Autos: CONSULTA – 0003850-52.2024.2.00.0000
Requerente: NOVA FORMA VIAGENS E TURISMO LTDA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ
EMENTA
CONSULTA. AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM PARA MENORES DE 16 ANOS DESACOMPANHADOS. SUBSTITUIÇÃO DO RECONHECIMENTO DE FIRMA EM CARTÓRIO POR ASSINATURA ELETRÔNICA VIA CERTIFICADO DIGITAL OU GOV.BR. LEI Nº 14.063/2020. INVIABILIDADE. NORMAS ESPECÍFICAS DO ECA E RESOLUÇÕES CNJ. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. AUTORIZAÇÃO ELETRÔNICA DE VIAGEM (AEV) VIA E-NOTARIADO. RESPOSTA NEGATIVA À CONSULTA.
I. Caso em exame
Consulta formulada por operadora de turismo especializada em viagens de formatura e eventos para menores de idade sobre a possibilidade de substituição do reconhecimento de firma em cartório nas autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados por assinatura eletrônica via certificado digital ou Gov.br.
II. Questão em discussão
Avaliação da viabilidade de utilizar assinaturas eletrônicas via certificado digital ou Gov.br para autorizações de viagem de menores de 16 anos, em substituição ao reconhecimento de firma em cartório, conforme previsto na Lei nº 14.063/2020 e normas específicas do ECA, Resolução CNJ nº 295/2019 e Provimento CNJ nº 103/2020.
III. Razões de decidir
As normas específicas para autorizações de viagem de menores, estabelecidas pelo ECA, Resolução CNJ nº 295/2019 e Provimento CNJ nº 103/2020, exigem o reconhecimento de firma para assegurar a autenticidade do consentimento dos responsáveis, que não pode ser suprida por assinatura eletrônica por meio de certificado digital ou Gov.br.
A Autorização Eletrônica de Viagem (AEV), via e-Notariado, constitui a forma eletrônica apropriada para autorizações de viagem, com reconhecimento de firma por autenticidade feito por tabelião.
IV. Dispositivo e tese
Consulta conhecida e respondida negativamente.
Tese de julgamento: Não é possível substituir o reconhecimento de firma em cartório nas autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados por assinatura eletrônica via certificado digital ou Gov.br, sem a intervenção de tabelião de notas.
Legislação relevante citada:
Resolução CNJ n. 295/2019, art. 2º
Provimento CNJ n. 103/2020
ACÓRDÃO
O Conselho, por unanimidade, respondeu negativamente a consulta, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 21 de fevereiro de 2025. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Ulisses Rabaneda, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.
RELATÓRIO
Trata-se de Consulta formulada por Nova Forma Viagens e Turismo Ltda., operadora de turismo especializada em viagens de formatura e outros eventos destinados a menores de idade. A Consulente questiona se o certificado digital e/ou a assinatura eletrônica via plataforma Gov.br podem substituir o reconhecimento de firma em cartório nas autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados.
Informa que, com a alteração promovida pela Lei n. 13.812/2019 no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve ampliação da faixa etária dos menores que precisam de autorização para viajar desacompanhados dos responsáveis em território nacional, aumentando significativamente o número de pedidos de autorizações e gerando dúvidas entre os responsáveis acerca do modo de assinatura do documento.
A Consulente destaca que as Resoluções CNJ n. 131/2011, 295/2019 e o Provimento CNJ n. 103/2020 determinam as formas de obtenção da autorização de viagem, prevendo a necessidade de reconhecimento de firma por intermédio de cartório de notas, inclusive com a possibilidade de assinatura eletrônica por meio da Autorização Eletrônica de Viagem (AEV).
Entretanto, relata que tem recebido questionamentos de contratantes sobre o uso do certificado digital e da assinatura eletrônica pelo Gov.br, conforme disciplinado pela Lei n. 14.063/2020 e pelo Decreto n. 10.543/2020, que regulamentam o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos.
A Consulente manifesta receio em aceitar tais assinaturas sem o reconhecimento de firma em cartório, temendo que os clientes não consigam embarcar e que a empresa seja responsabilizada. Diante disso, solicita esclarecimentos acerca da possibilidade de substituir o reconhecimento de firma em cartório pela assinatura eletrônica via certificado digital e/ou Gov.br nas autorizações de viagem para menores de 16 anos.
O feito foi inicialmente distribuído à relatoria da Conselheira Daniela Pereira Madeira, sendo posteriormente encaminhado a este Gabinete em virtude do reconhecimento de minha prevenção para o processamento e julgamento da causa.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça contempla, no art. 89, a possibilidade de apreciação colegiada de Consulta formulada, em tese, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de atos normativos que envolvam a matéria de competência do Conselho Nacional de Justiça, com interesse e repercussão gerais.
Eis o teor do dispositivo:
Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.
§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso.
§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.
Os requisitos de admissibilidade prescritos no dispositivo referido justificam-se em razão das consequências jurídicas do pronunciamento do CNJ sobre a matéria debatida. As respostas às consultas formuladas, desde que aprovadas pela maioria absoluta dos membros do Plenário, revestem-se de caráter normativo geral no âmbito do Poder Judiciário, conforme dicção do art. 89, § 2º, do RICNJ.
No caso em apreço, extrai-se da petição inicial que o consulente busca esclarecimentos quanto à possibilidade de assinatura digital em autorização por documento particular, onde cita os fins previstos no artigo 3° da Lei 13.726/2018 para corroborar seu questionamento.
Embora as questões suscitadas pela consulente estejam relacionadas às especificidades da operação de serviços de transporte aéreo de passageiros, é inegável que as dúvidas apresentadas têm reflexos diretos em todas as empresas que atuam no setor de transporte de passageiros e turismo, seja ele aéreo, terrestre ou aquaviário.
Dessa forma, o entendimento a ser firmado nesta Consulta transcende os interesses particulares da empresa consulente, alcançando um espectro mais amplo de operadores turísticos em todo o país. A uniformização dos procedimentos relativos à documentação exigida para o embarque de menores é essencial para garantir a segurança jurídica, a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes e a eficácia das normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Portanto, concluo que a presente Consulta satisfaz os requisitos de generalidade e abstração exigidos pelo art. 89 do Regimento Interno do CNJ, justificando seu conhecimento por este Conselho.
2. Fundamentação
A questão submetida a exame consiste em saber se é possível substituir o reconhecimento de firma em cartório nas autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados por assinatura eletrônica realizada via certificado digital e/ou plataforma Gov.br, conforme previsto na Lei n. 14.063, de 23 de setembro 2020.
Inicialmente, destaco que a proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes é princípio constitucional consagrado no art. 227 da Constituição Federal, sendo regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.
A autorização de viagem para menores de 16 anos desacompanhados é medida que visa resguardar a segurança e o bem-estar desses indivíduos, prevenindo situações de risco, como tráfico de pessoas, desaparecimento de menores e outras práticas ilícitas.
A Resolução CNJ n. 295/2019, que dispõe sobre a autorização de viagem nacional para crianças e adolescentes, estabelece em seu art. 2º:
Art. 2º A autorização para viagens de criança ou adolescente menor de 16 anos dentro do território nacional não será exigida quando:
I – tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 anos, se na mesma unidade federativa ou incluída na mesma região metropolitana; e
II – a criança ou o adolescente menor de 16 anos estiver acompanhado:
a) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco; e
b) de pessoa maior, expressamente autorizada por mãe, pai, ou responsável, por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade.
O Provimento CNJ n. 103/2020, por sua vez, regulamenta a Autorização Eletrônica de Viagem (AEV), permitindo que os pais ou responsáveis legais autorizem a viagem por meio de documento eletrônico com reconhecimento de firma por autenticidade realizado por tabelião de notas, utilizando a plataforma e-Notariado.
A Consulente indaga se a assinatura eletrônica via certificado digital ou Gov.br poderia substituir o reconhecimento de firma em cartório exigido para as autorizações de viagem.
A Lei n. 14.063, de 2020, disciplina o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, estabelecendo três tipos de assinaturas eletrônicas: simples, avançada e qualificada, cada uma com níveis de segurança e requisitos específicos.
Entretanto, é necessário considerar que, conforme o art. 4º, § 2º, da referida lei, o uso de assinaturas eletrônicas nas interações com os entes públicos observará os requisitos de segurança estabelecidos pela própria lei e pelas normas específicas aplicáveis.
No caso das autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados, as normas específicas aplicáveis são o ECA, as Resoluções do CNJ e os Provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça, que estabelecem expressamente a necessidade de reconhecimento de firma por semelhança ou autenticidade.
Ademais, com base no parecer oferecido pela Corregedoria Nacional de Justiça à Consulta n. 0002301-41.2023.2.00.0000, a exigência de reconhecimento de firma nas autorizações de viagem visa assegurar a autenticidade do consentimento dos pais ou responsáveis, garantindo maior proteção às crianças e adolescentes.
Transcrevo trecho do referido parecer (Cons 2301-41.2023, id 5217155):
Dessa forma, no caso de documento particular, não se aplica – em nenhuma hipótese – a dispensa de reconhecimento de firma quando exigida a autorização de viagem (dada por meio de documento particular), não podendo essa dispensa ser realizada nem mesmo por agente administrativo dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pois a norma mais protetiva à criança e ao adolescente sempre deve prevalecer em ponderação com a simplificação de formalidades e procedimentos envolvendo documentos, uma vez que o custo social do desaparecimento de pessoas, do tráfico humano, do assédio (moral e sexual) e do aliciamento de crianças e adolescentes, evidentemente, não permite suportar eventual risco de fraude no documento particular de autorização de viagem, se dispensado o reconhecimento de firma previsto na Resolução CNJ n. 295.
Assim, a utilização de assinaturas eletrônicas via certificado digital ou Gov.br, embora possua validade jurídica em diversos contextos, não substitui, por si só, a exigência legal e regulamentar de reconhecimento de firma em cartório para as autorizações de viagem de menores desacompanhados.
A solução adequada para os pais ou responsáveis que desejam utilizar meios eletrônicos é a realização da Autorização Eletrônica de Viagem (AEV) por meio da plataforma e-Notariado, conforme previsto no Provimento CNJ n. 103, de 2020. Nesse caso, a assinatura eletrônica é realizada com certificado digital e o reconhecimento de firma por autenticidade é efetuado pelo tabelião de notas, garantindo a segurança jurídica necessária.
3. Dispositivo
Em virtude do exposto, conheço da presente Consulta formulada por Nova Forma Viagens e Turismo Ltda., respondendo-a nos seguintes termos:
(a) não é possível substituir o reconhecimento de firma em cartório nas autorizações de viagem para menores de 16 anos desacompanhados por assinatura eletrônica via certificado digital ou Gov.br, sem a intervenção de tabelião de notas; e
(b) as autorizações de viagem devem ser realizadas por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade, seja de forma física ou eletrônica, por meio da Autorização Eletrônica de Viagem (AEV), conforme disposto na Resolução CNJ n. 295/2019 e no Provimento CNJ n. 103/2020, não podendo ser dispensada pelas empresas de turismo ou pelos responsáveis.
Intime-se. Dê-se ciência à Corregedoria Nacional de Justiça e aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios do teor desta decisão.
Após, arquivem-se os autos, independentemente de nova ordem.
Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator
Dados do processo:
CNJ – Consulta nº 0003850-52.2024.2.00.0000 – Rel. Cons. Luiz Fernando Bandeira de Mello – DJ 26.02.2025
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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