CSM/SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Carta de sentença extraída de inventário – Inventário conjunto de várias pessoas de uma mesma família – Ausência de comoriência – Transmissão diretamente aos netos – Ausência de transmissão avoenga – Modalidade de sucessão por transmissão – Descendentes de primeiro grau pós mortos, e não pré-mortos – Inobservância da continuidade e disponibilidade da sucessão – Qualificação negativa mantida – Apelação improvida.

Apelação nº 1008942-57.2023.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1008942-57.2023.8.26.0047
Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1008942-57.2023.8.26.0047

Registro: 2024.0000895598

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008942-57.2023.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante SEBASTIANA APARECIDA FIDÉLIS RIBEIRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008942-57.2023.8.26.0047

APELANTE: Sebastiana Aparecida Fidélis Ribeiro

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis

VOTO Nº 43.568

Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Carta de sentença extraída de inventário – Inventário conjunto de várias pessoas de uma mesma família – Ausência de comoriência – Transmissão diretamente aos netos – Ausência de transmissão avoenga – Modalidade de sucessão por transmissão – Descendentes de primeiro grau pós mortos, e não pré-mortos – Inobservância da continuidade e disponibilidade da sucessão – Qualificação negativa mantida – Apelação improvida.

Cuida-se de apelação interposta por Sebastiana Aparecida Fidelis em face da r.sentença de fls. 530/533, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Assis, que em procedimento de dúvida manteve a negativa de registro de carta de sentença extraída dos autos do inventário dos bens deixados pelo falecimento de José Fidelis Pereira (processo nº 1009352-96.2015.8.26.0047), processado perante a Vara da Família e Sucessões de Assis, por entender configurada a ofensa ao princípio da continuidade registral em razão da partilha per saltum.

O recurso busca a reforma da sentença, com o ingresso do título ao fólio real, tratando-se de único imóvel objeto da partilha.

Sustenta a apelante que não está configurada a partilha per saltum, pois embora tenha sido realizado um único inventário, a partilha foi feita em observância ao Código Civil, com a atribuição do quinhão aos filhos e o mesmo quinhão transferido aos netos, por continuidade da sucessão.

Além disso, foram recolhidos os ITCMDS referentes a cada partilha, o que afasta prejuízo ao erário, além de realizada sobrepartilha (processo nº 1003207-87.2016.8.26.0047) do quinhão pertencente à Donária Pereira de Souza, sendo o plano de partilha aprovado pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Família, entendendo como corretas as partilhas feitas de forma cumulativa (fls. 537/548).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 574/577).

É o relatório.

A apelação não merece provimento, mostrando-se correta a qualificação negativa apresentada pelo Registrador.

A apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis Carta de Sentença extraída dos Autos do Inventário e Partilha dos bens deixados por José Fidelis Pereira, processo nº 1009352-96.2015.8.26.0047, da Vara da Família e Sucessões da Comarca de Assis, tendo por objeto o imóvel da transcrição nº 13.990.

O título foi prenotado sob nº 253.649, apresentada nota de devolução com o seguinte teor:

“Verifica-se que consta do plano de partilha homologado, que o imóvel objeto da Transcrição n.° 13.990, do livro 3-AL, foi partilhado a favor dos herdeiros filhos e herdeiros netos de José Fidelis Pereira. No entanto, verifica-se que o autor da herança faleceu em 21/12/1975, e que posteriormente faleceram seus filhos Natalino Fidelix Pereira, falecido em 14/03/2012, Donária Pereira de Souza, falecida em 16/06/2015, Valdete Alves de Souza, falecida em 06/09/2010, josé Fidelis Filho, falecido em 05/03/2003, ou seja, à época do falecimento do autor da herança José Fidelis Pereira, seus filhos acima referidos não haviam falecido.

No presente caso há várias transmissões: a primeira, referente ao falecimento de José Fidelis Pereira, ocorrido em 21/12/1975, e as demais referente a cada herdeiro filho falecido posteriormente ao pai.

O art. 672 do CPC permite que seja feito o inventário conjunto quando há identidade de pessoas entre as quais devam ser repartidos os bens, bem como havendo dependência de uma partilha em relação à outras. Contudo, devem serem feitas tantas partilhas, sucessivas e sequenciais, quanto necessárias.

Neste sentido, foram as decisões a seguir selecionadas:

CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL:  1023686-87.2021.8.26.0577 LOCALIDADE: São José dos Campos – DATA DE JULGAMENTO:15/12/2023 DATA DJ: 13/03/2023 Registro de imóveis – dúvida julgada procedente formal de partilha extraído de inventário conjunto – ofensa ao princípio da continuidade- bens que devem ser paulatinamente partilhados – necessidade de aditamento do título para constar dois planos de partilha – recurso a que se nega provimento. CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 1019035-22.2020.8.26.0100 LOCALIDADE: São Paulo – DATA DE JULGAMENTO: 20/10/2021- DATA DJ: 26/01/2022

Registro de Imóveis – apelação – dúvida – negativa de registro de formal de partilha expedido em inventário conjunto – ausência de menção à meação do cônjuge supérstite – acerto do óbice registrário – meação que integra a comunhão – indivisibilidade – necessidade de partilha – comprovação de pagamento do ITCMD – necessidade de apresentação de certidão de homologação pela fazenda estadual – óbice mantido – recurso não provido.

Deste modo, considerando as datas dos falecimentos, o quinhão deverá ser pago diretamente aos filhos José Fidelis Pereira e não aos netos, bem como deverá constar a qualificação completa dos mesmos, nos termos do artigo 176, §1°, III, 2, a, da Lei n.° 6.015/73 (Registros Públicos).”

Os fundamentos invocados na apelação não conseguem afastar o óbice levantado pelo Registrador.

Ressalte-se que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

A leitura da carta de sentença deixa claro que no caso em questão houve a cumulação de inventários na forma do artigo 672 do Código Civil.

Muito embora a legislação processual permita a cumulação de inventários para partilha de heranças de pessoas diversas (artigo 672 do CPC), as sucessões devem ser feitas corretamente e de modo individualizado, com a declaração e o pagamento dos tributos devidos para cada hipótese de incidência prevista em lei.

Como bem observou o Oficial, no caso em exame há várias sucessões: a primeira, referente ao falecimento de José Fidelis Pereira, ocorrido em 21.12.1975, e as demais referentes a cada herdeiro filho falecido posteriormente ao pai. Ao tempo do falecimento do pai, os filhos José Fidelis Filho, Valdete Alves de Souza, Natalino Fidelix Pereira e Donária Pereira de Souza eram vivos e vieram a falecer em 05.03.2003, 06.09.2010, 14.03.2012 e 16.06.2015, respectivamente.

Assim, tratando-se de inventário conjunto de bens deixados por pessoas falecidas, da mesma família, em datas diversas, imprescindível que a partilha se realizasse de forma distinta, sucessiva e sequencial, o que não foi observado no título apresentado para qualificação. Em outros termos: os bens do espólio deveriam ter sido sucessivamente partilhados conforme a ordem de falecimentos, de acordo com a disponibilidade e quinhão atribuído a cada sucessor, ressalvadas hipóteses de comoriência, o que, contudo, não ocorreu no caso concreto.

Dizendo de outro modo, o processamento de inventário conjunto é figura de direito processual, que permite em um só feito o processamento de diversas sucessões. Evita a abertura de um inventário para cada morte de herdeiro, em atenção ao principio da economia processual.

Isso, porém, não significa que as cadeias sucessórias possam ser aleradas ou abreviadas. Não há reflexos do inventário conjunto sobre o direito material sucessório.

Consequentemente, a forma como a partilha foi realizada no título apresentado ao Registrador equivale ao que se denominou falar “sucessão per saltum”, com a transmissão da propriedade diretamente aos netos, o que ofende não só ao princípio da continuidade, como também configura lesão ao erário, dada a ausência de recolhimento de ITCMD pela supressão de sucessões que constituem cada qual fato gerador tributário, independentes entre si.

O que houve, na realidade, foi a figura da sucessão por transmissão. Um dos herdeiros falece após o autor da herança, e em razão ro princípio da saisine, como já era titular de direitos hereditários, abre a sua própria linha sucessória

Sobre o tema, há inúmeros precedentes do Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO CONJUNTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – BENS QUE DEVEM SER PAULATINAMENTE PARTILHADOS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR DOIS PLANOS DE PARTILHA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1023686-87.2021.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Ausência de Irresignação parcial – Manutenção dos óbices – Necessidade de partilhas sucessivas – Ofensa ao princípio da continuidade – Recurso a que se nega provimento.” (TJSP, AP 1022725-25.2021.8.26.0100, Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral da Justiça), Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura, Data do Julgamento: 20/10/2021).

Em termos bem simples, não há transmissão avoenga, direta do avô aos netos. A sucessão se dá em favor dos filhos e, com a morte destes após o autor da herança (sucessão por transmissão), destes aos netos.

Somente deste modo será possível a preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e dos princípios da continuidade e disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ). Eventual concordância dos herdeiros envolvidos não supre a falta e tampouco desconfigura a ofensa ao princípio registral.

A fim de orientar futura prenotação, para se permitir o acesso da partilha ao fólio real, é necessário aditamento da carta de sentença para preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e do princípio da continuidade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 25.09.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Contrato de locação comercial com cláusula de vigência – Reapresentação do título cujo registro havia sido anteriormente negado – Pedido reformulado com fundamento em recente precedente do Colendo Conselho Superior da Magistratura – Possibilidade de reiteração de dúvida – Preclusão administrativa não configurada – Dúvida suscitada, contudo, sem a prévia qualificação do título – Incumbência do oficial de examinar e qualificar o título que lhe é apresentado para registro e, caso o considere inapto para tanto, é seu dever indicar em nota devolutiva as razões da recusa – Nulidade configurada – Apelação provida, com determinação.

Apelação nº 1001005-87.2020.8.26.0568

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001005-87.2020.8.26.0568
Comarca: SÃO JOÃO DA BOA VISTA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1001005-87.2020.8.26.0568

Registro: 2024.0000895595

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001005-87.2020.8.26.0568, da Comarca de São João da Boa Vista, em que é apelante STONE PERFORMANCE BRASIL INDÚSTRIA DE ROCHAS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e anularam o procedimento de dúvida ab initio, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001005-87.2020.8.26.0568

APELANTE: S. P. B. I. de R. LTDA

APELADO: O. de R. de I. e A. da C. de S. J. da B. V.

VOTO Nº 43.573

Registro de imóveis – Contrato de locação comercial com cláusula de vigência – Reapresentação do título cujo registro havia sido anteriormente negado – Pedido reformulado com fundamento em recente precedente do Colendo Conselho Superior da Magistratura – Possibilidade de reiteração de dúvida – Preclusão administrativa não configurada – Dúvida suscitada, contudo, sem a prévia qualificação do título – Incumbência do oficial de examinar e qualificar o título que lhe é apresentado para registro e, caso o considere inapto para tanto, é seu dever indicar em nota devolutiva as razões da recusa – Nulidade configurada – Apelação provida, com determinação.

Trata-se de apelação interposta por Stone Performance Brasil Indústria de Rochas Ltda. contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São João da Boa Vista/SP, que julgou extinto o processo, nos termos do art. 485, inciso V e § 3º, do Código de Processo Civil, pela ocorrência da coisa julgada (fls. 136/137).

Sustenta a apelante, em síntese, a inexistência de coisa julgada material, por se tratar a dúvida de procedimento administrativo que pode ser reiterado a pedido do interessado sempre que houver novo entendimento sobre a matéria ou alteração da situação fática. Entende que a ausência de nova qualificação do título pelo Oficial e consequente omissão na expedição, se o caso, de nota devolutiva, levou o MM. Juiz Corregedor Permanente à incorreta compreensão do caso concreto.

Ainda, afirma que não há necessidade de comparecimento dos demais proprietários no título, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários do bem locado, devidamente qualificado, e o locador, pois no contrato de locação foi consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada (art. 167, inciso I, 3) (fls. 169/178).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 255/256 e 277). Nos termos da r. decisão (fls. 261), os autos foram redistribuídos a este Colendo Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Desde logo, relevante consignar que a recusa de registro do título foi objeto de anterior suscitação de dúvida, julgada procedente pela Corregedoria Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São João da Boa Vista/SP (Processo nº 1001003-54.2019.8.26.0568, fls. 229/232).

A apelação interposta contra referida decisão não foi conhecida por este Colendo Conselho Superior da Magistratura (fls. 249/251).

Reapresentado o título, o Oficial, informando que a interessada apresentou novos argumentos, protocolou o pedido de registro (prenotação nº 243.580, de 6 de fevereiro de 2020) e, sem requalificar o título, suscitou a presente dúvida.

Como é sabido, incumbe ao Oficial examinar e qualificar o título que lhe é apresentado para registro e, caso o considere inapto para tanto, é seu dever indicar em nota de devolução as razões da recusa, conforme dispõe o art. 198 da Lei nº 6.015/1973.

No caso em tela, afirma o registrador que não houve alteração do título anteriormente qualificado na Nota de Devolução nº 238.291 (fls. 227/228) e que, em verdade, a apresentante do título, ora apelante, apenas alterou os fundamentos jurídicos de sua impugnação aos óbices anteriormente apresentados (fls. 01/05, in fine).

Ora, não há vedação para a reapresentação de título que já teve o registro negado, tampouco para, mantida a qualificação negativa, ser reiterado o pedido de suscitação de dúvida, embora sob diverso fundamento fático ou jurídico. É possível a revisão administrativa das decisões anteriormente lançadas, desde que haja fato novo ou alteração na orientação jurisprudencial acerca da matéria discutida.

Por conseguinte, não há que se falar, no caso concreto, em preclusão ou coisa julgada administrativa.

Ocorre que, uma vez renovada a prenotação do título, caberia ao registrador requalificá-lo e, na hipótese de persistirem os óbices ou outros surgirem, expedir nota de devolução atualizada e devidamente fundamentada, como dispõe o item 287, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

A qualificação registral é ato próprio do registrador, que deve analisar o título com base em seus saberes jurídicos e técnicos.

Trata-se de atribuição fundamental e indissociável da atividade do Oficial de Registros, de natureza obrigatória, inafastável e vinculada ao princípio da legalidade, que traduz o controle dos requisitos legais e normativos do documento apresentado, em juízo prudencial (DIP, Ricardo. Registro de Imóveis: vários estudos. Porto Alegre: IRIB: Sérgio Antonio Fabris; Ed., 2005. p. 168).

Para obtenção da segurança jurídica que se espera dos registros públicos, não basta que o registrador impeça o acesso de títulos inaptos. Há que possibilitar a correção dos títulos viciados, expedindo nota devolutiva clara, explicativa e conclusiva.

Em outras palavras, a qualificação deve abranger completamente a situação examinada, em todos os aspectos relevantes para ingresso do título no fólio real ou seu indeferimento, permitindo a certeza de sua aptidão registrária, ou a indicação integral das deficiências para a inscrição perseguida, lembrando-se, por oportuno, que o procedimento de dúvida é limitado à análise da insurgência do apresentante com as exigências formuladas para o registro do título, como disposto no art. 198 da Lei nº 6.015/73.

In casu, o registrador, ao suscitar a presente dúvida, deixou de qualificar o título segundo a inscrição que lhe foi rogada e o título protocolado. Em verdade, fez referência ao procedimento de dúvida anteriormente julgado, deixando, porém, de esclarecer qual seria a exigência específica para registro do título agora prenotado, à luz dos novos argumentos e do recente precedente que lhe foram apresentados.

Ao Oficial de Registro de Imóveis não é possível substituir a qualificação dos títulos que lhe são apresentados para registro mediante questionamento ao Juiz Corregedor Permanente quanto à admissibilidade da prática de ato de registro considerado em seu sentido estrito ou mesmo ao modo como deve fazê-lo. Não se enfeixa no âmbito das funções administrativo judiciais da Corregedoria Permanente das Serventias Extrajudiciais e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo “o múnus de responder a consultas de caráter genérico, sequer o de, preventivamente, qualificar atos específicos, julgando de sua subsunção a determinada hipótese normativa, a cujo propósito dúvida possua serventuário incumbido de sua realização.” (CGJSP Processo nº 81.013/87).

Na forma como suscitada a dúvida, ou seja, com mera referência à dúvida anteriormente suscita (Processo nº 1001003-54.2019.8.26.0568) e sem requalificação do título a partir dos novos fundamentos jurídicos apresentados pela ora apelante e do precedente por ela referido, o presente procedimento administrativo acabou por suprimir a qualificação que deveria ser realizada pelo registrador e adquiriu um caráter consultivo, o que não se admite.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e anulo o procedimento de dúvida ab initio, a fim de que o Oficial de Registro de Imóveis promova a qualificação do título, tal como protocolado, à luz dos novos fundamentos jurídicos formulados pela apresentante e da atual jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura, e formule as exigências que eventualmente entender cabíveis, prosseguindo, se o caso, na forma do art. 198 da Lei nº 6.015/1973.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 25.09.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Registro de escritura pública de venda e compra de imóveis – Apelação interposta fora do prazo de 15 dias – Lei nº 6.015/73 omissa quanto ao prazo de apelação (artigo 202) – Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil – Intempestividade – Apelação não conhecida.

Apelação nº 1001499-76.2022.8.26.0116

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001499-76.2022.8.26.0116
Comarca: CAMPOS DO JORDÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1001499-76.2022.8.26.0116

Registro: 2024.0000895597

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001499-76.2022.8.26.0116, da Comarca de Campos do Jordão, em que é apelante ROBERTA BACHOT FRANCO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAMPOS DO JORDÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso em razão de sua intempestividade, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001499-76.2022.8.26.0116

APELANTE: Roberta Bachot Franco

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Campos do Jordão

VOTO Nº 43.570

Registro de imóveis – Dúvida – Registro de escritura pública de venda e compra de imóveis – Apelação interposta fora do prazo de 15 dias – Lei nº 6.015/73 omissa quanto ao prazo de apelação (artigo 202) – Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil – Intempestividade – Apelação não conhecida.

Trata-se de recurso de apelação (fls. 174/185) interposto por ROBERTA BACHOT FRANCO contra a r. sentença (fls. 162/166) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Campos do Jordão/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve os óbices registrários.

A apelante alega, em síntese, que é dispensável a apresentação do comprovante do recolhimento do ITBI, eis que o fato gerador do recolhimento é o próprio registro e, ainda, que o Oficial não tem competência para exigi-lo. Aduz que a apresentação da certidão negativa de débitos relativa ao INSS da pessoa jurídica vendedora não é obrigatória ao registro. Por fim, diz que a falta de confirmação da veracidade do título não é determinante para a efetivação do seu registro, alegando que há, inclusive, possibilidade de regularização documental posterior.

Requer, então, a reforma da sentença, para determinar ao Oficial a adoção de providências quanto ao registro da Escritura Pública de Compra e Venda, lavrada em 12 de janeiro de 2011, pelo 1º Ofício de Notas, Registros e Distribuição de Saboeiro CE (fls. 09/12).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não conhecimento da dúvida, em razão de sua intempestividade ou, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 286/291).

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, necessário constar que o Registrador apresentou Pedido de Providências (fl. 03), autos de nº 1001501-46.2022.8.26.0116, na mesma ocasião em que suscitou a presente Dúvida, tendo sido proferida decisão judicial para retenção da escritura pública e seu subsequente depósito em juízo, ante a suspeita de falsidade do documento, bem como para ciência ao Ministério Público na Comarca de Saboeiro, no Ceará, e à Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça daquele Estado, para as providências a seu cargo (fls. 83/84).

Superado o ponto, tem-se que a apelação interposta não deve ser conhecida, em razão da intempestividade.

A r. sentença recorrida foi publicada em 01 de fevereiro de 2024 (fl. 172), mas a apelação foi interposta somente em 01 de março de 2024 (fl. 174), ou seja, fora do prazo de 15 dias.

Muito embora a Lei nº 6.015/73 seja omissa quanto ao prazo recursal, aplica-se o artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil subsidiariamente, estabelecendo-se o prazo de 15 dias para a interposição de recurso de apelação em processo de dúvida, conforme entendimento firmado no âmbito deste C. Conselho Superior da Magistratura.

Ainda que se trate de processo de dúvida, decidido no âmbito administrativo, o cumprimento dos prazos realmente é questão relevante para fins de conhecimento do mérito recursal, pois tem repercussão direta com o prazo de validade do protocolo do título, suspenso enquanto perdura o processo.

Logo, aceitar a interposição de apelação sem o cumprimento de prazo equivaleria a prorrogar indevidamente a prenotação e a prioridade conferida ao título em relação a terceiros.

O caso é, portanto, de não conhecimento da apelação.

Ainda que assim não fosse, em tese, seria o caso de dar a dúvida por prejudicada porque a parte apresentou documentação em sede de recurso a pretexto de dar cumprimento a duas das três exigências formuladas.

O registro da Escritura de Venda e Compra de 5 lotes de números 233, 234, 235, 236 e 237, todos da 2ª gleba do loteamento denominado Jardim Embaixador, no Município de Campos do Jordão, imóveis matriculados sob os números 3.020, 3.021, 3.022, 3.023 e 3.024 (fls. 13/51), foi negado pelo Oficial, que expediu a nota de devolução nº 23.455 (fl. 52), contendo as seguintes exigências, que foram mantidas na sentença:

“1) Apresentar o comprovante de recolhimento do ITBI sobre a venda, nos termos do art. 60 do Código Tributário Municipal e do art. 289 da Lei nº 6.015/73.

2) A escritura informa que a vendedora Blue Star Empreendimentos e Participações Ltda. não é contribuinte previdenciária. Todavia, em se tratando de pessoa jurídica, essa declaração não procede. Deverá ser apresentada a certidão negativa ou positiva com efeitos de negativa a que se refere o art. 47, I, da Lei nº 8.212/91.

Havendo qualquer outra espécie de dispensa, deverá a escritura ser retificada para declará-la.

3) Há aparente discrepância no selo de autenticidade da certidão notarial apresentada, que é do Tipo 4 (segundo o Provimento 16/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Ceará, relativo a atos do registro civil de pessoas naturais), no código 004014 – “segunda via do registro de casamento, nascimento e óbito”). Essa discrepância deverá ser justificada.

Os valores do selo tampouco coincidem com aqueles impressos no título. Deverá a situação ser esclarecida, apresentando-se também o selo do próprio ato notarial, para confirmação de autenticidade de origem e data.”

Com efeito, a pretexto de cumprir as exigências, a recorrente juntou em seu recurso guias de recolhimento do ITBI (fls. 215/224) e certidão negativa de débitos do INSS relativa à pessoa jurídica vendedora dos imóveis, Blue Star Empreendimentos e Participações Ltda. (fl. 225).

Sabe-se, todavia, que a anuência em relação a um ou mais óbices, assim como a impugnação parcial das exigências, impede que seja prolatada decisão quanto à registrabilidade do título.

No mais, a recorrente discordou apenas da exigência constante no item 3 da Nota Devolutiva de fl. 52, afirmando, de maneira absolutamente genérica que “a falta de confirmação da veracidade do documento mencionado na petição inicial não é determinante para a efetivação do registro imobiliário, devendo ser analisada a situação como um todo, levando-se em conta a possibilidade de regularização documental posterior e a existência de outros elementos que sustentem a pretensão do registro”.

Ante a suspeita de falsidade da escritura de venda e compra dos lotes tratados nos autos, competia ao Oficial solicitar esclarecimentos a respeito das discrepâncias observadas quanto à autenticidade do selo aposto no título, notadamente porque utilizado selo do Tipo 4, que é relativo a atos do registro civil de pessoas naturais, e também porque os valores do selo não coincidem com aqueles impressos no título (fl. 52).

Ao revés do que a ora recorrente aduz, a exigência obsta, à evidência, o registro da referida escritura pública, tendo em vista ser inadmissível o ingresso de título falso ao fólio real, o que justifica a solicitação de esclarecimento ao apresentante para afastar qualquer hipótese de falsidade.

Por fim, como bem observou a D. Procuradoria Geral do Estado em seu parecer, “caso o Tabelião constatasse a existência de indícios de falsidade no documento e, mesmo assim, o registrasse, seria passível de punição.” (fl. 291).

De toda sorte, a análise supra é realizada tão somente como orientação ao Oficial em caso de reapresentação do título, já que, no caso, a apelação é intempestiva e, portanto, não pode ser conhecida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NÃO CONHEÇO do recurso em razão de sua intempestividade.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 25.09.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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