Pedido de providências – Retificação de registro de imóvel – Aquisição do bem com recursos próprios e quando o adquirente era solteiro – Escrituração do título aquisitivo e registro quando casado – Separação posterior – Bem particular – Anuência do ex-cônjuge – Desnecessária retificação do título aquisitivo – Recurso provido.

Número do processo: 1015822-02.2023.8.26.0068

Ano do processo: 2023

Número do parecer: 18

Ano do parecer: 2024

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1015822-02.2023.8.26.0068

(18/2024-E)

Pedido de providências – Retificação de registro de imóvel – Aquisição do bem com recursos próprios e quando o adquirente era solteiro – Escrituração do título aquisitivo e registro quando casado – Separação posterior – Bem particular – Anuência do ex-cônjuge – Desnecessária retificação do título aquisitivo – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por José Fraga Netto contra a r. sentença da MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri/SP (fls. 47/48), que manteve negativa de averbação de retificação do Registro n. 4 da matrícula n. 104.048 daquela serventia (fls. 20/22), para constar que o imóvel constitui bem particular, de propriedade exclusiva do interessado (prenotação n.572.782 – fl. 12).

A parte recorrente alega, em síntese, que adquiriu, por instrumento particular, o imóvel na condição de solteiro e pagou integralmente por sua aquisição em 20/11/2004 (fls. 16/22); que, por motivos financeiros, em razão das dificuldades do comprador em arcar com os custos de escrituração e registro, escritura pública para transmissão do imóvel somente foi lavrada em 23/03/2011, quando já havia se casado com Arlinda Moraes de Oliveira (casamento em 06/02/2010 – fl. 11); que, na referida escritura, apesar de se mencionar a data do pagamento, não se fez constar expressamente que se trata de bem particular, o que vem refletido na matrícula (fls. 21/22); que, em 28/09/2015, o casal se divorciou, reconhecendo que não havia bens a partilhar; que, tomando conhecimento que o imóvel tabularmente pertencia ao ex-casal, entrou em contato com sua ex-mulher e obteve reconhecimento dela, por instrumento particular com firma reconhecida, de que se tratava de bem exclusivo dela (fls. 23/25); que ingressou com requerimento de retificação perante a serventia, mas houve qualificação negativa (fl. 15), com exigência de rerratificação por escritura pública ou judicialmente; que, atendida a exigência pela lavratura de escritura pública (fls. 13/14), em que sua ex-cônjuge reafirmou expressamente tratar-se de bem particular, houve nova qualificação negativa (fl. 12), com exigência de rerratificação da escritura pública de aquisição ou decisão judicial que determine a averbação; que a retificação é inviável, pois pelo menos um dos vendedores já faleceu e não houve inventário; que os direitos sobre a totalidade do imóvel já haviam sido adquiridos com a quitação do preço no ano de 2004, em momento anterior ao casamento ocorrido em 2011, conforme consta na própria escritura pública (fls. 16/19); que seu ex-cônjuge declarou expressamente, por instrumento particular (fl. 23) e público (fls. 13/14), que não detém qualquer direito sobre o imóvel; que, pelo valor de negociação e pelo valor venal do imóvel (R$ 9.721,47 – fl. 17), sequer seria necessária a escritura pública para transmissão, nos termos do artigo 108 do Código Civil, de modo que a exigência reflete formalismo descabido (fls.53/57).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.66/68).

É o relatório.

Opina-se.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar requerimentos e títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994 ), o que não se traduz como falha funcional.

No mérito, é caso de provimento do recurso. Vejamos os motivos.

Consta da escritura pública de venda e compra (fls. 16/19), lavrada em 23/03/201 1 pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas da Comarca de Barueri/SP, que o recorrente firmou compromisso de compra e venda relativo ao imóvel e quitou integralmente o preço ajustado em 20/11/2004.

A aquisição e a quitação do preço ocorreram enquanto ele ainda era solteiro, já que veio a se casar apenas em 06/02/2010, pelo regime da comunhão parcial de bens, com Arlinda Moraes de Oliveira, que adotou o nome de Arlinda Fraga Moraes de Oliveira (fl. 11).

A escritura definitiva de compra e venda, como já dito, somente foi lavrada em 23 de março de 2011, oportunidade em que o adquirente foi qualificado como casado (R.4/M. 104.048, fls. 21/22).

Posteriormente, sobreveio a separação do recorrente e de Arlinda, que mantiveram-se casados pelo período de 06/02/201O até 28/09/2015 (fls. 11/13).

Quando o recorrente tomou conhecimento de que, tabularmente, o imóvel constava como de propriedade do casal (fls. 21/22), obteve reconhecimento do ex-cônjuge de que se tratava de bem particular (fl. 23), com esclarecimento de toda a situação.

Essa manifestação foi reiterada por Arlinda em escritura pública declaratória lavrada pelo 1° Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Santana de Parnaíba/SP (fls. 13/14).

A recusa de ingresso se deu sob o fundamento de necessidade de rerratificação do título aquisitivo (notas devolutivas às fls. 12 e 15).

O Registro n.4 da matrícula n.104.048 deve, porém, ser retificado para que se anote a incomunicabilidade do bem.

Não se desconhece que, embora a contratação e a quitação do preço tenham antecedido o casamento, efetiva transmissão do direito real de propriedade somente se deu com o registro (artigo 1.245 do Código Civil), quando a parte já estava casada.

Assim, como o casamento se deu pelo regime da comunhão parcial, o registro faz presumir comunicação por força do artigo 1.658 do Código Civil.

Entretanto, como bem comprovado pelo próprio conteúdo da escritura e à vista da concordância do ex-cônjuge (fls. 13/14 e 23), não resta a menor dúvida de que se trata de bem exclusivo da parte recorrente.

A retificação para complementação do registro, neste contexto, é medida rigor para que ele reflita a realidade.

Não há, em outros termos, necessidade de retificação do título, já que ele não traz informação incorreta, sendo apenas omisso.

É nesse sentido o Parecer n.389/11-E da lavra do Juiz Assessor Dr. Roberto Maia Filho, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Dr. Maurício Vidigal, no julgamento do Processo CGJ n. 95456/2011, com a seguinte ementa (destaque nosso):

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido de retificação do registro no qual constou tratar-se de aquisição de imóvel comum ao casal, dado o regime da comunhão parcial – Inobservância pelo registrador da expressa e taxativa declaração dos cônjuges, constante do título, de que se tratava de bem adquirido com capital exclusivo de um deles – Circunstância que afasta a comunicação e leva à hipótese de bem particular – Registro que não pode se divorciar da manifestação da vontade do casal aposta no título – Não caracterizada ofensa às regras legais para referido regime de bens do casamento – Dado provimento ao recurso”.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente apresento ao elevado critério de Vossa Excelência é pelo provimento do recurso, de modo que se defira a retificação pretendida (Registro n. 4 da matrícula n. 104.048 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri/SP, para que conste que se trata de bem particular da parte interessada, que não se comunica com o patrimônio do ex-cônjuge, Arlinda Fraga Moraes de Oliveira).

Sub censura,

São Paulo, 18 de janeiro de 2024.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer apresentado pela MM. Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, dou provimento ao recurso administrativo, com deferimento da retificação pretendida (Registro n. 4 da matrícula n. 104.048 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri/SP, para que conste que se trata de bem particular da parte interessada, que não se comunica com o patrimônio do ex-cônjuge, Arlinda Fraga Moraes de Oliveira). Publique-se. São Paulo, 22 de janeiro de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: LETÍCIA JACQUES MARQUES PRASS, OAB/PR 38.920.

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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