1VRP/SP: RCPJ. Espólio não é sujeito de direito e deveres, porquanto sequer pode ser considerado é pessoa, não podendo celebrar contrato de sociedade ou nela figurar como sócio.


Processo 1041992-41.2025.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro civil de Pessoas Jurídicas – JS Oliveira Empreendimentos e Participacoes S C Ltda – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RODRIGO FORLANI LOPES (OAB 253133/SP), GILBERTO CIPULLO (OAB 24921/SP), NATHÁLIA PINESSO RIGUEIRO PARRON (OAB 336678/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1041992-41.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro civil de Pessoas Jurídicas
Requerente: 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital
Requerido: JS Oliveira Empreendimentos e Participações S C Ltda
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo, a requerimento de JS Oliveira Empreendimentos e Participações S/C Ltda., diante de negativa em se proceder a averbação de instrumento particular de alteração e consolidação do contrato social.
O Oficial informa que foi apresentada para averbação o instrumento particular de alteração de contrato social posterior ao falecimento do sócio Joaquim dos Santos Oliveira, pela qual as cotas pertencentes aos antigos sócios José Manoel Mendes Fernandes e Antônio Josué dos Santos Oliveira seriam transferidas ao espólio de Joaquim dos Santos Oliveira, de modo que esse espólio permaneceria no quadro societário, como único sócio da sociedade; que a averbação foi recusada por sucessivas notas devolutivas, uma vez que, conforme entendimento já pacificado nesta 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, o espólio não pode figurar como sócio de pessoa jurídica; que, ademais, as cotas titularizadas pelos sócios José Manoel Mendes Fernandes e Antônio Josué dos Santos Oliveira teriam sido transferidas ao espólio de Joaquim dos Santos Oliveira por meio de instrumento particular de cessão de quotas (no primeiro caso) e de ação de dissolução parcial de sociedade (no segundo caso) sem que tenham sido apresentados a registro os documentos pertinentes a cada uma dessas operações societárias; que, inconformada, a parte suscitada requereu a reconsideração da devolutiva; que nada obstante, os motivos da recusa devem prevalecer, visto que o espólio não tem personalidade jurídica e não é uma pessoa apta a ser titular de direitos e obrigações, não podendo figurar como sócio de pessoa jurídica, por lhe faltar a essência de qualquer pessoa, que é a vontade; que o fato juridicamente relevante para o caso é que a transferência de cotas dependeria, para sua consumação, da apresentação a registro dos documentos pertinentes para a formalização da averbação registral da respectiva transferência, não sendo suficiente, para fins registrais, a eventual existência de uma decisão judicial desacompanhada do consequente instrumento de alteração do contrato social, em conformidade com o artigo 1.003 do Código Civil; que na época da suposta transferência de cotas, era necessária a anuência do outro sócio que não participou da operação, o qual veio a falecer posteriormente, daí porque, agora, a eventual pretensão de averbação de alteração contratual decorrente daquela antiga transação dependeria do suprimento judicial da vontade do sócio remanescente que faleceu; que em relação aos efeitos da ação de dissolução de sociedade, cujos documentos formais também não foram apresentados para a respectiva consumação registral, há situação semelhante de inviabilidade de apresentação do instrumento de alteração do contrato social, já que o sócio que deveria assinar tal documento faleceu; que na época oportuna, tanto o sócio retirante como os sócios remanescentes deixaram de formalizar a alteração do contrato social que seria resultante da ação de dissolução parcial da sociedade; que não se mostra suficiente a anuência do inventariante do espólio de Joaquim dos Santos Oliveira, já que o inventariante não é sócio, assim como nem mesmo o espólio pode ser considerado sócio com direito a tomada de decisões sobre os rumos da sociedade; que o espólio tem, a rigor, um mero direito de crédito contra a sociedade, que deve ser pago pela sociedade aos herdeiros do falecido ou pode haver o ingresso dos herdeiros na sociedade como forma de quitação dessa dívida; que antes de ingressarem na sociedade como sócios, os herdeiros do falecido sócio não têm o direito de interferir nas operações da sociedade, deliberar sobre questões societárias, tampouco o inventariante; que compete somente aos sócios decidirem sobre a nomeação de administradores não sócios, consoante artigo 1.061 do Código Civil; que, como se pode constatar, a sociedade encontra-se numa situação de acefalia administrativa, em face do falecimento do sócio Joaquim dos Santos Oliveira e das supostas retiradas dos sócios José Manoel e Antônio Josué dos Santos Oliveira; que para sanar a situação, a forma mais simples seria que os herdeiros do falecido sócio que tenham interesse em ingressar na sociedade firmassem, juntamente com os sócios retirantes, um instrumento de alteração do contrato social, tratando de todas as operações societárias ocorridas, que abrangem o falecimento de Joaquim dos Santos Oliveira e as retiradas de José Manoel e de Antônio Josué dos Santos Oliveira, deliberando sobre o destino das cotas sociais em razão de cada uma dessas operações societárias e culminando por apontar o novo quadro societário e respectiva distribuição das cotas sociais; que outro caminho seria nomeação judicial de administrador provisório, nos termos do artigo 49 do Código Civil, enquanto não finalizado o inventário com a destinação das cotas do sócio falecido; que, neste contexto, os óbices apontados, conforme notas devolutivas, devem ser mantidos (fls. 01/05).
Documentos vieram às fls. 06/40.
Em impugnação apresentada nos autos, a parte interessada aduziu que a averbação buscada foi recusada em duas ocasiões, por meio de notas devolutivas (prenotação n. 437.923, de 06 de janeiro de 2025 e prenotação n. 438.936, de 30 de janeiro de 2025), nas quais se apontou que espólios não poderiam figurar como sócios de pessoa jurídica e, ainda, que as cotas antes titularizadas pelos sócios José Manoel Mendes Fernandes e Antônio Josué dos Santos Oliveira foram transferidas a Joaquim sem que esses atos tenham sido apresentados a registro, o que, todavia, não procede; que é permitido ao espólio do sócio, por intermédio de seu inventariante (no caso, Ricardo Linhares Oliveira), atuar em prol da sociedade, visando o cumprimento de seu objeto social e o atingimento da função social; que a herança, nos termos dos artigos 1784 e 1791 do Código Civil, defere-se como um todo unitário e se transmite aos herdeiros com a abertura da sucessão, ou seja, ocorreu desde o momento do falecimento de Joaquim de Oliveira Santos, em julho de 2021; que a transmissão patrimonial no momento do falecimento do titular anterior (princípio da saisine) corresponde a sub-rogação pessoal, cujo objetivo no momento do falecimento é apenas o de não permitir que o patrimônio do falecido fique sem titularidade; que em relação a participações societárias, o artigo 1.028 do Código Civil dispõe que o falecimento do sócio não implica em imediata inclusão de seus sucessores na sociedade, de forma que, enquanto não finalizado o procedimento de inventário, o sócio falecido é substituído por seu espólio, representado pelo seu inventariante, a quem incumbe a administração dos bens, nos termos dos artigos 618 e 619 do Código de Processo Civil; que no caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido; que apesar do inventariante não ser elevado à categoria de sócio, incumbe a ele nos termos do artigo 1.056, § 1º, do Código Civil, o exercício dos direitos inerentes às quotas; que as deliberações societárias após o falecimento de sócio e antes da partilha devem ser operacionalizas por seu inventariante, devendo ser analisadas pelo prisma dos atos ordinários de gestão, destinados à conservação e à preservação do patrimônio hereditário consubstanciado nas quotas sociais; que, quanto à exigência formulada pelo Oficial para que o instrumento particular de compra e venda de participação societária firmado entre os Joaquim e o antigo sócio José Manoel, bem como a redistribuição das cotas até então pertencentes ao terceiro sócio, sejam ratificadas pelo Juízo da 11ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Capital, onde se processa o inventário dos bens deixados pelo sócio Joaquim dos Santos Oliveira, é desnecessária; que a Vara de Família e Sucessões não é competente para julgar nenhuma outra demanda que não seja a tramitação dos autos do inventário de Joaquim dos Santos Oliveira e, ademais, o referido instrumento já está assinado por ambas as partes e devidamente quitado; que a alteração contratual pretendida é, tão somente, a formalização jurídica de um ato já consumado; que a ausência de qualquer medida judicial ou extrajudicial, bem como a inexistência de atos de cobrança pelo credor original ou por seus sucessores (visto que José Manuel também já é falecido), confirmam que qualquer pretensão decorrente do contrato de venda e compra de participação societária foi irremediavelmente alcançada pela prescrição e, consequentemente não há que se falar em suprimento judicial de vontade; que existe procuração pública outorgada por Joaquim aos três filhos vivos – Marcia, Leandro e Ricardo Linhares (este último, inventariantes) -, com prazo de validade indeterminado, na qual consta a outorga poderes de administração da empresa a eles, de forma que o desejo por materializar, formalizar e registrar os atos já consumados da sociedade não encontram nenhum tipo de impedimento, sendo desnecessário aguardar a partilha de bens; que, nesses termos, requer o afastamento dos óbices apontados pelo Oficial (fls. 46/57). Juntou documentos (fls. 58/160).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção dos óbices (fls. 163/165).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 13, Cap. XVIII, das NSCGJ: “Deverá ser recusado registro a título, documento ou papel que não se revista das formalidades legais exigíveis, devendo a respectiva nota devolutiva indicar, de modo claro, objetivo e fundamentado o vício obstativo do registro e eventuais exigências para regularização”.
No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice.
No caso concreto, constata-se que a parte suscitada pretende a averbação, junto ao 4º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo, do instrumento particular de alteração de contrato social da JS Oliveira Empreendimentos e Participações SC Ltda., formalizado em 27 de novembro de 2024, por meio do qual o espólio de Joaquim dos Santos Oliveira figuraria como único sócio (fls. 14/18).
Feita a qualificação registrária, o Oficial emitiu nota de devolução apontando a impossibilidade de o espólio figurar como sócio da pessoa jurídica, por não deter personalidade jurídica (fls. 06/07).
Pois bem.
O artigo 1.028 do Código Civil assim dispõe:
“Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido”.
Por sua vez, o artigo 1.031 do Código Civil preconiza:
“Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”.
É inafastável a aplicação do princípio da saisine, nos exatos termos do artigo 1.784 do Código Civil, já que, aberta a sucessão, a herança se transmite desde logo aos herdeiros, independentemente das previsões que constam do contrato social
Com efeito, não se pode confundir capacidade postulatória com capacidade jurídica. A capacidade postulatória refere-se à possibilidade de estar em juízo, pleiteando direito próprio ou defendendo-se contra pretensão de outrem. A capacidade jurídica, por seu turno, tem natureza material, vinculada à capacidade de ser parte em relação jurídica de direito material, tal como participar ou não de quadro societário.
Tais institutos, a rigor, não se confundem.
Nessa linha de ideias, o artigo 981 do Código Civil é expresso ao prever que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
À evidência, espólio não é sujeito de direito e deveres, porquanto sequer pode ser considerado é pessoa, não podendo celebrar contrato de sociedade ou nela figurar como sócio.
Na espécie, denota-se que o instrumento particular de alteração de contrato social da JS Oliveira Empreendimentos e Participações SC Ltda. foi formalizado posteriormente ao falecimento do sócio Joaquim dos Santos Oliveira e, por meio do ato, as cotas pertencentes aos antigos sócios José Manoel Mendes Fernandes e Antônio Josué dos Santos Oliveira seriam transferidas ao Espólio de Joaquim dos Santos Oliveira, de forma que o espólio permaneceria no quadro societário como único sócio.
Sucede que, como discorrido, o ingresso no quadro societário e a participação nas deliberações sociais dependem de ato de subscrição praticado por pessoa física ou jurídica, dotada de personalidade jurídica, não podendo o espólio atuar neste âmbito.
Na lição do eminente Desembargador Marcelo Fortes Barbosa Filho, em comentário ao artigo 1.028 do Código Civil:
“Assim, morto o sócio, propõe-se, como regra geral, o empreendimento de uma resolução parcial do contrato celebrado, provocando, na forma do disposto no art. 1.031, a liquidação isolada e singular de sua quota social. Aos herdeiros é atribuído, mediante a redução do capital social, o valor correspondente à quota do de cujus, preservado o restante. Apesar de desfalcado seu acervo patrimonial, a sociedade sobrevive. Há, porém, três circunstâncias exceptivas, perante as quais outra solução será adotada. Num primeiro plano, caso os sócios entendam ser inviável a manutenção do ajuste, a dissolução da sociedade e a extinção da pessoa jurídica serão irremediáveis, devendo ser sopesada, aqui, fundamentalmente, a importância da quota social ou, caso se trate de sócio de serviço, da atuação do falecido. Num segundo plano, podem já ter sido inseridas, no contrato social, com a finalidade de fornecer segurança quanto a futuros procedimentos, por meio de cláusula específica, regras concretas e incidentes, conforme a vontade coletiva consolidada, sempre diante da morte de um dos sócios, podendo-se imaginar, dentre as variações viáveis, a aquisição, por meio do pagamento de um valor fixo, da quota pelos demais sócios ou a amortização da quota, mediante a capitalização de reservas, pela pessoa jurídica. Num terceiro plano, os sócios remanescentes e os sucessores podem celebrar um acordo e viabilizar a admissão pura e simples de determinado sucessor ou de todos os herdeiros como sócios ou, ainda, de um terceiro, operando-se a substituição do falecido. Nos dois últimos casos, restará, enfim, mantida a integridade não somente da personalidade jurídica da sociedade, mas, também, do capital social.” (Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso, Ed. Manole, 2024, p. 963)
Nesse sentido, o parecer exarado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Paulo César Batista dos Santos, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Dr. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, nos autos do processo CGJ n. 1110650- 98.2017.8.26.0100:
“REGISTRO CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS. Pretensão de averbação de alteração contratual, para inclusão de espólio como sócio. Inviabilidade da averbação. As quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido agora integram a herança e foram transmitidas aos herdeiros. Impossibilidade de participação do espólio no quadro societário. Recurso desprovido”.
Finalmente, é importante destacar que, em caso de eventuais irregularidades na sociedade ou conflitos de interesses, a matéria deve ser debatida na via judicial, com respeito ao contraditório.
Portanto, mostra-se correta a nota devolutiva apresentada pelo Oficial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, 15 de abril de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta  – Juíza de Direito.

Fonte: DJE/SP – 23.04.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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CNJ: Conselho Nacional de Justiça democratiza e aperfeiçoa acesso a carreiras em cartórios e no Judiciário.


Imerso no universo dos cartórios, entre averbações e lavraturas, o bacharel em Direito François Thomas Penha, 30 anos, definiu como quer aplicar esse conhecimento no seu futuro profissional: tornando-se tabelião. Para alcançar o objetivo, o primeiro passo é a aprovação no Exame Nacional para Cartórios (Enac). O certame, criado por meio da Resolução CNJ n. 575, de agosto do ano passado, tem provas marcadas em todas as capitais brasileiras em abril deste ano.

A prova trouxe certa apreensão ao concurseiro fluminense. “É eliminatória e não classificatória. Se não passar, fico sem prestar os exames abertos pelos tribunais do país para cartórios”, lastima o estudante, que há quatro anos dá expediente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1.º Distrito de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

A Corregedoria Nacional de Justiça e as estaduais exercem papel de controle e regulamentação das atividades dos cartórios extrajudiciais, como notas e registros. Assim, são os tribunais que organizam concursos para titularidade de cartórios. A atividade assegura a idoneidade e a qualidade dos serviços notariais e registrais, como previsto na Constituição Federal.

A decisão de utilizar o conhecimento adquirido no dia a dia do trabalho na preparação teórica para prestar o concurso amadureceu à medida que aprendia tudo na prática. “Fiz o caminho contrário: passei a ter conhecimento concreto do que muitos colegas estudantes só veem nos livros”, disse.

Antes da decisão de continuar a carreira em cartório, François já tentou prestar concurso para o Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro e para a Defensoria Pública. Ele conta que havia estagiado nesses dois locais quando cursava a faculdade, mas a primeira oportunidade de emprego surgiu no cartório onde está até hoje. Além de ter gostado da área, percebeu que precisava manter o foco.

“Estudar para concurso é uma jornada árdua e de muita persistência. Se os objetivos não estiverem ajustados, fica ainda mais difícil”, avalia. Assim, desistiu de ingressar no Poder Judiciário para dedicar-se exclusivamente aos concursos para cartórios. “De preferência no Rio de Janeiro, onde pretendo continuar morando”, salienta. François pondera que o concurseiro precisa se dedicar a uma área específica. “Não dá para tentar se preparar para todas as carreiras ou não alcança nenhuma”, ensina.

Longa jornada

Para efetivar a Constituição Federal de 1988, que, no parágrafo 3.º do artigo 236, previu o ingresso na atividade notarial e de registro mediante concurso público de provas e títulos, o CNJ editou duas resoluções em 2009: a Resolução CNJ n. 80, que declarou a vacância de todos os serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais; e a Resolução CNJ n. 81, que estabeleceu os procedimentos e os critérios para a realização das provas.  

A tarefa de garantir a realização de concursos na forma constitucional foi concluída com a realização do primeiro certame em Alagoas, em 2024. “Foi uma longa jornada com muitas interrupções. Um concurso com judicialização imensa, com questionamentos administrativos. Foi preciso muita perseverança e a intervenção do CNJ para que pudéssemos concluir o certame”, destacou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal de Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, em novembro do ano passado, durante a proclamação do resultado do concurso.

Entre os 212 aprovados, está Bruno Felipe Arruda de Albuquerque. Ele endossa as palavras do ministro com sua experiência. Depois da frustração de ter se inscrito nas seleções anteriores abertas em Alagoas e que não tiveram prosseguimento, foi aprovado em quarto lugar pelo regime de cotas para deficientes e tomou posse no mês de janeiro.

Hoje à frente do 3.º Ofício de Notas de Maceió, Bruno não esconde a alegria pela conquista, depois de seis anos em que conciliou a jornada de trabalho com as horas dedicadas a estudar para concurso. Nesse caminhar, passou em cinco dos seis concursos para cartório que prestou, em variados estados brasileiros. “A condução do CNJ, ao assumir a realização do certame e designar a comissão examinadora, foi irretocável, com as etapas sucedidas rapidamente até o resultado final, divulgado um ano após o início do processo”.

Bruno Felipe é portador de visão subnormal e valeu-se de uma das iniciativas de promoção da equidade realizadas pelo Judiciário brasileiro para ingressar na carreira. O caminho trilhado por ele assemelha-se ao que percorre o escriturário François, de Angra dos Reis.

Assim como pretende o concurseiro fluminense, Bruno utilizou o conhecimento prático que acumulou atuando em serventias para enfrentar os exames. Em 2008, aos 16 anos, ingressou no primeiro emprego como jovem aprendiz em cartório de registro de imóveis de Recife. “Passava o dia escaneando fichas de matrícula e ia para a escola à noite”.

Essa vivência o alçou para o segundo emprego também em cartório. Dali, foi um passo para a aprovação no curso de Direito. “Ao longo da faculdade, o que antes nem se passava pela minha cabeça, por achar que seria intransponível pela falta de condição financeira, percebi que seria possível alcançar, aliando conhecimento prático com estudo”, conta.

Entusiasmado com a conquista alcançada, ele ficou ainda mais feliz ao descobrir que a serventia é a segunda mais antiga do estado, com 190 anos de história. “Há registros feitos à pena, transações de escravos e livros do I Império, do tempo de Dom Pedro I”, enumera.

Ao mesmo tempo que vibra com o acervo histórico, o cartorário planeja a digitalização dos arquivos, como prioridades, e a modernização do equipamento do cartório para oferecer atendimento eletrônico.

A personalidade irrequieta do tabelião de Maceió não sossegou seu espírito estudioso, tanto que continua prestando outros concursos. “Gosto muito de estudar e me desafiar sempre, apesar de estar muito satisfeito com essa colocação. Sinto que me preparei a vida toda para esse momento”, fala com firmeza.

Foco na magistratura

O gosto pelos estudos que Bruno Felipe não esconde também é compartilhado pelas concurseiras Cassia Ferraz e Mayara Santos do Nascimento. As duas são cariocas e estão empenhadas em abraçar a carreira jurídica no mesmo posto, como juízas.

A aprovação na segunda edição do Enam, aplicada em 20 de outubro de 2024, deu novo ânimo à Mayara, na jornada que ela trilha rumo à magistratura há 10 anos. Apesar da sua primeira reação ter sido negativa pela criação do exame prévio, atualmente ela avalia a iniciativa positivamente, com a perspectiva de que a prova objetiva substitua a primeira fase das seleções abertas por todos os tribunais, como já ocorre na corte estadual do Amazonas.

Acostumada a batalhar desde os 17 anos, hoje a analista da Defensoria Pública do Rio de Janeiro quer ingressar na magistratura primeiro por vocação. “Sou questionadora desde sempre, gosto de conversar, de ouvir os dois lados, do diálogo, sem falar que o nosso Judiciário precisa de maior representatividade”, defende como mulher negra que pretende contribuir com a sociedade. Ao lado do idealismo, não esconde o sonho em dar estabilidade financeira à família.

Em jornada semelhante, Cássia ainda não foi aprovada no Enam, mas, ao ser admitida como residente na 2.ª Vara Cível do Fórum de Leopoldina em 2024, reacendeu a chama que andava apagada em perseguir a carreira da magistratura. “É meu sonho desde a faculdade, mas acabei deslumbrada pelo dinheiro ao receber os primeiros salários ainda como estagiária e desvirtuei a rota”, fala. Recém-formada, foi contratada no escritório em que já trabalhava.

A satisfação pelo emprego conquistado durou pouco. “Era exaustivo, trabalhava até domingo, sem falar que o ambiente corporativo é inseguro”, relembra sem saudades. Cássia decidiu ingressar na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerg), mesmo trabalhando, para “pagar as contas”. Ao enfrentar o primeiro Enam, se deu conta de que o caminho seria longo até alcançar sua meta. “Vi que preciso estudar muito mais e passei a encarar como prova da Ordem dos Advogados do Brasil”, disse. Ela fez referência ao exame que os bacharéis em Direito precisam prestar para atuar como advogados.

Apesar de inicialmente ter criticado a criação do exame, atualmente avalia que o que sentiu foi um choque de realidade quanto ao modo como estava se preparando para o cargo. O trabalho no Fórum também tem contribuído para sua preparação. Depois do expediente, ela ainda consegue dedicar mais algumas horas ao estudo, na rotina que inclui os cuidados com a filha de seis anos, que está no espectro autista.

Aos aspirantes a concursos públicos, Cássia ressalta que é indispensável traçar uma estratégia, que não deixe de fora “dedicação, disciplina e organização”, enumera.

Disciplina

Mesmo sem conhecer a candidata a juíza, há seis anos David Duarte persegue o que dita a concurseira carioca. Ele mira ingressar na área de Comunicação Social em órgãos do Judiciário.

Formado em Publicidade, ele não esconde que quer atuar no sistema de justiça devido à melhor remuneração e à carga horária. Como sua área profissional não é atividade-fim da Justiça, as vagas são mais escassas, “mas há oportunidades”, fala com a convicção de quem tem em casa um exemplo para seguir. A esposa foi aprovada e assumiu como arquiteta no Ministério Público da União (MPU).

Para alcançar a meta, ele concilia o trabalho de carteira assinada com duas horas diárias de estudo. “Aos fins de semana, pego mais forte”, garante. O preparo é apoiado por aulas on-line oferecidas por cursos preparatórios. Confiante na sua dedicação, acredita que, em breve, será colega da esposa, como servidor público.

Este texto faz parte da série “CNJ 20 anos”, que será publicada ao longo dos próximos meses para mostrar os diversos públicos alcançados pelas ações do Conselho  

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Revisão: Caroline Zanetti
Arte: Robson Lenin Carvalho

Fonte: Conselho Nacional de Justiça.

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