CSM/SP: Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Averbação premonitória promovida antes do Registro da Venda do Imóvel – Princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral – Oponibilidade erga omnes e direito de sequela – Adquirente do bem que tinha – ou deveria ter – Plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel – Efeitos da coisa julgada que atingem a adquirente do imóvel – Negócio ineficaz face ao credor – Hipótese de ineficácia relativa e não de invalidade – Inexistência de ofensa à continuidade registral – Óbice afastado – Apelação provida

Apelação Cível nº 0006156-39.2023.8.26.0344

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0006156-39.2023.8.26.0344
Comarca: MARÍLIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0006156-39.2023.8.26.0344

Registro: 2024.0000738708

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0006156-39.2023.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são apelantes CLARICE GUIZARDI DE SOUZA BASTOS, ANDRÉ GUIZARDI DE SOUZA BASTOS e RODRIGO GUIZARDI DE SOUZA BASTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARÍLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA, HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 2 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 0006156-39.2023.8.26.0344

Apelantes: Clarice Guizardi de Souza Bastos, André Guizardi de Souza Bastos e Rodrigo Guizardi de Souza Bastos

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília

VOTO Nº 43.490

Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Averbação premonitória promovida antes do Registro da Venda do Imóvel – Princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral – Oponibilidade erga omnes e direito de sequela – Adquirente do bem que tinha – ou deveria ter – Plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel – Efeitos da coisa julgada que atingem a adquirente do imóvel – Negócio ineficaz face ao credor – Hipótese de ineficácia relativa e não de invalidade – Inexistência de ofensa à continuidade registral – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Clarice Guizardi de Souza BastosRodrigo Guizardi de Souza Bastos André Guizardi de Souza Bastos contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP, que manteve a recusa de registro da carta de adjudicação extraída dos autos do Processo nº 1011798-15.2019.8.26.0344, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.308 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 184/190).

Em síntese, sustentam os apelantes ser possível o registro pretendido, ante o trânsito em julgado da sentença que deferiu a adjudicação compulsória do imóvel matriculado sob nº 8.308 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP.

Argumentam que a venda do imóvel para Manoela Furlan Menezes dos Santos é ineficaz, pois apesar de ter ocorrido em 04 de julho de 2017 somente foi registrada em 21 de junho de 2022, depois da averbação da propositura da ação de adjudicação compulsória contra Eduardo dos Santos Prado Eunice Baldini Prado, datada de 18 de dezembro de 2019. Alegam que Manoela Furlan Menezes dos Santos e os réus da referida ação, Eduardo dos Santos Prado Eunice Baldini Prado, agiram em conluio, tendo em vista que o imóvel, gravado com ônus real, foi alienado por valor inferior ao de mercado, sem a exibição das certidões obrigatórias, além do fato de que a escritura de venda e compra apenas foi prenotada quando prolatada a sentença que deferiu o pedido de adjudicação (fls. 195/212). Manoela Furlan Menezes dos Santos manifestou-se a fls. 228/235.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 382/386).

É o relatório.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Este Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).

In casu, foi apresentada para registro a carta de sentença extraída dos autos da ação de adjudicação compulsória ajuizada por Clarice Guizardi de Souza Bastos e Espólio de Antônio de Souza Bastos contra Eduardo dos Santos Prado e Eunice Baldini Prado (Processo nº 1011798-15.2019.8.26.0344 da 2ª Vara Cível da Comarca de Marília/SP), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.308 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP (fls. 77).

O título foi qualificado negativamente pelo Oficial ao argumento de que haveria ofensa ao princípio da continuidade registral, pois o imóvel já não mais se encontra registrado em nome daqueles que figuraram como réus na ação de adjudicação compulsória.

Como é sabido, o art. 54 da Lei nº 13.097/15 consagrou o princípio da concentração dos atos na matrícula, realçando a importância da averbação premonitória ao estabelecer que não podem ser opostas ao terceiro de boa-fé situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis.

Por outro lado, o inciso I do art. 792 do Código de Processo Civil reforçou a afirmação de que é possível a averbação na serventia imobiliária de qualquer ação que verse sobre direito real já existente ou com pretensão reipersecutória, mesmo que não se trate especificamente de um processo de execução.

Na hipótese em tela, a certidão da matrícula nº 8.308 (fls. 32/36) confirma que, antes do registro da compra e venda do imóvel a Manoela Furlan Menezes dos Santos por Eduardo dos Santos Prado e Eunice Badini Prado (R.12, de 27 de junho de 2022), havia sido averbada a existência de ação de adjudicação ajuizada contra os anteriores titulares de domínio (AV. 11, de 18 de dezembro de 2019).

Logo, à luz do princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral, a adquirente do bem tinha – ou deveria ter – plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel em questão. Com efeito, a averbação premonitória outorga publicidade à tramitação da demanda judicial e, assim, enseja presunção absoluta de cognoscibilidade perante terceiros e segurança ao tráfego jurídico imobiliário.

Ressalte, por oportuno, o caráter absoluto dos direitos reais, resultante de sua oponibilidade erga omnes e da prerrogativa de sequela, que confere ao titular do direito a possibilidade de reclamá-lo em qualquer lugar e contra qualquer pessoa que ilegitimamente o detenha.

Nesse cenário, o resultado da ação de adjudicação compulsória e seus efeitos atingem a adquirente do imóvel litigioso, sem que isso possa configurar violação ao princípio da continuidade registral.

A razão de tal entendimento é simples. A adjudicação nada mais é do que sentença que supre a vontade do promitente vendedor de outorgar a escritura definitiva, em nítida obrigação de fazer.

Disso decorre que a ulterior alienação do imóvel a terceiros, após averbação premonitória da existência da ação, é ineficaz frente ao credor da obrigação de fazer e autor da ação de adjudicação compulsória. Cuida-se de ineficácia relativa, frente apenas ao credor.

Não se está no plano da validade do negócio, mas da mera ineficácia relativa. Essa a razão pela qual o registro ulterior da sentença de adjudicação não viola o princípio da continuidade do registro imobiliário.

E não é só. Nos termos do art. 109, § 3º, do Código de Processo Civil, os efeitos da sentença estendem-se ao adquirente da coisa ou do direito litigioso, mesmo que não integre o processo.

Por todas essas razões, o óbice apresentado pelo registrador merece ser afastado, com a consequente improcedência da dúvida e ingresso do título no fólio real.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.08.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de carta de arrematação – Ofensa ao princípio da continuidade registral – Ausência de coincidência entre as pessoas dos alienantes e da titular de domínio – Dúvida mantida – Pedido subsidiário de averbação da arrematação igualmente rejeitado – Arrematação que deflagra ato de registro, negado na espécie – Apelação improvida.

Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000800-19.2023.8.26.0547
Comarca: SANTA RITA DO PASSA QUATRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547

Registro: 2024.0000738704

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000800-19.2023.8.26.0547, da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, em que são apelantes TIAGO OLIVEIRA PIRES, FERNANDO ANTONIO ALVARENGA GUIDUGLI e NELMIR PERALTA PIRES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA RITA DO PASSA QUATRO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000800-19.2023.8.26.0547

APELANTES: Tiago Oliveira Pires, Fernando Antonio Alvarenga Guidugli e Nelmir Peralta Pires

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro

VOTO Nº 43.481

Registro de imóveis  Procedimento de dúvida  Registro de carta de arrematação  Ofensa ao princípio da continuidade registral  Ausência de coincidência entre as pessoas dos alienantes e da titular de domínio  Dúvida mantida  Pedido subsidiário de averbação da arrematação igualmente rejeitado  Arrematação que deflagra ato de registro, negado na espécie  Apelação improvida.

Trata-se de apelação interposta por Tiago Oliveira Pires e outros, contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro – SP, que julgou procedente a dúvida e manteve a exigência do Oficial para o registro de carta de arrematação de imóvel inscrito naquela serventia (fls. 24/27).

Os apelantes afirmam, em síntese, que a arrematação judicial é forma originária de aquisição da propriedade, razão pela qual fazem jus ao seu registro no fólio real. Não fosse por isso, o caso concreto revela peculiaridade para a mitigação do princípio da continuidade registral, da segurança jurídica e da legalidade estrita em prol do atendimento do pedido dos recorrentes, à luz do disposto no artigo 5º da LINDB e do artigo 723 do CPC. Em caráter subsidiário, postula a averbação da arrematação na matrícula do imóvel, em homenagem ao princípio da publicidade.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recuso (fls. 102/105).

É o relatório.

Decido.

O registro da Carta de Arrematação extraída dos autos de nº 1000562-78.2015.8.26.0547, que tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, na ação de extinção de condomínio, foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução nº 4.759 (fls. 88/90), contendo as seguintes exigências:

“1) O imóvel NÃO ESTÁ registrado em nome das partes ligitantes (sic) no referido processo, o que é absolutamente necessário em razão do princípio da continuidade, verdadeira mola propulsora do Registro de Imóveis;

2) Portanto, nos termos do artigo 195, da Lei de Registros Públicos, deverá ser apresentado o(s) título(s) anterior(es), até que Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira apareçam como adquirentes, para que somente então a arrematação possa ser registrada. Transcrevo abaixo teor do citado artigo, com grifos nossos:

Art. 195, LRP: Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

3) (…) .”

A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido, mantendo as exigências do Oficial do CRI.

Nenhum reparo merece o r. decisum.

O título cujo registro se pretende consiste em carta de arrematação extraída dos autos da ação de alienação judicial (extinção de condomínio) em que figuraram como requerente e requerida, respectivamente, Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira.

Assim, para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, os alienantes deveriam ostentar a condição de proprietários ou titulares de direitos inscritos.

No entanto, da análise da matrícula nº 4.040 (fls. 91/93) vê-se que os alienantes não figuram como titulares de domínio do imóvel em discussão.

Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

Ademais, a alienação forçada em processo judicial, diversamente do consignado pelos recorrentes, encerra transmissão derivada do direito de propriedade. Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação/adjudicação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos:

Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”. (in PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

Há que se lembrar, ainda, que as ações que não decorram de títulos translativos anteriores, como acessão, usucapião, desapropriação e discriminação de terras devolutas, são consideradas aquisições originárias, o que não ocorre no caso em análise.

Assim, sendo derivada a aquisição, a fim de preservar a continuidade, imprescindível a prova do encadeamento dos títulos.

Resta nítido que o registro é inviável, uma vez que os alienantes não figuram como proprietários do imóvel na correspondente certidão de matrícula.

Aplica-se à hipótese o artigo 195 da Lei nº 6.015/73:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de arrematação  Modo derivado de aquisição da propriedade  Observância do princípio da continuidade  Indispensável recolhimento do ITBI  Entendimento do Conselho Superior da Magistratura  Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Dúvida  Carta de arrematação  Qualificação obrigatória dos títulos judiciais  Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade  Ofensa ao princípio da continuidade  Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro  Dúvida procedente  Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324-58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020).

Portanto, quando o Oficial menciona na suscitação da dúvida quanto à necessidade da apresentação do título anterior do imóvel arrematado em favor dos alienantes Marco Aurélio Pereira e Lia Raquel Pereira, legítimos herdeiros de Maria Aparecida Batista Pereira, proprietária tabular do imóvel, tal argumentação deve ser compreendida como desqualificação do título em razão da desobediência à continuidade porque as pessoas dos alienantes e da titular de domínio indicada na matrícula não coincidem.

De outra parte, a pretensão de mitigação dos princípios da continuidade registral, da segurança jurídica e da legalidade estrita para deferir o registro da carta de arrematação aos requerentes igualmente deve ser rejeitada.

O artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e o parágrafo único do artigo 723 do Código de Processo Civil não autorizam o deferimento do pleito.

Não se vislumbra ofensa às exigências do bem comum nem aos fins sociais a que a lei se dirige ao ser exigido, na hipótese vertente, que os alienantes do imóvel sejam os seus proprietários no fólio real. Ao contrário, o bem comum exige respeito à cadeia de titularidade dos proprietários do imóvel.

Da mesma forma, não se mostra oportuno e conveniente, apenas para atender ao interesse dos apelantes, o deferimento do registro da carta de arrematação em ofensa ao princípio da continuidade registral, não havendo, então, espaço para a aplicação do disposto no artigo 723, parágrafo único, do Código de Processo Civil, notadamente na via administrativa em que a questão está colocada.

Por fim, a pretensão de averbação da arrematação na matrícula do imóvel também deve ser rechaçada porque a inscrição da arrematação deflagra o ato de registro, não o de averbação.

Desta forma, de rigor a manutenção da r. sentença proferida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.08.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de instrumento particular de promessa venda e compra por condomínio – Hipóteses excepcionais para aquisição de imóvel por condomínio edilício, a quem a jurisprudência contemporânea atribui personalidade jurídica de direito material para realizar negócios jurídicos e adquirir bens de seu peculiar interesse – Óbice intransponível, porém, em razão da ausência de aprovação em assembleia extraordinária com quórum não unânime e objeto de anulação na esfera judicial, com sentença passada em julgado – Ausência de eficácia da assembleia reconhecida em ação judicial inviabiliza o registro do título – Apelo improvido.

Apelação Cível nº 1004784-81.2021.8.26.0126

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004784-81.2021.8.26.0126
Comarca: CARAGUATATUBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004784-81.2021.8.26.0126

Registro: 2024.0000738703

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004784-81.2021.8.26.0126, da Comarca de Caraguatatuba, em que é apelante CONDOMÍNIO COSTA VERDE TABATINGA, são apelados CONDOMÍNIO SETOR RESIDENCIAL DA PRAÇA I e OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CARAGUATATUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004784-81.2021.8.26.0126

Apelante: Condomínio Costa Verde Tabatinga

Apelados: Condomínio Setor Residencial da Praça I e Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Caraguatatuba

VOTO Nº 43.459

Registro de imóveis  Procedimento de dúvida  Registro de instrumento particular de promessa venda e compra por condomínio  Hipóteses excepcionais para aquisição de imóvel por condomínio edilício, a quem a jurisprudência contemporânea atribui personalidade jurídica de direito material para realizar negócios jurídicos e adquirir bens de seu peculiar interesse  Óbice intransponível, porém, em razão da ausência de aprovação em assembleia extraordinária com quórum não unânime e objeto de anulação na esfera judicial, com sentença passada em julgado  Ausência de eficácia da assembleia reconhecida em ação judicial inviabiliza o registro do título  Apelo improvido.

Cuida-se de apelação interposta por CONDOMÍNIO COSTA VERDE TABATINGA em face da r. sentença de fls. 693/724 proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Caraguatatuba, que, em procedimento de dúvida, manteve a recusa ao registro de instrumento particular de Venda e Compra celebrado em 19 de abril de 2020 tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 12.119, figurando como compromitente vendedora a proprietária a R.H.R. Construções, Empreendimentos e Participações Ltda, e na condição de compromissário comprador o Condomínio Costa Verde Tabatinga – CCVT.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que todos os requisitos legais e exigências para registro do título foram cumpridos; que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que o Condomínio pode adquirir imóvel; que foi convocada Assembleia Geral com item específico sobre a aquisição do imóvel (Setor Clube Esportivo), cuja posse seus condôminos exerciam desde o início da década de 1980, com aprovação da aquisição reconhecida em Ata de Assembleia Geral realizada no dia 12.10.2019 arquivada no Oficial de Títulos e Documentos do Cartório de Registro de Imóveis de Caraguatatuba; que as decisões assembleares sobre a aquisição do imóvel são válidas, eficazes e soberanas, valendo ressaltar que o Condomínio em questão tem uma característica própria, que é sua composição por 12 Glebas Autônomas, denominadas Setores, de modo que, segundo a Convenção do CCTV, as Assembleias Gerais são convocadas pelo Conselho de Administração e nelas votam apenas os representantes de cada Setor; que o título submetido ao registro tem por objeto negócio relacionado com a atividade-fim do condomínio, isto é, o Setor do Clube Esportivo, que sempre fez parte da conformação do Condomínio. Por fim, assinala que não há necessidade de aprovação da unanimidade dos condôminos, mas apenas da aprovação da maioria dos presentes, sustentando que os artigos 1351 e 1353 do Código Civil revogaram disposições da Lei nº 4.591/64.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Condomínio Setor Residencial Praça I (fls. 757/763), pugnando pela manutenção da sentença e procedência da dúvida, com negativa de registro do título.

Assinala que o Condomínio é desprovido de personalidade jurídica e que a aquisição de imóvel pelo Condomínio é medida excepcionalíssima e que as condições exigidas pelo artigo 63, §3º da Lei nº 4.591/64 não foram satisfeitas.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso (fls. 774/777).

É o relatório.

A apelação não merece provimento.

Cuida-se de dúvida suscitada após negativa de registro do instrumento particular de venda e compra referente ao imóvel matriculado sob nº 12.119 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Caraguatatuba.

De fato, os elementos colhidos no presente procedimento não permitem o afastamento das exigências levantadas pelo Registrador.

No caso em exame, o óbice levantado pelo Registrador decorre do fato de que o título submetido à qualificação tem por objeto a aquisição do imóvel por Condomínio, mas também a ausência de apresentação de Ata de Assembleia, especificamente convocada para tal finalidade, com a aprovação unânime da aquisição do bem pelo Condomínio, razão suficiente para a negativa de acesso do título ao fólio.

Teria razão , em tese, o Registrador ao sustentar que, na forma da lei civil, Condomínio não detém personalidade jurídica (artigos 40 e seguintes do Código Civil). Em decorrência disso, estaria o Condomínio impossibilitado de adquirir imóveis, pois a realização de negócios jurídicos exigiria agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (artigo 104 do Código Civil). Assim, somente o ente com personalidade jurídica, porque sujeito de direitos e deveres na ordem civil, pode adquirir bem imóvel (artigos 1º e seguintes do Código Civil).

No entanto, é certo que a jurisprudência de mais de duas décadas evoluiu quanto à matéria em debate e passou a admitir, inicialmente, mediante aplicação analógica do artigo 4º do Decreto-lei nº 4657/42 combinado com o artigo 63, §3º, da Lei nº 4.591/64, a aquisição imobiliária por condomínio, mas desde que presentes os seguintes requisitos: a) que a aquisição seja modo de satisfação de crédito decorrente do inadimplemento de despesas condominiais (obrigações propter rem); b) que a unidade autônoma adquirida seja exatamente aquela em relação à qual está vinculado o débito condominial; c) que a aquisição tenha se dado com anuência dos condôminos mediante decisão unânime em assembleia geral, em que não se deve computar o voto do respectivo condômino inadimplente (por congruência lógica) nem confundir a unanimidade dos votos proferidos na assembleia (imprescindível) com anuência expressa de todos os condôminos (prescindível).

Neste sentido:

“Registro de imóveis. Dúvida procedente. Condomínio edilício. Adjudicação consequente à satisfação de débito condominial. Admissibilidade, em tese, por aplicação analógica do artigo 63, § 3º, da Lei nº 4.591/64. Anuência dos condôminos, que se colhe por decisão unânime de assembleia geral, que não se confunde com decisão unânime dos condôminos. Inadmissibilidade, todavia, de aquisição de imóvel diverso da unidade condominial a qual o débito condominial está vinculado. Recurso conhecido e desprovido” (Ap. Civ. 795-6/9, São Vicente, j. 6.12.2007, DJ 26.2.2008, Rel. des. Gilberto Passos de Freitas).

E mais recentemente, a doutrina e jurisprudência também passaram a admitir que o condomínio adquira bens imóveis em algumas hipóteses especiais, a partir da constatação inquestionável de que no âmbito dos condomínios estão presentes os mesmos interesses constantes quando da criação de uma pessoa jurídica: conjugação de esforços para consecução de objetivos comuns e compartilhamento dos custos e da responsabilidade. A manifestação da vontade de associar-se está presente no contrato de compra e venda da unidade, pois ao adquirir unidade autônoma, o adquirente manifesta-se positivamente no sentido de pertencer ao quadro social deste ente (condomínio).

Pode-se afirmar que o estágio atual da jurisprudência admite em caráter excepcional atribuir personalidade jurídica ao condomínio edilício, desde que diga respeito a temas de seu específico interesse. Tome-se como exemplo a celebração de contratos de manutenção e prestação de serviços ao edifício. A aquisição de uma das unidades autônomas, ainda que fora da hipótese de hasta pública por débitos condominiais, pode servir ao interesse do condomínio, desde que aprovada em prévia assembleia extraordinária, e não se mostra contrária ao entendimento contemporâneo dos tribunais.

Com base nessas premissas, seria possível, em hipóteses excepcionais, autorizar a aquisição de bem imóvel pelo Condomínio, conforme os precedentes citados pelo apelante, de casos envolvendo imóveis para ampliação de áreas comuns. A celebração de compromisso de compra e venda de unidade autônoma pode atender ao peculiar interesse do condomínio para solucionar conflito anterior, ou, ainda, servir para instalação de algum espaço ou equipamento comum.

O óbice da ausência de personalidade jurídica de direito material do condomínio, portanto, pode ser perfeitamente superado.

O obstáculo impeditivo do registro é outro.

A aquisição deve estar previamente autorizada pela Assembleia Geral Extraordinária especialmente convocada para este fim.

Discute-se qual o quorum de aprovação. Corrente mais conservadora exige o voto unânime da totalidade dos condôminos.

Corrente mais liberal diz que a aprovação há de ser dada somente pelos condôminos que estiverem presentes na assembleia extraordinária, e não da unanimidade de condôminos existentes no condomínio (Ap. Civ. 795-6/9 e Ap. Civ. 829-6/5).

Aliás, nem todos condôminos se encontram aptos a votar, mas somente os adimplentes, nos termos do art. 1.335, III do Código Civil.

O quorum, portanto, deve levar em conta somente quem pode votar, ainda em hipóteses de unanimidade.

Sucede que no caso concreto o óbice está mantido pela inobservância do quorum da Assembleia e, mais do que isso, , o reconhecimento judicial, por acórdão transitado em julgado, de nulidade da Assembleia realizada em 12 de outubro de 2019.

Neste ponto, tendo em vista o resultado da ação judicial proposta e já julgada pelo E. Tribunal de Justiça (acórdão fls. 790/812), não há o que possa ser questionado quanto à invalidade da Assembleia em razão da insuficiência do quórumsobretudo nos estreitos limites desta esfera administrativa.

Isto porque, a questão referente à aprovação da aquisição de bem imóvel pela Assembleia realizada em 12 de outubro de 2019 foi objeto de discussão judicial, com exame da apelação no âmbito do Tribunal de Justiça, acórdão datado de 05 de outubro de 2023, extraindo-se os seguintes trechos do julgado:

“Extrai-se dos autos que Condomínio Costa Verde Tabatinga é ente atípico constituído na década de 70, com natureza de misto entre condomínio e loteamento (folha 06 dos autos principais ), tratando-se de reunião de 12 (doze) “setores” ou ainda “glebas” como denominado na petição inicial. Cada setor é regido por convenção individualizada, havendo também uma convenção geral aplicável aos 12 ( doze ) setores.

O empreendimento foi criado com espeque no artigo 3º do Decreto-Lei número 271/67, que dispõe:

“Art 3º Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação.

§ 1º O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará este decreto-lei, especialmente quanto à aplicação da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, aos loteamentos, fazendo inclusive as necessárias adaptações.

§ 2º O loteamento poderá ser dividido em etapas discriminadas, a critério do loteador, cada uma das quais constituirá um condomínio que poderá ser dissolvido quando da aceitação do loteamento pela Prefeitura.”

Cada um dos 12 ( doze ) setores dispostos desde a criação do Condomínio Costa Verde Tabatinga possuem naturezas distintos, com destinações próprias, potenciais de construções, restrições construtivas, taxas de ocupação e limites de pavimentos específicos.

Como exemplo, os setores Clube Esportivo e Clube de Golfe destinam-se a atividades esportivas e recreativas, admitindo-se comércios.

Já os setores Hotel Sporting e Hotel Praça possuem finalidade mista residencial, comercial e de práticas náuticas. Outros possuem natureza mista com prestação de serviços, e outros são estritamente residenciais.

Portanto, o condomínio requerido na verdade é entidade que reúne de forma coligada e integrada 12 ( doze ) outros condomínios.

O cerne da controvérsia diz respeito a nulidade do sistema de deliberações previsto nas convenções condominiais, pelo sistema de voto direito do condômino junto às assembleias setoriais e indireto perante à assembleia geral, ocorrendo por intermédio de representantes.

Para melhor elucidar a dinâmica, a aprovação de qualquer deliberação demanda a convocação em 02 ( duas ) instâncias. De início, ocorrem votações das propostas em 12 ( doze ) assembleias setoriais. Após, por intermédio de representantes, cada setor apresenta sua deliberação ( aprovação ou rejeição da proposta ) frente à assembleia geral.

Por último, os apelantes discordam da legalidade da aprovação na assembleia de 12 de outubro de 2019 da aquisição de imóvel pelo Condomínio Costa Verde Tabatinga.

Reitere-se dos autos que o imóvel em tela, onde se situa o Setor Clube Esportivo, na prática integra o condomínio desde sua constituição original, destinando-se a área de recreação, sem abrigar unidades residenciais. Consta que o local foi objeto de litígio judicial, com questão possessória envolvendo antigos proprietários (processo número 9179040-42.2007.8.26.0000 ).

Pela decisão dos autos em referência, determinou-se a restituição da posse do local a favor da antiga proprietária Brincat Empreendimentos Imobiliários Limitada, condicionando-se a retomada ao pagamento de benfeitorias a favor do condomínio.

Posteriormente, consoante se extrai dos depoimentos prestados na audiência de instrução e julgamento e das atas de assembleias juntadas ao autos, o Condomínio Costa Verde Tabatinga intentou negócio para adquirir a propriedade da área, com proposta de pagamento de R$ 8.500.000,00 ( oito milhões e quinhentos mil reais ) a nova proprietária RHR Empreendimentos, empresa que é controlada por um dos condôminos. A aquisição foi aprovada pela assembleia geral de 12 de outubro de 2019.

Os requerentes pleiteiam seja anulada a aprovação alegando diversas irregularidades.

A respeitável sentença firmou entendimento que o pedido anulatório extrapola os limites originais da ação de tutela cautelar antecedente, em ofensa ao artigo 308 do Código de Processo Civil, daí decretando a extinção sem julgamento do mérito neste tocante.

Respeitado o entendimento diverso, após a estabilização da lide e apresentação dos pedidos principais pelos autores na forma do artigo 308 do Código de Processo Civil (folhas 922/956 ), a ação passou a tramitar na forma do rito ordinário, ao que foi oportunizado o contraditório legal pelo requerido, que em qualquer momento suscitou a incompatibilidade ou dissonância em relação aos limites originais da ação originalmente proposta.

Deve ser considerado que a decisão saneadora elencou a anulação da assembleia entre os pontos controvertidos da lide ( folhas 1.266/1.269 ). Tanto que, como consequência lógica, foi determinada a retificação do valor da causa tendo por base o valor da compra e venda de imóvel.

E ainda: verifica-se que o tema da anulação da assembleia possui inerente correlação tocante aos demais pedidos bem como à concessão da tutela provisória. Basta ver que, dentre os temas pautados para as assembleias de 22 de agosto de 2020 e 29 de agosto de 2020 ( objeto do pedido originário ) constava no item 3 a ratificação da aquisição imobiliária ( folha 394 ).

Por tais motivos, e como modo de afastar a arguição de nulidade por cerceamento de defesa, é o caso de afastamento do decreto de não conhecimento, viabilizando o julgamento do pleito em sede meritória.

As hipóteses legais para aquisição de imóvel por condomínio edilício, via de regra, se resumem a arrematação ou adjudicação da unidade geradora de dívida de cotas condominiais, ou de inadimplência do adquirente quanto ao pagamento do preço original da construção.

Todavia, não se olvida que o condomínio possa adquirir para si imóvel por outras hipóteses além das já mencionadas.

O tema foi objeto de análise pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura desta Corte de Justiça por ocasião do julgamento do recurso de apelação ( processo número 0019910-77.2012.8.26.0071 ). Na oportunidade, a turma julgadora declinou a possibilidade de aquisição de imóvel pelo ente despersonalizado, desde que em proveito de todos os condôminos, citando como exemplo a hipótese de aumento do número de vagas de garagem.

O Acórdão foi assim ementado:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra – Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento – Negócio jurídico relacionado com atividade-fim do Condomínio – Aprovação pela unanimidade dos condôminos presentes em assembléia – Proveito dos condôminos evidenciado – Risco de sanção administrativa – Inconveniente prático da exigência relativa ao consentimento de todos os condôminos – Instrumentalidade registrai -Ausência de personalidade jurídica não é óbice, in concreto ao registro Pertinência do assento pretendido – Dúvida improcedente Recurso provido.“ ( Apelação Cível 0019910-77.2012.8.26.0071, Conselho Superior da Magistratura, Rel. Des. RENATO NALINI, j. 18/04/13)

O julgado em tela ensina que a convalidação do negócio jurídico de compra de imóvel por condomínio envolve averiguar se há proveito em favor da massa condominial e com aprovação de forma unânime. No presente caso, longe de haver confluência de interesses dos condôminos na aquisição, a prova documental e oral aponta para severa divergência, inclusive manifestada na assembleia de 12 de outubro de 2019, cuja ata refere a “resistência por parte de alguns Setores”, tanto que a aprovação ocorreu por 55,06% ( cinquenta inteiros e seis décimos ) das cotas de participação.

Cumpre mencionar que a assembleia de 12 de outubro de 2019 não contou com a presença da totalidade dos representantes dos 12 ( doze ) setores, pois, computados os participantes, alcançaram a proporção de 92,78 ( noventa e dois inteiros e setenta e oito décimos ) das cotas de participação.

Como se depreende da leitura da ata da assembleia geral de 28 de setembro de 2019, os representantes ali presentes foram informados pelo advogado do condomínio sobre as peculiaridades da aquisição, nos seguintes termos (folha 1.440 ):

“Acrescentou durante as negociações foi muito destacada a questão da garantia jurídica para resguardar os administradores e os interesses dos condôminos porque o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, órgão do Tribunal de Justiça entende que condomínio não tem personalidade e por isso não pode adquirir imóvel por ato voluntário, mas apenas por adjudicação ou arrematação em processo judicial de cobrança. Que nessa conversa o titular do Cartório de Registros de Imóveis de Caraguatatuba informou que como subordinado, tem que cumprir as normas ou orientações do Conselho Superior da Magistratura e que na conversa com o juiz corregedor permanente o cenário de dificuldade do registro da escritura de compra não foi modificado”.

Portanto, os condôminos representantes dos setores eram cientes sobre o dissenso doutrinário e jurisprudencial que envolve a matéria. Inobstante tais aspectos, optaram por manter a proposta pautada para votação, inclusive sem observância de quórum mínimo, reputando como válida a aprovação por maioria simples quanto ao número de cotas de participação.

Tendo em vista as peculiaridades do caso envolvendo condomínio atípico, caberia por cautela a aprovação pela totalidade dos 12 ( doze ) setores, a atender o critério da unanimidade de aprovação e do resguardo ao interesse da massa condominial, o que deixou de ser atendido, a uma, pela ausência de representação de alguns setores, e a duas, pela votação na forma parcial e com formação de pequena maioria.

A dúvida registraria suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis de Caraguatatuba foi acolhida pelo Magistrado “a quo”, decretada a impossibilidade do registro público da compra e venda e favor do Condomínio Costa Verde Tabatinga, sobretudo por não verificar a aprovação do negócio de forma unânime em assembleia.

Ainda que o escopo do presente apelo não envolva discussão acerca da matéria tratada nos autos da dúvida registraria, inegável que a negativa de registro público implica severo óbice à fruição dos direitos da propriedade em sua plenitude.

Nem é demais ressaltar que a convenção condominial estabelece como requisito de alteração dos critérios de construção de imóveis a aprovação por ¾ ( três quartos ) das cotas de participação do condôminos ( folha 363 ). Por analogia, não poderia aprovar com menor rigor a aquisição de imóvel de grande porte, evidenciada a sensível controvérsia sobre o assunto.

Por todos os fundamentos aqui declinados, como forma de melhor resguardar o interesse da massa condominial e visando afastar os efeitos jurídicos da deliberação na forma precária, é o caso de tornar sem efeito a assembleia de 12 de outubro de 2019 no que se refere a aprovação do item 4, ou seja, aquisição pelo Condomínio Costa Verde Tabatinga do Setor Clube Esportivo, com provimento do apelo dos condôminos para tal finalidade”. (grifo meu)

Deste modo, a leitura do referido acórdão deixa claro que o quórum de aprovação da aquisição de imóvel pelo Condomínio não poderia ser inferior a ¾ da participação dos condôminos, quórum que não foi observado na Ata da Assembleia apresentada, razão para sua anulação na esfera judicial.

Há coisa julgada material sobre a invalidade de assembleia extraordinária, de modo que não poderia jamais o Oficial de Registro de Imóveis, ou seu Corregedor Permanente, ou até mesmo este Conselho Superior da Magistratura, conferir na esfera administrativa e eficácia negada de modo expresso na esfará jurisdicional.

Portanto, sob qualquer enfoque que se analise a presente dúvida, prevalece o óbice sustentado pelo Registrador.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.08.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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