CSM/SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de carta de arrematação – Ofensa ao princípio da continuidade registral – Ausência de coincidência entre as pessoas dos alienantes e da titular de domínio – Dúvida mantida – Pedido subsidiário de averbação da arrematação igualmente rejeitado – Arrematação que deflagra ato de registro, negado na espécie – Apelação improvida.


  
 

Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000800-19.2023.8.26.0547
Comarca: SANTA RITA DO PASSA QUATRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547

Registro: 2024.0000738704

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547, da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, em que são apelantes TIAGO OLIVEIRA PIRES, FERNANDO ANTONIO ALVARENGA GUIDUGLI e NELMIR PERALTA PIRES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA RITA DO PASSA QUATRO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000800-19.2023.8.26.0547

APELANTES: Tiago Oliveira Pires, Fernando Antonio Alvarenga Guidugli e Nelmir Peralta Pires

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro

VOTO Nº 43.481

Registro de imóveis  Procedimento de dúvida  Registro de carta de arrematação  Ofensa ao princípio da continuidade registral  Ausência de coincidência entre as pessoas dos alienantes e da titular de domínio  Dúvida mantida  Pedido subsidiário de averbação da arrematação igualmente rejeitado  Arrematação que deflagra ato de registro, negado na espécie  Apelação improvida.

Trata-se de apelação interposta por Tiago Oliveira Pires e outros, contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro – SP, que julgou procedente a dúvida e manteve a exigência do Oficial para o registro de carta de arrematação de imóvel inscrito naquela serventia (fls. 24/27).

Os apelantes afirmam, em síntese, que a arrematação judicial é forma originária de aquisição da propriedade, razão pela qual fazem jus ao seu registro no fólio real. Não fosse por isso, o caso concreto revela peculiaridade para a mitigação do princípio da continuidade registral, da segurança jurídica e da legalidade estrita em prol do atendimento do pedido dos recorrentes, à luz do disposto no artigo 5º da LINDB e do artigo 723 do CPC. Em caráter subsidiário, postula a averbação da arrematação na matrícula do imóvel, em homenagem ao princípio da publicidade.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recuso (fls. 102/105).

É o relatório.

Decido.

O registro da Carta de Arrematação extraída dos autos de nº 1000562-78.2015.8.26.0547, que tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, na ação de extinção de condomínio, foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução nº 4.759 (fls. 88/90), contendo as seguintes exigências:

“1) O imóvel NÃO ESTÁ registrado em nome das partes ligitantes (sic) no referido processo, o que é absolutamente necessário em razão do princípio da continuidade, verdadeira mola propulsora do Registro de Imóveis;

2) Portanto, nos termos do artigo 195, da Lei de Registros Públicos, deverá ser apresentado o(s) título(s) anterior(es), até que Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira apareçam como adquirentes, para que somente então a arrematação possa ser registrada. Transcrevo abaixo teor do citado artigo, com grifos nossos:

Art. 195, LRP: Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

3) (…) .”

A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido, mantendo as exigências do Oficial do CRI.

Nenhum reparo merece o r. decisum.

O título cujo registro se pretende consiste em carta de arrematação extraída dos autos da ação de alienação judicial (extinção de condomínio) em que figuraram como requerente e requerida, respectivamente, Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira.

Assim, para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, os alienantes deveriam ostentar a condição de proprietários ou titulares de direitos inscritos.

No entanto, da análise da matrícula nº 4.040 (fls. 91/93) vê-se que os alienantes não figuram como titulares de domínio do imóvel em discussão.

Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

Ademais, a alienação forçada em processo judicial, diversamente do consignado pelos recorrentes, encerra transmissão derivada do direito de propriedade. Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação/adjudicação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos:

Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”. (in PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

Há que se lembrar, ainda, que as ações que não decorram de títulos translativos anteriores, como acessão, usucapião, desapropriação e discriminação de terras devolutas, são consideradas aquisições originárias, o que não ocorre no caso em análise.

Assim, sendo derivada a aquisição, a fim de preservar a continuidade, imprescindível a prova do encadeamento dos títulos.

Resta nítido que o registro é inviável, uma vez que os alienantes não figuram como proprietários do imóvel na correspondente certidão de matrícula.

Aplica-se à hipótese o artigo 195 da Lei nº 6.015/73:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de arrematação  Modo derivado de aquisição da propriedade  Observância do princípio da continuidade  Indispensável recolhimento do ITBI  Entendimento do Conselho Superior da Magistratura  Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Dúvida  Carta de arrematação  Qualificação obrigatória dos títulos judiciais  Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade  Ofensa ao princípio da continuidade  Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro  Dúvida procedente  Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324-58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

Portanto, quando o Oficial menciona na suscitação da dúvida quanto à necessidade da apresentação do título anterior do imóvel arrematado em favor dos alienantes Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira, legítimos herdeiros de Maria Aparecida Batista Pereira, proprietária tabular do imóvel, tal argumentação deve ser compreendida como desqualificação do título em razão da desobediência à continuidade porque as pessoas dos alienantes e da titular de domínio indicada na matrícula não coincidem.

De outra parte, a pretensão de mitigação dos princípios da continuidade registral, da segurança jurídica e da legalidade estrita para deferir o registro da carta de arrematação aos requerentes igualmente deve ser rejeitada.

O artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e o parágrafo único do artigo 723 do Código de Processo Civil não autorizam o deferimento do pleito.

Não se vislumbra ofensa às exigências do bem comum nem aos fins sociais a que a lei se dirige ao ser exigido, na hipótese vertente, que os alienantes do imóvel sejam os seus proprietários no fólio real. Ao contrário, o bem comum exige respeito à cadeia de titularidade dos proprietários do imóvel.

Da mesma forma, não se mostra oportuno e conveniente, apenas para atender ao interesse dos apelantes, o deferimento do registro da carta de arrematação em ofensa ao princípio da continuidade registral, não havendo, então, espaço para a aplicação do disposto no artigo 723, parágrafo único, do Código de Processo Civil, notadamente na via administrativa em que a questão está colocada.

Por fim, a pretensão de averbação da arrematação na matrícula do imóvel também deve ser rechaçada porque a inscrição da arrematação deflagra o ato de registro, não o de averbação.

Desta forma, de rigor a manutenção da r. sentença proferida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.08.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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