Processo 1098653-74.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Ataliba Faleiros – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: HELOISA BENETE FURLAN (OAB 307929/ SP), HELOISA BENETE FURLAN (OAB 307929/SP), HELOISA BENETE FURLAN (OAB 307929/SP), HELOISA BENETE FURLAN (OAB 307929/SP), HELOISA BENETE FURLAN (OAB 307929/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1098653-74.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Ataliba Faleiros e outros
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Ataliba Faleiros, Marilice Coletta Faleiros, Jean Claudio Faleiros, Ricardo Eversong Faleiro e Kelly Christine Faleiro, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de doação com reserva de usufruto e cláusulas restritivas, envolvendo o imóvel da matrícula n. 30.631 daquela serventia.
O Oficial informa que o imóvel objeto da doação pertence ao casal doador, Ataliba Faleiros e Marilice Coletta Faleiros, e em relação ao usufruto, como só se pode reservar para si aquilo que tem, a reserva de usufruto somente em favor de Marilice Coletta Faleiros, na realidade, cinge-se a 50%, e os outros 50% corresponde à instituição feita por Ataliba Faleiros em favor de Marilice Coletta Faleiros, e sobre essa instituição há incidência do ITCMD, que se encontra também dentro da faixa de isenção, de modo que a parte interessada deve anexar Declaração de Isenção do ITCMD sobre essa instituição de usufruto; que a patrona dos suscitados reapresentou os títulos invocando entendimento jurisprudencial que reconhece a possibilidade de qualquer dos doadores renunciarem seu direito ao usufruto, seja em detrimento de outro doador ou de nenhum; que os argumentos da patrona dos suscitados não tem aplicação, pois não se está discutindo qualquer renúncia, mas o fato de a reserva de um dos doadores em favor da outra doadora configurar constituição de usufruto e, portanto, está sujeito ao recolhimento de ITCMD e não foi acostado o comprovante de recolhimento ou a Declaração de Isenção (artigo 2º, II, c/c o artigo 9º, § 2º, 3, da Lei Estadual n. 10.705/2000, regulamentado pelo Decreto Estadual n. 46.655/2002); que há precedente deste juízo em caso similar a respeito do tema; que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994); que a necessidade de três registros: primeiro de instituição de usufruto sobre 50% do Ataliba para Marilice, o segundo de doação e o terceiro da reserva de usufruto feita por Marilice sobre os outros 50%, justifica-se porque a constituição de usufruto (interpretação da vontade do doador) só é possível antes da transmissão da propriedade, visto que depois de sua transmissão não deterá mais a disponibilidade e, portanto, não será possível o registro dessa constituição de usufruto (fls. 01/04).
Documentos vieram às fls. 05/45.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte suscitada aduz que, por meio da escritura pública, Ataliba Faleiros e Marilice Coletta Faleiros pactuaram a doação do imóvel da matrícula n. 30.631, do 8º RI, aos três filhos Jean Claudio Faleiros, Ricardo Eversong Faleiro e Kelly Christine Faleiro, com reserva de usufruto vitalício em favor da doadora Marilice Coletta Faleiros; que o doador Ataliba Faleiros renunciou seu direito ao usufruto; que teve ciência que outra escritura pública de doação com reserva de usufruto, em caso similar, foi registrada por Oficial Registrador da Comarca de São Caetano do Sul; que a desqualificação do título deve ser afastada, tendo em vista entendimento jurisprudencial que reconhece a possibilidade de qualquer dos doadores renunciarem tacitamente seu direito ao usufruto; que não há necessidade de instituir o usufruto de um doador ao outro que vai exercer o direito ao usufruto com exclusividade; que, no caso, não há incidência de ITCMD; que a escritura de doação com reserva de usufruto foi pactuada conjuntamente pelos titulares do domínio que manifestaram a inequívoca vontade de reserva do usufruto somente em favor da doadora Marilice Coletta Faleiros, de modo que o óbice deve ser afastado (fls. 33/45 e 50/55). Juntou documentos (fls. 56/82).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 86/87).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, a dúvida é procedente.
O título apresentado consiste em escritura pública de doação com reserva de usufruto e cláusulas restritivas, e seu aditamento, por meio do qual os proprietários tabulares, Ataliba Faleiros e Marilice Coletta Faleiros, doaram o imóvel da matrícula n. 30.631, do 8º Registro de Imóveis da Capital, para seus filhos, Jean Claudio Faleiros, Ricardo Eversong Faleiro e Kelly Christine Faleiro, reservando usufruto vitalício a ser exercício exclusivamente pela doadora Marilice Coletta Faleiros (fls. 05/14).
Para efeitos fiscais e de registro foi atribuído ao imóvel o valor de R$150.000,00, sendo uma terça parte, ou R$50.000,0, correspondente ao usufruto e duas terças partes, ou R$100.000,00, correspondentes à nua propriedade (fls. 07).
Não resta dúvida de que ambos os doadores transmitiram a nua propriedade do bem para os três filhos, reservando o usufruto integral e, embora não haja expressa instituição de usufruto da parte de Ataliba em favor de Marilice, é perfeitamente possível extrair que ele cedeu gratuitamente o exercício do usufruto que reservou para Marilice, que exercerá tal direito com exclusividade.
Note-se Marilice não reservou, por si, a totalidade do usufruto, mas contou com a participação de Ataliba no ato.
Nos termos do artigo 1393 do Código Civil, “não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.
Nesse contexto, a única interpretação possível para o exercício exclusivo do usufruto por Marilice decorre da cessão feita por Alcides, sem estipulação de contraprestação.
Uma vez constatada transmissão de direito real por doação, verifica-se hipótese de incidência do ITCMD (artigo 1º, II, do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto 46.655/02).
No que tange ao usufruto, o próprio Decreto Estadual n. 46.655/02 indica que o imposto também deve ser recolhido sobre o valor correspondente a 1/3 (art. 9º, § 2º, item 3, da Lei n. 10.705/2000, também com nossos destaques):
“Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, art. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18)
(…)
c) nos momentos indicados no §3.º, se houver reserva do usufruto, do uso ou da habitação sobre o bem, em favor do doador;
(…)
§ 3.º – Na hipótese prevista na alínea “c” do inciso II, o imposto será recolhido:
1 – antes da lavratura da escritura, sobre o valor da nua- propriedade;
2 – por ocasião da consolidação da propriedade plena, na pessoa do nu proprietário, sobre o valor do usofruto, uso ou habitação;
3 – Facultativamente, antes da lavratura da escritura, sobre o valor da propriedade”.
Vale dizer, a doação implícita do exercício do usufruto envolve fato gerador distinto da doação da nua-propriedade.
Para os registradores, vigora a ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, o que vem corroborado pelo item
117.1, Cap. XX, das NSCGJ:
“117.1. – Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”
A omissão do Oficial pode ensejar sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos exatos termos do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:
“Art. 134 – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio.”
A Lei Estadual n. 10.705/2000 (artigos 8º, I, e 25), bem como o Decreto Estadual n. 46.655/2002 que a regulamenta (artigo 48), também estabelecem atribuições ao Oficial Registrador neste mesmo sentido:
“Artigo 8º – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – o tabelião, escrivão e demais serventuários de ofício, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;
(…)
Artigo 25 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto.
(…)
Artigo 48 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento de isenção ou não incidência, quando for o caso (Lei 10.705/00, art. 25)”.
A isenção, por sua vez, está condicionada à comprovação pela parte interessada das providências necessárias para seu reconhecimento pela Secretaria da Fazenda (art. 6º, II, “a” e § 3º, Decreto Estadual n.46.655/02):
“Artigo 6º – Fica isenta do imposto:
(…)
II – a transmissão por doação:
a) cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs;
(…)
§ 3º – Na hipótese prevista na alínea “a” do inciso II, os tabeliães e serventuários responsáveis pela lavratura de atos que importem em doação de bens ficam obrigados a exigir do donatário declaração relativa a doações isentas recebidas do mesmo doador, conforme disposições estabelecidas pela Secretaria da Fazenda”.
Não cabe, assim, ao Oficial determinar se é caso de isenção: compete ao ente tributante a análise.
Além disso, a obrigação acessória da declaração relativa à doação isenta não pode ser dispensada e deve ser exigida nos termos do artigo 6º, §3º, do Regulamento do ITCMD.
Neste sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – RECUSA EM REGISTRAR ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS EM FACE DA INEXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO DE JUSTA CAUSA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.848, “CAPUT” E 2.042 DO CÓDIGO CIVIL – APLICAÇÃO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS CONTEMPORÂNEAS AO REGISTRO – ITCMD – DEVER DO OFICIAL DE REGISTRO DE VELAR PELO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE COMPENSAÇÃO, ISENÇÃO OU DISPENSA DO TRIBUTO NA ESTREITA VIA ADMINISTRATIVA – RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1026118-04.2021.8.26.0602; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Sorocaba – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/10/2022; Data de Registro: 04/11/2022)
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO ITCMD OU SUA ISENÇÃO – DEVER DO OFICIAL DE VELAR PELO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA VIA ADMINISTRATIVA – ÓBICE MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1000333-57.2021.8.26.0079; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Botucatu – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/07/2022; Data de Registro: 21/07/2022)
Sendo assim, fica mantida a exigência formulada pelo Oficial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 30 de julho de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 07.08.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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