Apelação Cível nº 1000440-26.2024.8.26.0361
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000440-26.2024.8.26.0361
Comarca: MOGI DAS CRUZES
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1000440-26.2024.8.26.0361
Registro: 2024.0000772765
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000440-26.2024.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante ZAILDA DA SILVA FIRMINO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES/SP.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e deram por prejudicada a dúvida, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 15 de agosto de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000440-26.2024.8.26.0361
Apelante: Zailda da Silva Firmino
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes/SP
VOTO Nº 43.509
Registro de imóveis – Negativa de Registro de Escritura Pública de venda e compra de imóvel – Necessidade de regularização do parcelamento do solo, apresentação da certidão de conclusão de obra (habite-se) e da certidão negativa de débitos referente à construção – Cumprimento de uma das exigências formuladas pelo registrador no curso da dúvida – Dúvida prejudicada – Demais exigências cabíveis – Sujeição ao registro especial do artigo 18 da lei 6.766/79 que não foi observado – Apelação não conhecida.
Trata-se de apelação (fls. 85/89) interposta por ZAILDA DA SILVA FIRMINO contra a r. sentença (fls. 76/79) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mogi das Cruzes, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo a recusa do ingresso no fólio real de escritura pública de venda e compra de imóvel (terreno e prédio), destacado de área maior, formado pela união dos lotes nºs 21 a 30, da quadra “S”, da Vila Cintra, perímetro urbano do Distrito de Brás Cubas, matriculado sob o n° 17.744 daquela serventia.
A apelante alega, em síntese, que: (i) a exigência de apresentação de documentos que demonstrem a regularização do loteamento e/ou parcelamento do solo havido não pode prevalecer, eis que é antigo (remonta há mais de 40 anos) e que se omissão de fiscalização houve, é responsabilidade da Municipalidade, frisando que o IPTU é adimplido desde 1994 (fl. 52); (ii) nos autos há cópia da planta da área maior com a especificação da construção das 28 casas, contendo, ainda, o carimbo de aprovação do Departamento de Obras da Prefeitura de Mogi das Cruzes e do “HABITE-SE”, o que, no seu entender, afasta a necessidade da regularização formal prevista na Lei 6.766/79; (iii) o loteamento possui obras de infraestrutura e está consolidado; (iv) diversos proprietários de imóveis localizados na mesma área lograram o registro de seus títulos de propriedade anteriormente, por meio de averbações de desmembramentos, assim como de construções neles erigidas, conforme comprova a CRI de fls. 44/49; (iv) se compromete a sanar as outras exigências consubstanciadas na nota de devolução se superada a exigência da necessidade de regularização do loteamento e desmembramento do solo; (v) a exigência quanto à complementação do ITBI foi superada, conforme informou o próprio Oficial a fl. 05; e, por fim; (vi) anexou ao seu recurso certidão emitida pela Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos que outorgou “Habite-se” a diversos prédios localizados na mesma área, emitida em 26/07/1991 (fls. 85/89).
Requer, então, a reforma da sentença, para o registro da escritura pública de fls. 14/15 (prenotada sob nº 307022) na matrícula nº 17.744 (fls. 44/49), sem as exigências da Nota Devolutiva de nº 2684, expedida em 03/08/2022 (fl. 24), que, após reapresentação, foi reiterada em 21/11/2023 (Nota de devolução nº 5859, mencionada a fl. 09).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 108/111).
É o relatório.
Após o falecimento da adquirente do bem imóvel, Maria das Dores Silva Firmino – fl. 31, descrita na escritura pública de compra e venda lavrada em 19/04/1996 (fls. 14/15), a herdeira ZAILDA DA SILVA FIRMINO (escritura pública de inventário e partilha – fls. 34/40) reapresentou a registro o referido título (fls. 21/28, procuração a fl. 29) que foi prenotado sob o nº 303587.
Necessário esclarecer que a primeira apresentação do título ocorreu em 05/06/2014, apenas para exame e cálculo das custas e emolumentos (protocolo nº 2526, de 05/06/2014), tendo sido desqualificado pelas razões descritas na Nota de Devolução de nº 84, de 23/06/2014.
Decorridos oito anos, o título reingressou para fins de registro, mediante a prenotação nº 292.760, de 20/07/2022, tendo sido também desqualificado, de acordo com as razões lançadas na Nota de Devolução nº 2684, de 03/08/2022, tudo conforme relato do Sr Oficial a fls. 02/05.
O terceiro e atual reingresso do título ocorreu por meio da petição de fls. 21/28 e foi novamente negado pelo Oficial, que expediu a Nota de Devolução de nº 5859 de 21/11/2023 (fl. 09).
Apesar da nota de devolução não se encontrar nos autos, o Sr. Oficial transcreveu as razões de desqualificação do título ao suscitar a presente dúvida (fls. 05/07):
“(i) irregularidade do parcelamento do solo; e, (ii) não apresentação da certidão de conclusão de obra (Habitese) e da Certidão Negativa de Débitos referente à construção.”
A ora recorrente, então, insurgiu-se contra as exigências da Nota de devolução de nº 5859 de 21/11/2023, por meio da petição de fls. 09/13.
Após a suscitação da dúvida pelo Oficial, a interessada ofertou a impugnação de fls. 64/68 e o Ministério Público proferiu o parecer de fls. 71/74, opinando pelo indeferimento do registro e a consequente procedência da dúvida registral de fls. 01/08.
Sobreveio a r. sentença que manteve os óbices registrários e julgou procedente a dúvida (fls. 76/79).
A dúvida, todavia, está prejudicada.
Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não, é preciso que todas as exigências, e não apenas parte delas, sejam impugnadas. A anuência em relação a um ou mais óbices igualmente impede seja prolatada decisão quanto à registrabilidade do título.
A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrais, e, do mesmo modo, a anuência em relação a qualquer um dos óbices prejudica a dúvida, a qual só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) a manutenção da recusa do Oficial.
Com efeito, a anuência (ou o cumprimento) de uma ou mais exigências faz com que o presente recurso assuma um caráter meramente doutrinário, ou teórico, o que não se admite.
Isto porque redundaria na prolação de decisão condicional quando, na realidade, como dito, somente pode comportar duas soluções: a afirmação da possibilidade ou não da prática do ato, considerando o título tal como foi apresentado ao Oficial registrador e por este qualificado.
O processo de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo à apenas parte dos óbices ao ingresso do título no fólio real, pois, eventualmente afastados os questionados, restariam os demais, não questionados, que, não atendidos, impediriam, de toda sorte, o registro.
Nesse sentido, destaca-se julgado da E. Corregedoria Geral da Justiça, no Recurso Administrativo nº 1011526-59.2017.8.26.0451, com parecer de nº 52/2021-E, proferido pela MMª Juíza Assessora Stefânia Costa Amorim Requena e aprovado em 18/02/2021 pelo então Exmo. Corregedor do TJSP Desembargador Ricardo Anafe:
“REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Averbação de ata de assembleia geral – Ausência do título original – Não impugnação de todas as exigências apresentadas pelo registrador – Pedido de providências prejudicado – Recurso não conhecido.”
Diante da pertinência, transcreve-se trecho do pronunciamento opinativo:
“Com efeito, a aceitação de parte dos óbices apontados atribui ao procedimento natureza consultiva, certo que a pretendida averbação dependerá de novo protocolo e, consequentemente, de nova qualificação do título.
(…)
Para que se possa decidir se a averbação pretendida pode ou não ocorrer é preciso que todas as exigências – e não apenas parte delas – sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente e, na hipótese de recurso, também pela Corregedoria Geral da Justiça.
E nem mesmo a manifestação apresentada posteriormente, no curso do presente procedimento (fls. 127/129), pode favorecer a recorrente, eis que, além de ser por demais genérica, representa verdadeira burla ao prazo da prenotação (a parte tem um prazo determinado para cumprir as exigências, ou impugnálas).”
Na espécie, a dúvida está prejudicada porque houve o cumprimento de uma das exigências no curso do processo. Por consequência, o recurso de apelação também está prejudicado.
De fato, em seu recurso de apelação a recorrente colacionou o documento de fl. 90, que afirma ser o “Habite-se” cuja apresentação estava inclusa nas exigências registrárias supracitadas.
Ademais, expressamente disse que: “Corolário lógico à dialética do presente recurso, vencida a exigência da necessidade de regularização do loteamento e desmembramento do solo, a apelante se compromete a sanar as outras determinações estampadas na nota de devolução, como a apresentação da CND do INSS para averbação da construção, considerando que o comprovante de pagamento do ITBI, outra exigência do oficial de registro, foi pago no ato da outorga da escritura, conforme o comprovante de fls. 19.” (g.n.)
Ainda que assim não fosse, os óbices que remanesceram justificam a procedência da dúvida.
No caso em apreço, verifica-se que o imóvel objeto se encontra em indubitável loteamento irregular, sem que tenham sido cumpridas as exigências da Lei nº 6.766/79 que rege o parcelamento do solo.
De fato, pela análise da matrícula de fls. 44/49, percebesse que a proprietária IRMÃOS EURICO – ADMINISTRADORA DE BENS S/C. LTDA. empreendeu a construção de unidades residenciais de maneira segmentada, de acordo com as averbações de n.01 a 07, 14 a 17 e 20 (fls. 44/49).
Pelo que consta da certidão de matrícula, a proprietária realizava o desmembramento dos respectivos lotes com suas construções (Av.08 a Av.13, fls. 46/47).
Contudo, esse desmembramento foi realizado de maneira totalmente irregular, já que também estava sujeito ao registro especial previsto na Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, notadamente no §2º do artigo 2º, e nos artigos 10, 11 e 18.
No mesmo sentido, dispõe o item 165 e seus subitens (165.1 a 165.5), do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça:
“165. O registro especial, previsto no art. 18, da Lei nº 6.766/79, será dispensado nos seguintes casos:
a) as divisões “inter vivos” celebradas anteriormente a 20 de dezembro de 1979;
b) as divisões “inter vivos” extintivas de condomínios formados antes da vigência da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979;
c) as divisões consequentes de partilhas judiciais, qualquer que seja a época de sua homologação ou celebração;
d) os desmembramentos necessários para o registro de cartas de arrematação, de adjudicação ou cumprimento de mandados;
e) quando os terrenos tiverem sido objeto de compromissos formalizados até 20 de dezembro de 1979, mesmo com antecessores;
f) Quando os terrenos tiverem sido individualmente lançados para o pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para o exercício de 1979, ou antes.
NOTA Consideram-se formalizados os instrumentos que tenham sido registrados em Registro de Títulos e Documentos; ou em que a firma de, pelo menos, um dos contratantes tenha sido reconhecida; ou em que tenha havido o recolhimento antecipado do imposto de transmissão.
165.1. Nas divisões, em geral, o registro especial somente será dispensado se o número de imóveis originados não ultrapassar o número de condôminos aos quais forem atribuídos.
165.2. Os desmembramentos de terrenos situados em vias e logradouros públicos oficiais, integralmente urbanizados, ainda que aprovados pela Prefeitura Municipal, com expressa dispensa de o parcelador realizar quaisquer melhoramentos públicos, ficam, também, sujeitos ao registro especial do art. 18, da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. (g.n.)
165.3. Igualmente sujeitos ao mesmo registro especial estarão os desmembramentos de terrenos em que houver construção, ainda que comprovada por documento público adequado. (g.n.)
165.4. Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, recusará a averbação. (g.n.)
165.5. Para a dispensa do registro especial, o oficial registrador deverá ter especial atenção à verificação das seguintes circunstâncias:
(1) não implicar transferência de área para o domínio público;
(2) não tenha havido prévia e recente transferência de área ao Poder Público, destinada a arruamento, que tenha segregado o imóvel, permitido ou facilitado o acesso a ela, visando tangenciar as exigências da Lei nº 6.766/79;
(3) resulte até 10 lotes;
(4) resulte entre 11 e 20 lotes, mas seja servido por rede de água, esgoto, guias, sarjetas, energia e iluminação pública, o que deve ser comprovado mediante a apresentação de certidão da Prefeitura Municipal;
(5) não ocorram desmembramentos sucessivos, exceto se o novo desmembramento não caracterizar intenção de afastar o cumprimento das normas que regem o parcelamento do solo urbano em razão do tempo decorrido entre eles, da alteração dos proprietários dos imóveis a serem desmembrados, sem que os novos titulares do domínio tenham participado do fracionamento anterior;
(6) Na hipótese do desmembramento não preencher os itens acima, ou em caso de dúvida, o deferimento dependerá de apreciação da Corregedoria Permanente.
165.6. Em qualquer hipótese de desmembramento não subordinado ao registro especial do art. 18, da Lei nº
6.766, de 19 de dezembro de 1979, sempre se exigirá a prévia aprovação da Prefeitura Municipal.
165.7. Os loteamentos ou desmembramentos requeridos pela União, Estado, Municípios, CDHU, COAHBS e assemelhados estão sujeitos ao processo do registro especial, dispensando-se, porém, os documentos mencionados nos incisos II, III, IV e VII, do
art. 18, da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que forem incompatíveis com a natureza pública do empreendimento.”
Da leitura atenta das supracitadas normas verifica-se que os desmembramentos realizados sujeitavam-se ao registro especial que, por sua vez, não foi observado, concluindo-se, portanto, que o registro pretendido não é possível sem que a regularização do parcelamento do solo seja efetuada.
Nesse sentido já se decidiu:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. JULGADA PROCEDENTE. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. LOTEAMENTO NÃO REGISTRADO. NECESSIDADE DE PRÉVIA REGULARIZAÇÃO. DISPONIBILIDADE. ESPECIALIDADE OBJETIVA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (Apelação Cível 1005093-68.2022.8.26.0223; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Guarujá – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2023; Data de Registro: 12/09/2023)
Contudo, frise-se que à apelante resta alternativa, como bem observou o Sr. Oficial, eis que a regularização pode ser efetuada “quer pela proprietária e empreendedora, quer pela ação do Poder Público local mediante o instrumento jurídico da regularização fundiária.” (fl. 07, item 2.9).
De se acrescentar que também existe a via da usucapião para obter a declaração de domínio sobre o imóvel, desde que observados os correspondentes preceitos legais e normativos (fls. 07, item 2.10).
Assim sendo, não fosse a dúvida prejudicada, seria o caso de manter os óbices remanescentes, pelas razões expostas.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação e dou por prejudicada a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 23.02.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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