, as indisponibilidades que recaem sobre os herdeiros renunciantes advêm, todas elas, de decisões jurisdicionais, proferidas pela Justiça Federal e pela Justiça do Trabalho, as quais, portanto, não se fundam em regra nenhuma que abra exceção ao regime geral do Código Civil, o qual, repita-se, não impõe dever de aceitação.” (g.n.)

No caso em apreço, a situação se afigura a mesma, razão pela qual o óbice registrário apontado pelo Oficial não se sustenta.

Veja-se recente julgado deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesava indisponibilidade decorrente de ordem jurisdicional – Efeitos da renúncia ao direito hereditário que retroagem à data da abertura da sucessão – Inteligência do parágrafo único, do artigo 1.804, do Código Civil  Imóvel que não ingressou no patrimônio do herdeiro renunciante e não foi atingido pela ordem de indisponibilidade  Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir o registro almejado.” (Apelação Cível 1011505-05.2020.8.26.0637; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Conselho Superior da Magistratura; Julgamento em 23/05/2022).

De toda sorte, as observações feitas relativamente à exigência do item 1 da nota devolutiva têm apenas o condão de orientar o Oficial em caso de futura prenotação, haja vista que, na espécie, o recurso está prejudicado.

Ante o exposto, pelo meu voto, NÃO CONHEÇO da apelação, prejudicada a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.07.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Vendedores falecidos há mais de quarenta anos e que não possuem CPF – Óbice visando à preservação da especialidade subjetiva – Exigência afastada – Peculiaridades do caso – Certidão de casamento dos vendedores que indica que os proprietários alienaram o bem na década de cinquenta – Elementos aptos à identificação dos vendedores – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1030567-12.2023.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1030567-12.2023.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1030567-12.2023.8.26.0577

Registro: 2024.0000656880

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1030567-12.2023.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante CELSO RIBEIRO DIAS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E DAMIÃO COGAN (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de julho de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1030567-12.2023.8.26.0577

APELANTE: Celso Ribeiro Dias

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.483

Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Vendedores falecidos há mais de quarenta anos e que não possuem CPF – Óbice visando à preservação da especialidade subjetiva – Exigência afastada – Peculiaridades do caso – Certidão de casamento dos vendedores que indica que os proprietários alienaram o bem na década de cinquenta – Elementos aptos à identificação dos vendedores – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por Celso Ribeiro Dias, contra a r. sentença de fls. 53/54, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que, mantendo a exigência apresentada pela Oficial, negou o registro de escritura de compra e venda lavrada em 6 de dezembro de 1957.

Sustenta o apelante, em resumo, que “não tem legitimidade para promover a inscrição dos CPF dos vendedores“, uma vez que não é parente deles e eles são falecidos; e que a certidão de casamento dos vendedores possibilita a inscrição do título. Pede a reforma da sentença para que a escritura seja registrada e, subsidiariamente, a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal, compelindo-a a realizar a inscrição no CPF dos falecidos vendedores (fls. 60/65).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 76/80).

É o relatório.

A questão que aqui se debate refere-se à qualificação dos vendedores de imóvel matriculado no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos. A escritura de compra e venda de fls. 10/11 foi lavrada em 1957, pelo 2º Tabelião de Notas de São José dos Campos, e nela não consta os números de RG e CPF das partes.

Afastado o risco de homonímia do comprador por meio da juntada de outros documentos, conforme narrado na suscitação da dúvida (fls. 3), insiste a Oficial que a indicação do número do CPF dos vendedores é necessária, na forma do art. 176, II, 4, “a”, da Lei nº 6.015/73[1].

Ainda que a qualificação completa das partes do negócio jurídico seja, em regra, imprescindível e as normas aplicáveis sejam aquelas em vigor ao tempo da qualificação do título, a exigência, no caso concreto, há de ser afastada.

De início, deve-se destacar que a escritura apresentada a registro foi lavrada há quase setenta anos (1957 – fls. 10/11), época em que o documento solicitado pela Oficial (CPF) sequer existia.

De acordo com o título apresentado a registro, no dia 6 de dezembro de 1957, Pracidina Gomes Vieira e Benedito Geraldo, casados entre si, venderam o imóvel agora matriculado sob nº 270.946 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos a João Duarte. Com algumas diferenças de grafia, a certidão de casamento de fls. 28/29 comprova que Benedito Geraldo e Placedina da Costa, que passou a se chamar Placedina Costa Geraldo, se casaram em 1º de dezembro de 1956, na cidade de São Bernardo do Campo. Havendo comprovação de que Benedito e Placedina eram casados por ocasião da celebração do negócio (casamento em 1956 e compra e venda em 1957), conclui-se que há indícios suficientes de que os proprietários do imóvel efetivamente o alienaram.

Destaque-se, ainda, que a mesma certidão de casamento (fls. 28/29) demonstra que os vendedores faleceram há mais de quarenta anos, circunstância que tornaria difícil a obtenção do número de CPF para eles, em especial se considerarmos que o apelante “adquiriu os direitos de adquirente dos direitos hereditários do imóvel, dos sucessores de João Duarte” (fls. 2). Ou seja, o apresentante do título nunca teve qualquer relação com os vendedores do bem.

No sentido de relevar a apresentação de documentos em hipóteses semelhantes, cito os seguintes precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de imóveis – Escritura pública de doação – Doadores não domiciliados no Brasil – CPF e CNPJ desconhecidos – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pelos apresentantes – Mitigação do princípio da especialidade subjetiva – Dúvida improcedente – Recurso provido” (CSM, Apelação n° 1039088-53.2022.8.26.0100, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, j. em 29/6/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pelo apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido” (CSM, Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, Rel. Des. José Renato Nalini, 20/9/2012).

Relevante que se destaque o seguinte trecho do último v. acórdão:

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registrária é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

Assim, diante das peculiaridades do caso e havendo elementos aptos à identificação dos vendedores, de rigor o afastamento do óbice registrário.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

(…)

II – são requisitos da matrícula:

(…)

4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação; (DJe de 24.07.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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