* Milson Fernandes Paulin
Estabelece o Código Civil de 2002, em seu art. 2º, que A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. No mesmo diploma, o art. 496 preconiza que É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Diante desse quadro alinhavado, a doutrina tem pugnado pela obrigatoriedade do consentimento, a ser manifestado pelo representante do nascituro, sob pena de anulabilidade do ato. Sobre o tema, bem cabente é a lição de Adahyl Lourenço Dias:
[…] todas as vezes que nas relações de direito houver interesse da prole nas ligações com os genitores, irmãos, etc., não se pode ignorar o nascituro, o infans conceptus que a lei garante desde a concepção. […] a existência do infans conceptus em nada obsta a venda ao descendente pelo ascendente. Consentindo os demais, ao nascituro supre-se a incapacidade com a curadoria especial, designado em processo regular, semelhante ao do suprimento da incapacidade do menor. [1]
Perscrutando sobre a problemática, Sílvio de Salvo Venosa leciona que “Também ao nascituro deve ser dado curador especial, pois, podendo ser herdeiro, até mesmo testamentário, pode ser prejudicado pela compra e venda em questão”. [2] Não dessemelhante, a propósito, é o raciocínio de Carlos Roberto Gonçalves:
Se um dos descendentes é menor, ou nascituro, cabe ao juiz nomear-lhe curador especial (CC, art. 1.692), em razão da colidência de interesses. Verificada a inexistência de propósito fraudulento, este comparecerá à escritura, para anuir à venda em nome do incapaz. Se a hipótese é de recusa em dar o consentimento, ou de impossibilidade (caso do amental), pode o ascendente requerer o suprimento judicial. Será deferido, na primeira hipótese, desde que a discordância seja imotivada, fruto de mero capricho, malgrado respeitáveis opiniões em contrário, baseadas na inexistência de permissão expressa. [3]
De perceber, portanto, que, com a regra do art. 496, do CC/2002, quer o ordenamento evitar a celebração de contratos de compra e venda teratológicos entre ascendente e descendente, em detrimento dos demais descendentes, inclusive com relação àqueles descendentes já concebidos, porém, ainda não nascidos. Referida restrição, diga-se de passagem, caminha em prol da família, da moralidade e da eticidade, cânones estes tão caros ao nosso Ordenamento Civil-Constitucional. Pertinente, a propósito, o seguinte julgado proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerias:
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO – VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTES – NECESSIDADE DE ANUÊNCIA EXPRESSA DE TODOS ESTES – NASCITURO – DIREITOS PATRIMONIAIS RESGUARDADOS PELA LEI – POSSIBILIDADE DE PREJUÍZO À SUA LEGÍTIMA – ANULABILIDADE.
A anuência expressa de todos os descendentes é exigência legal à alienação de bens do ascendente para um deles, conforme disposição contida no artigo 1.132 do Código Civil de 1916, com correspondência ao artigo 496 do atual diploma.
Além dos direitos da personalidade, também os interesses patrimoniais do nascituro são resguardados pela lei, ainda que de forma meramente potencial, a ser consolidada caso ocorra o nascimento com vida.
Com o fito de resguardar a legítima do nascituro, evitando a simulação de negócio jurídico entre o ascendente e os demais descendentes que possa acarretar a diminuição de seu quinhão, impõe-se a anulação da alienação de cotas sociais levada a cabo sem a anuência expressa da representante legal daquele, regularmente autorizada por ato judicial. [4]
Assim, não só o descendente menor, o interditado e o ausente, mas também o nascituro, pelo fato de não poderem externar sua vontade, todos deverão ser representados por curador especial. O consentimento será expresso e, quanto à forma, deverá ser aquela exigida por lei, a depender do objeto do contrato, isto é, se bem imóvel (escritura pública), ou móvel (instrumento particular) – formalidade ad solemnitatem.
De aduzir, ademais, que a sobredita proibição não se restringe apenas à compra e venda, “alcançando também os institutos da permuta, da dação em pagamento e da cessão de direitos hereditários”. De modo que, encontrando-se grávida a genitora quando da instrumentalização de tais negócios, obrigatório se torna o consentimento do curador especial para fins de representar o nascituro.
Fonte: Notariado | 30/10/2014.
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[1] DIAS, Adahyl Lourenço. Venda a descendente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 280
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Manual dos contratos e obrigações unilaterais da vontade. São Paulo: Atlas, 1997, p. 39
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 213
[4] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Civil n. 2.0000.00.519783- 3/000(1). Rel. Elias Camilo. Julgamento: 25/05/2006. Publicação: 13/06/2006.
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* MILSON FERNANDES PAULIN
Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil no Município de Aracruz/ES
Vice-Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Espírito Santo
Pós-Graduado em Direito Notarial e Registral pela PUC/MG
Autor de obras e artigos em sites e revistas especializadas
Membro da União Internacional do Notariado – UINL
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