Número do processo: 1002483-28.2020.8.26.0408
Ano do processo: 2020
Número do parecer: 53
Ano do parecer: 2024
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1002483-28.2020.8.26.0408
(53/2024-E)
Registro de imóveis – Emolumentos – Incorporação imobiliária – Registro de escrituras públicas de permuta de parte ideal do terreno por unidades imobiliárias a serem construídas no local – Efeitos jurídicos da permuta, para fins de incorporação imobiliária, que são idênticos aos da compra e venda irretratável – Incorporação imobiliária concretizada – Recurso não conhecido, pois intempestivo – Reforma da decisão recorrida com base no poder hierárquico da Corregedoria Geral da Justiça, com determinações.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso interposto por R. F. Teixeira de Barros – EIRELI – EPP contra r. decisão que julgou improcedente o pedido de providências formulado em face da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Ourinhos/SP, sob o fundamento de que estava correta a cobrança efetuada a título de emolumentos para revalidação da incorporação imobiliária registrada na matrícula nº 54.742 da referida serventia extrajudicial (fls. 127/129).
Alega a recorrente, em síntese, que registrou a incorporação imobiliária na matrícula, pagando emolumentos no valor de R$ 15.794,93, e que, na mesma oportunidade, registrou as permutas de sete unidades autônomas realizadas com a antiga titular de domínio do imóvel. Aduz que, tendo negociado as futuras unidades, estaria concretizada a incorporação imobiliária, de maneira que não poderia ter sido negado o registro de outras alienações, ainda que ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias previsto no art. 33 da Lei nº 4.591/1964. Sustenta que a data do negócio jurídico celebrado com a antiga proprietária do imóvel é irrelevante, pois o registro da permuta quita o dever trazido pelo art. 34 da referida lei na hipótese de ser realizado juntamente com o registro do empreendimento, vinculando terceiros. Ressalta que o art. 32, § 2°, da Lei nº 4.591/1964 corrobora o entendimento de que a permuta levada a registro, assim como a compra e venda, a promessa de venda ou a cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, portanto, dão ensejo à concretização da incorporação. Entende, portanto, que a revalidação da incorporação configura mera atualização de documentos, sendo indevida a cobrança de emolumentos como ato de valor declarado (fls. 132/138).
A Oficial de Registro manifestou-se a fls. 145/150.
A douta Procuradoria de Justiça apresentou parecer, opinando pelo não conhecimento do recurso, eis que intempestivo, e subsidiariamente, no mérito, por seu não provimento (fls. 169/173).
Em atenção aos despachos a fls. 176 e 193, vieram aos autos as manifestações da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP (fls. 186/191) e da recorrente (fls. 197).
Opino.
De início, importa observar que, como sustentado pela douta Procuradoria de Justiça, o recurso é intempestivo, pois não observado o prazo de cinco dias previsto no art. 30, § 2°, da Lei Estadual nº 11.331/2002.
Com efeito, a decisão proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente (fls. 127/129) foi disponibilizada no DJE em 15.09.2020, considerando-se a data da publicação o primeiro dia útil subsequente, ou seja, 16.09.2020. O prazo recursal, contado em dias úteis (Processo CGJ 141.480/2019; Parecer 645/2019-E; Autor do Parecer: José Marcelo Tossi Silva; Corregedor Geral da Justiça: Des. GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO; Data da Decisão: 12/11/2019; Data do Parecer: 11/11/2019), teve início em 17.09.2020 e término em 24.09.2020, mas o recurso somente foi interposto em 30.09.2020 (fls. 132/138). Sendo assim, o recurso não deve ser conhecido, eis que intempestivo.
Ressalte-se, porém, que a inadmissibilidade do recurso não impede, na espécie, nova apreciação da questão decidida em primeira instância administrativa, à luz do poder de revisão hieráquico-administrativa da Corregedoria Geral da Justiça, relativamente aos atos e decisões dos Juízes Corregedores Permanentes. Em verdade, com fulcro no princípio da autotutela da Administração Pública, impõe o reexame da decisão proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente da serventia extrajudicial.
O procedimento teve início em razão da discordância manifestada pela recorrente quanto à exigência de averbação de revalidação da incorporação imobiliária objeto do R.6 da matrícula nº 54.742 formulada pela Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Ourinhos/SP, com a consequente cobrança do valor de R$ 3.938,30 a título de emolumentos.
Ao prestar esclarecimentos nos autos (fls. 111/117), a registradora defendeu a regularidade da cobrança, afirmando que, nos termos do “artigo 33 da Lei 4.591/1964 (lei das incorporações) o registro da incorporação tem validade pelo prazo de 180 dias, devendo ser renovado decorrido este prazo, caso não concretizada”. Aduziu que, “se dentro do prazo de 180 dias, alguma unidade do empreendimento foi negociada, a incorporação considera-se concretizada e não precisar ser revalidada. Caso isso não ocorra, é necessária a revalidação da incorporação, com análise de documentação atualizada.” Então, afirmou: “Como o registro da incorporação ocorreu aos 1º de fevereiro, para sua concretização, a requerente deveria ter comprovado negociação de unidade do empreendimento até 31 de julho de 2019.
Mas ela não fez tal prova.”
E mais. Sobre a permuta do terreno por futuras unidades, sustentou que: “(…) este negócio jurídico não prova a concretização do registro da incorporação e por um motivo muito simples e bastante óbvio: ele precede o ato de registro da incorporação. O que a lei exige para concretização é que, no prazo fixado, ocorra negociação de unidade do empreendimento após o registro da incorporação”, insistindo, assim, na necessidade da “revalidação do registro da incorporação, sem o qual a requerente não poderia negociar as futuras unidades do empreendimento”. Por fim, negou ter agido com dolo, má-fé ou erro grosseiro, confirmando que, por se tratar de hipótese de revalidação de incorporação, o ato deve ser cobrado “como averbação com valor declarado”.
No mesmo sentido, a manifestação da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP (fls. 186/191), que corroborou a regularidade da cobrança realizada no caso concreto, à luz do disposto no item 2.1 da Tabela lI anexa à Lei nº 11.331/2002.
Ocorre que, da análise dos documentos a fls. 42/47, 48/49, 56/57, 64/65, 72/73, 80/81, 88/89, 96/97, depreende-se que houve, de fato, o registro de escrituras públicas de permuta de parte ideal do terreno por unidades imobiliárias a serem construídas no local. Segundo ensina Melhim Namem Chalhub:
”A permuta, ou promessa de permuta, de parte ideal de um terreno por unidades imobiliárias a serem construídas no local é contrato de utilização corrente no mercado das incorporações imobiliárias.
Por esse contrato, o proprietário de determinado terreno contrata a transmissão, ao incorporador, de uma parte do terreno, reservando se a propriedade de outra parte; por esse contrato, o incorporador obriga-se a construir para o proprietário-permutante determinadas unidades imobiliárias, que haverão de vincular-se ao quinhão que aquele proprietário reservava para si; é obrigação do incorporador entregar essas unidades ao proprietário-permutante, promovendo por sua conta o registro em nome deste, no Registro de Imóveis” (“Incorporação Imobiliária”; Ed. Forense; 4ª edição; p. 232).
E a despeito do entendimento da Oficial, o fato é que referidos registros não precedem o registro da incorporação, mas sim, são vinculados entre si, em razão da conexão entre os negócios jurídicos.
Segundo dispõe o art. 32, § 2°, da Lei nº 4.591/1964, os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são considerados irretratáveis, o que confere segurança tanto ao empreendedor, quanto ao adquirente da futura unidade. Ademais, o Código Civil de 2002 prevê que “a compra e venda pode ter objeto coisa atual ou futura” (art. 483), consignando que “aplica-se à troca as disposições referentes à compra e venda” (art. 533).
Nesse cenário, é possível afirmar que houve a concretização da incorporação, na medida em que “Concretizar ou caracterizar a incorporação significa tomar a iniciativa do empreendimento, que é assumida pelo incorporador, mediante a alienação de ao menos uma das unidades autônomas ou pela contratação da construção (…).” (CSMSP – Apelação Cível: 525-6/8; Rel. Des. GILBERTO PASSOS DE FREITAS; j. 25.05.2006).
De fato, considerando que os efeitos jurídicos da permuta, para fins de incorporação imobiliária, são idênticos aos da compra e venda irrevogável, o que comprova sua concretização, a exigência de sua revalidação merece ser afastada.
Na realidade, o art. 33 da L. 4.591/64 fala em negociação de unidades autônomas, dentro do prazo de 180 dias. Evidente que não exige determinado tipo contratual – compra e venda – mas sim negócios de alienação, também chamados de translativos. Disso decorre que contratos de permuta, ou de dação em pagamento.ou outros que visem alienação são aptos e suficientes para afastar o prazo decadencial de caducidade da incorporação.
Por conseguinte, há que ser determinada a devolução dos valores pagos pela recorrente, de forma simples, corrigidos monetariamente desde o desembolso.
Anote-se, a propósito, que a exigência formulada pela registradora e a cobrança realizada para a revalidação da incorporação imobiliária estavam fundadas em sua compreensão jurídica, a qual, ainda que não tenha prevalecido, exclui a má-fé. Nessa perspectiva, considerando que a cobrança indevida não decorreu de erro grosseiro (culpa grave), bem como porque inexistem, nos autos, elementos indicativos de que tenha a delegatária agido com dolo para receber valores sabidamente indevidos, não há que se falar em devolução do décuplo do montante pago, como previsto no art. 32, § 3°, da Lei Estadual nº 11.331/2002.
Por fim, cumpre observar que as fichas auxiliares de controle de disponibilidade copiadas a fls. 48/49, 56/57, 64/65, 72/73, 80/81, 88/89, 96/97 foram abertas e nelas foram registradas as permutas das respectivas unidades sem integral observância do disposto nos itens 223.1 a 223.4, Capítulo XX, Tomo li, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Sugere-se, portanto, a devida regularização.
Diante do exposto, o parecer que submeto à consideração de Vossa Excelência é no sentido de que o recurso administrativo não seja conhecido, pois intempestivo, e que, com base no poder hierárquico da Corregedoria Geral da Justiça, seja determinada a devolução dos valores pagos pela recorrente, de forma simples, corrigidos monetariamente desde o desembolso. Ainda, opino pela determinação da regularização das fichas auxiliares de controle de disponibilidade e respectivos registros nelas efetuados, observando-se o disposto nos itens 223.1 a 223.4, do Capítulo XX, Tomo lI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com expedição de ofício à MM.ª Juíza Corregedora Permanente para que sejam tomadas as devidas providências para cumprimento da diligência pela Oficial de Registro e abertura de expediente junto à DICOGE, para acompanhamento.
Sub censura.
São Paulo, data registrada no sistema.
Stefânia Costa Amorim Requena
Juíza Assessora da Corregedoria
DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer apresentado pela MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, não conheço do recurso interposto, pois intempestivo. Ainda, com base no poder hierárquico da Corregedoria Geral da Justiça, determino a devolução dos valores pagos pela recorrente, de forma simples, corrigidos monetariamente desde o desembolso. Por fim, determino a regularização das fichas auxiliares de controle de disponibilidade e respectivos registros nelas efetuados, observando-se o disposto nos itens 223.1 a 223.4, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Oficie-se à MM.ª Juíza Corregedora Permanente para que sejam tomadas as devidas providências para cumprimento da diligência pela Oficial de Registro, com abertura de expediente junto à DICOGE, para acompanhamento. Int. São Paulo, 05 de fevereiro de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: EDE BRITO, OAB/SP 182.981.
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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