Planejamento da herança evita conflitos familiares

* ROGÉRIO PORTUGAL BACELLAR

Pensar o que pode acontecer com seus bens após a própria morte está longe de ser o assunto preferido dos brasileiros. No entanto, apesar de muitas pessoas ainda enxergarem a antecipação da herança e o testamento como sinônimo de morbidez ou de instrumento restrito para famílias que têm muito dinheiro, esse tipo de planejamento pode ser muito eficaz no futuro para evitar conflitos entre familiares.

Os bens podem ser transmitidos aos herdeiros de diversas maneiras, como doação ou testamento. Ambos os procedimentos também facilitam a elaboração do inventário, que é o instrumento utilizado para organizar a divisão patrimonial após a morte.

Quando é feita para filhos e cônjuge, a doação em vida funciona como uma antecipação da herança. Para formalizar o procedimento é preciso que todos os herdeiros estejam de acordo com a divisão pretendida. A doação deve ser formalizada no tabelionato de notas por meio de uma escritura pública, que precisa ser assinada por todas as partes. Quando se tratar de imóvel, é necessário ainda fazer o registro da matrícula do bem em um cartório de registro de imóveis.

O doador também pode optar por fazer a doação com reserva de usufruto, aconselhável para quem quer facilitar a elaboração do inventário e decidir em vida o destino dos bens, mas sem ficar desprotegido. O usufruto garante que os herdeiros não expulsem os moradores ou vendam o bem doado antes do falecimento.

Já o testamento, apesar de ser feito em vida, organiza como os bens serão divididos apenas após o falecimento do testador. O procedimento pode ser feito por qualquer pessoa com mais de 16 anos, independentemente da extensão do patrimônio, sem necessidade de um advogado. No Código Civil estão previstos três tipos de testamento: o particular, feito pelo próprio testador; o cerrado, que é um documento particular aprovado pelo tabelião de notas perante duas testemunhas e, então, é costurado e lacrado; e o público, feito e lavrado no livro do cartório.

É preciso destacar que mesmo quem planeja a sucessão não excluirá a necessidade de seus familiares abrirem o processo de inventário após o falecimento; no entanto, esse procedimento poderá ser simplificado. Havendo o testamento, é preciso que os familiares providenciem o registro do documento em juízo e então façam a abertura do processo de inventário, que nesse caso deverá ser judicial.

Proporcionado pela Lei n° 11.441/07, o inventário extrajudicial pode ser feito em tabelionato de notas depois de relacionados os bens, direitos e dívidas da pessoa, e a partilha do que foi relacionado. Para que o documento possa ser feito em cartório, ou seja, extrajudicialmente, é preciso que todos os herdeiros sejam maiores e capazes; deve haver consenso entre eles quanto à divisão estabelecida no inventário; não pode haver testamento; e a escritura deve ser feita com a participação de um advogado. Para os demais casos o processo deve ser judicial.

Uma curiosidade é que o testamento possui outras funcionalidades que muita gente não conhece. Além de decidir para quem deseja destinar seus bens após a morte, o testador pode ainda usar o testamento para declarar uma vontade, reconhecer dívidas, fazer uma confissão ou uma declaração e até mesmo reconhecer a paternidade de um filho. Dependendo das cláusulas adicionadas, o testamento também é capaz de evitar o comprometimento dos bens dos herdeiros por dívidas. Mesmo com o caráter de público, o documento só pode ser consultado e alterado pelo testador.

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* Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR).

Fonte: Gazeta do Povo I 07/11/2013.

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Casamento ou união estável? Escolha afeta divisão da herança

União estável nem sempre será melhor do que o casamento civil quando casal quer se desvincular de regras da partilha de herança; entenda por quê

São Paulo – O tipo de contrato firmado pelo casal para formalizar sua união pode ter inúmeras implicações legais. Sabendo disso, alguns têm optado por firmar um contrato de união estável, em vez do casamento civil, para evitar obrigações que teriam em relação à herança no caso da morte de um dos companheiros. Ocorre que, além de a união estável também atrelar os companheiros a uma série de regras sobre herança, algumas questões ainda não estão muito bem definidas e a Justiça pode ter diversas interpretações sobre a questão. Por isso, decidir entre casamento e união estável é muito mais complexo do que parece à primeira vista e nem sempre a união estável será o melhor caminho. 

A união estável

Na união estável, seja namorando ou casando apenas no religioso, não há mudança no estado civil do casal. Esta união também não exige formalidade para ser desfeita ou constituída. Em função disso, há espaço para uma larga discussão sobre o momento exato em que a união estável de fato começou. Isso pode ser crucial, por exemplo, quando um companheiro falece e o outro tenta provar na Justiça que tinha uma união estável, para obter sua parte na herança. 

Rodrigo Barcellos, sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, explica que a definição de quando começa a união estável é o que no âmbito jurídico se chama de matéria de fato, quando algo não é definido a partir da Lei, mas a partir de um histórico que deve ser narrado quando os direitos são pleiteados. “Quando a pessoa deixa de ficar e passa a namorar? Cada um terá uma resposta. O mesmo se dá com a união estável. Alguns falam que deixa de ser namoro para ser união estável quando a pessoa mora junto, mas outros falam que a união estável não ocorre só quando os companheiros coabitam, por isso, a questão vai ser definida caso a caso, é matéria de prova”, diz.

Segundo ele, em alguns casos pode ser fácil comprovar a existência da união estável, como quando o casal faz uma festa de casamento, mas em outros o processo pode ser mais complexo. 

Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) explica que a união estável também pode ser oficializada por meio de uma escritura feita em cartório e existe a possibilidade de definição de um regime de bens pelo casal. "Ao fazer o contrato de união estável, se o casal quiser, ele pode definir o regime de comunhão de bens, comunhão parcial de bens ou de separação de bens", afirma.

Discussões 

Uma das maiores discussões sobre as diferenças da união estável e do casamento civil é a questão da partilha da herança.

Segundo o artigo 1.790 do Código Civil: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente [que foram comprados] na vigência da união estável […]”. Ou seja, o companheiro terá parte na herança dos bens comuns comprados durante a união, mas não dos bens particulares, adquiridos pelo companheiro antes do casamento. “O Código Civil tratou o cônjuge de um jeito e o companheiro de outro no que diz respeito à herança”, diz Barcellos.

Fonte: Exame I 18/10/2013.

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Entrevista: dupla parentalidade

Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que  a existência de pai socioafetivo não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) em Rondônia comentou a decisão. Confira:

1) Na sua avaliação o entendimento do STJ de que a paternidade socioafetiva não pode ser imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o reconhecimento do vínculo biológico está correto?

Entendo que o posicionamento do STJ está correto porque o filho, embora tenha um pai registral tem direito de saber a sua origem biológica. Vemos no direito das famílias contemporâneo, novos arranjos familiares e novas formas de paternidade e maternidade. Decorrentes desse novos arranjos, dessas novas famílias, criam-se laços afetivos e situações inusitadas que tem desafiado os julgadores. A paternidade é exemplo desses laços.

Sabe-se que a paternidade, atualmente, exige mais que um laço de sangue, mais do que a procriação, é necessário sobretudo o vínculo afetivo e emocional, surgindo daí a figura da paternidade socioafetiva, na qual o pai reconhece como seu um filho não biológico. Todavia, uma vez instalada essa situação fática e jurídica, ela não constitui óbice ao filho que tem interesse em conhecer a sua origem biológica. Isso é uma realidade para a qual o direito e os julgadores não podem fechar os olhos.

Não podemos olvidar que é preciso buscar um direito próximo da realidade, ainda que a situação não esteja prevista no direito positivado. Ora, se é possível o reconhecimento de dupla maternidade porque não também da dupla paternidade?

Penso não ser razoável impor ao filho que escolha somente um daqueles que exercem a função de pai, não sendo razoável também admitir que um dos pais se sobreponha ou exclua o outro, e isso consiste em adequar o direito às novas realidades sociais.

Ademais, entendo que a paternidade socioafetiva pode conviver harmoniosamente com a paternidade biológica, não havendo óbice para que conste na certidão de nascimento o nome dos dois pais (socioafetivo e biológico).

Registro, no entanto, que a questão é nova, e merece uma análise mais acurada, devendo ser estudada e debatida pelos tribunais e operadores do direito, à luz dos novos paradigmas com os quais lida o direito de família atual.

2) Sendo reconhecida a paternidade biológica, teria esse filho o direito sucessório à herança dos pais, afetivo e biológico?

Uma vez reconhecida a dupla parentalidade, é indubitável que filho terá todos os direitos inerentes à filiação, inclusive os direitos sucessórios. Ora, se a pretensão é ter dois pais registrais, um socioafetivo e outro biológico, o reconhecimento não visa usurpar, mas sim ampliar direitos.

3) Na sua opinião quais princípios norteiam o reconhecimento da dupla parentalidade?

A pretensão do filho em saber a sua origem e a busca pelo reconhecimento do vínculo se coaduna com o princípio do melhor interesse, que visa a busca de soluções que representem maiores benefícios para a criança e adolescente, além do princípio da dignidade humana.

Fonte: IBDFAM I 21/10/2013.

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