Competência registral é discutida no Café com Jurisprudência

O Café com Jurisprudência reuniu mais uma vez registradores, advogados, estudantes, autoridades e convidados para discutir o tema “Sociedades simples e empresárias – competência registral”, no último dia 10, na Escola Paulista da Magistratura (EPM). Na mesa de debate estavam presente o advogado Marcelo Manhães, o juiz  Josué Modesto Passos, assessor da Seção de Direito Privado do TJSP, o desembargador do TJSP, Luís Paulo Aliende Ribeiro, e a juíza da 1ª Vara de Registros Públicos, Tânia Mara Ahualli.

Para abrir a exposição, o advogado Marcelo Manhães ressaltou que ao iniciar qualquer sociedade, o artigo 45 do código civil estabelece que uma sociedade passa a existir legalmente a partir da inscrição do ato constitutivo em um respectivo registro. No entanto, a grande discussão que entremeia o assunto é onde um contrato deve ser registrado e o que acontece no caso de um registro em local inadequado. Uma sociedade irregular deixaria de existir legalmente, haveria uma descaracterização da personalidade?

Marcelo Manhães explica que uma sociedade empresária é registrada em uma junta comercial, de acordo com o Art. 982 do Código Civil  (Lei  10406/02), já uma associação deve seguir para um Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, mas que também há dois outros tipo de registros que são mais confundidos, a Cooperativa e a EIRELLE (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), sendo que a primeira é responsabilidade da Junta Comercial, enquanto a última fica a cargo do cartório.

Alguns equívocos, segundo Manhães, ocorrem devido a falta de entendimento sobre o que diferencia uma sociedade simples de uma sociedade empresária. “O problema é o conceito, pois uma sociedade simples hoje é entendida como aquela que não envolve fatores de produção, com tecnologia, gestão e distribuição, ou seja, a atividade não é exercida como empresarial”.

O especialista exemplifica dois amigos dentistas que decidem atender pacientes, o que se trata de uma atividade intelectual, entretanto, se essa parceria passa a envolver mais pessoas, torna-se uma clínica, não mais um consultório, e outros serviços passam a ser oferecidos (diagnósticos), numa situação como esta não seria mais possível admitir o registro de sociedade simples.

A própria Junta Comercial também possui o enunciado 27, que esclarece não aceitar o registro de sociedades que exerçam atividade intelectual, científica, literária ou artística”, ressalta o advogado. Outra dificuldade citada, é a da qualificação que o próprio empreendedor informa na declaração. “Não existe como examinar se é verdadeiro ou não os dados. Direcionamos para o respectivo registro de acordo com o que está na declaração. Sendo assim, a responsabilidade recaí sob o próprio declarante, que se torna responsável pela autenticidade das informações apresentadas”.

Embora seja possível o cancelamento de um registro por meio de uma decisão de um juiz corregedor e a transição de uma associação educativa para uma sociedade,  o ideal, na visão do desembargador Luís Paulo Aliende, é que se encontre ferramentas, dispositivos jurídicos, que impeçam equívocos e também punam transgressões relacionadas às competências jurídicas.

Fonte: iRegistradores – ARISP | 15/05/2014.

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Cooperativas – segurança jurídica dos atos societários

* Armando Luiz Rovai

Repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização registral que tem como resultado a segurança jurídica.

Recentemente, o Brasil ficou na 116ª posição que mede a facilidade para se empreender, num rol de 189 países. Na América Latina, o país que mais se destacou foi o Chile, ficando em 34º lugar.

O Brasil precisa agilizar seus mecanismos de recepção de investimentos, a fim de tornar-se mais atraente para novos negócios. Não há mais espaço para burocracia ou entremeios desnecessários e ilícitos para agilização de serviços. Na prática, enquanto no Brasil se demora até 180 dias para abrir uma empresa, em países desenvolvidos, o mesmo trâmite ocorre em algumas poucas horas. Novos negócios estão sendo desperdiçados bem como empregos deixam de ser criados.

Evidente, pois, as dificuldades encontradas para se investir no Brasil. De outro lado, na contramão dos reais acontecimentos, assiste-se o Poder Público alardear perante a mídia que a desburocratização ocorrerá num futuro próximo, sempre através de atitudes pontuais e sem nenhum efetivo resultado prático – essa é a triste, nua e crua verdade.

Bem, mas não é esta a tônica que se pretende dar a este artigo; o que se quer abordar é outra questão que também merece destaque, trata-se da insegurança jurídica dos atos societários, no que toca ao registro das cooperativas.

Para a criação de sociedades empresárias e cooperativas e consequente desenvolvimento do Brasil, quem cria dificuldades desnecessárias burocratizando a atividade negocial logo no seu berço, com exigências desnecessárias é a junta comercial. As juntas comerciais deveriam, apenas, se prestar como órgãos destinados a auxiliar os empreendedores, economistas, contabilistas e advogados, como banco de dados, para o auxílio à atração de negócios, gerando maior segurança e efetividade às atividades empresariais. Contudo, na realidade atual, infelizmente, não é o que vislumbramos, sobrecarregando o já penoso custo Brasil.

Em outras palavras, as juntas comerciais, equivocadamente e extrapolando suas funções, entram no mérito das discussões societárias – muitas vezes apoiadas por suas consultorias. Não há uniformidade no registro societário, com decisões conflitantes e antagônicas, não raro em expedientes societários idênticos. Convive-se com um fator lotérico registrário.

Também no campo administrativo societário constata-se um evidente descaso à segurança jurídica. Falta uma melhor orientação às juntas comerciais, o que a rigor deveria cumprir ao DREI (antigo DNRC).

Um exemplo de descaso em relação à segurança jurídica é a Deliberação 12, ocorrida em 2012 na Junta Comercial do Estado de São Paulo. A Jucesp editou determinada deliberação que obrigou as cooperativas a se filiarem a uma entidade privada para continuar registrando seus atos e assim ter continuidade de sua pessoa jurídica.

Tal obrigatoriedade, além de ferir a Constituição Federal, contraria a lei 8.934/94 e o Decreto 1.800/96 – pois, extrapola os ditames legais do Registro Mercantil – esclarece-se que as juntas comerciais não podem exigir nada mais do que estiver exposto na Lei.

Ademais, a prática registraria demonstra que também e para piorar este quadro, não se cumpre o parágrafo único do art. 982 do Código Civil, impedindo-se que os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas possam registrar definitivamente as cooperativas. A lei diz que as sociedades simples vinculam-se ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro.

Também cumpre afirmar, neste sentido, que os instrumentos societários registrados em Cartório costumam ter maior segurança jurídica, uma vez que a tecnalidade de sua análise e o zelo pela legalidade tem superior rigor entre os registradores civis do que entre as juntas comerciais.

Por exemplo: está ficando comum, cada vez mais, que as juntas proponham "ex officio" revisão administrativa de arquivamentos societários de contratos anteriormente e validamente registrados. Essas revisões administrativas se lastreiam no controle material dos atos societários, entrando no mérito das relações entre os sócios, muitas vezes deliberatórias ou até mesmo de cunho pessoal.

As juntas consideram erroneamente que qualquer ato pode ser desarquivado, pouco importando se geraram ou não efeitos, assim como desconsiderando todos os possíveis contratos entabulados com terceiros ou mesmo a publicidade, a eficácia ou a segurança que seu registro gerou.

Refogem às atribuições do registro os conflitos dos sócios ou de mérito deliberatório. A função jurisdicional e contenciosa do registro contraria a lei e não contribui para o desenvolvimento da atividade negocial.

Repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização registral que tem como resultado a segurança jurídica e, via de consequência, a redução do "custo Brasil".

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* Armando Luiz Rovai é professor de Direito Comercial – Mackenzie e PUC/SP. Ex-Presidente da Junta Comercial de SP.

Fonte: Migalhas | 01/03/2014.

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O registro das pessoas jurídicas

* Vitor Frederico Kümpel 

É de conhecimento geral que, com a adoção da Teoria Afirmativista da Realidade Técnica (art. 45 do Código Civil), as pessoas jurídicas coexistem com as pessoas naturais, conforme também preceitua o artigo 1º do Código Civil, sendo, porém imprescindível, para referida existência, o registro dos atos constitutivos. De acordo com Pontes de Miranda1, as pessoas jurídicas, são criações do Direito. É o sistema jurídico que atribui direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções a entes humanos ou a entidades criadas por esses, bilateral, plurilateral (sociedade, associações), ou unilateralmente (fundações). Para que os atos jurídicos constituintes de pessoas jurídicas possam ser reconhecidos e ter efeitos sobre a sociedade, é necessário que estes sejam registrados, daí então surge a necessidade do registro civil de pessoas jurídicas.

As pessoas jurídicas podem ter seus registros realizados no Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial. A obrigatoriedade do registro em uma dessas entidades não só garante a existência, mas também a regularidade e o ato de registro determina a natureza civil ou empresarial do ente em questão.

Desde cedo surge uma diferenciação entre as entidades regidas pelo Código Civil e as regidas pelo Código Comercial, lembrando que, historicamente, existia o Código Comercial de 1850 e só posteriormente o Código Civil de 1916. Na época, a diferenciação entre as sociedades civis e empresariais era mais emblemática e necessitava da sua prévia compreensão para o seu regular registro.

Essa diferenciação ganhou uma nova roupagem com as disposições do Código Civil de 2002. Muita dúvida houve no que toca a classificação e diferenciação entre sociedade civil e empresarial, mas de toda a sorte, o Código Civil atual unificou a codificação civil e comercial (empresarial) tanto no que diz respeito às pessoas, quanto no diz respeito aos contratos.

Abandonou-se o conceito utilizado pelo sistema francês, que diferenciava as sociedades comerciais das demais apenas por meio de uma análise do objeto social. De acordo com o novo ordenamento civil, a diferença entre as sociedades civil e empresarial não reside no objeto social, pois ambas realizam atividades econômicas, o que as diferencia é, portanto, a estrutura, ou seja, é a funcionalidade, que pode ser entendida até mesmo como o modo de atuação.

Como regra, é possível considerar que todas as sociedades que tiverem objeto civil são tidas por "simples" (art. 982, caput, CC), exceto se tiverem "por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro", restritas, as hipóteses, de forma vinculada, àquelas atividades meramente organizacionais dos meios de produção (art. 966, CC).

Quanto às sociedades civis, seu registro deve ser realizado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, que é uma das espécies de Registros Públicos que, assim como as demais espécies, tem como finalidade garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme previsão legal2. Em seu artigo intitulado Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o dr. Paulo Roberto de Carvalho Rêgo versa sobre o assunto e ainda nos fornece uma excelente introdução histórica sobre o tema.

Foram as Ordenações Filipinas, de 1603, o documento que primeiro fez referência às sociedades civis e como estas seriam regulamentadas no Brasil. Essas ordenações, no entanto, ainda não atribuíam personalidade jurídica às sociedades civis, mas apenas constituíam um a vínculo contratual entre os sócios. Não existia ainda a separação que hoje se faz entre o patrimônio dos sócios e da empresa.

Em 1º de janeiro de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, surgiu a necessidade de adaptar as normas que se referissem ao tema disposto pelo então Novo Código. Foi o decreto-lei 12.343, de 1997, que trouxe consigo Instruções para a Execução Provisória do Registro Público, cujo objetivo era autenticar e validar os atos realizados pelos registradores, enquanto ainda não houvesse Lei específica sobre a matéria. Foi devido ao Código Civil de 1916, portanto, que a personalidade jurídica passou a ficar em evidência. Atualmente, é a lei dos registros públicos, lei 6.015 de 1973, que versa sobre a matéria e sobre o registro das pessoas jurídicas e das sociedades civis. Em seu capítulo II ficou expressa a responsabilidade de o RCPJ registrar as sociedades, fundações e partidos políticos, entre outros.

Já no que se refere às sociedades empresariais, no entanto, o registro ficou sujeito aos termos previstos pelos órgãos específicos que cuidam e regulamentam o Direito Comercial no Brasil, como veremos mais adiante.

Para que seja realizado o exercício da atividade empresarial, seja por pessoa natural, seja por pessoa jurídica, pressupõe-se a necessidade de registro específico e correspondente, que será justamente a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 967, CC), conforme previsão legal também da lei 8.934 de 1994 que reviu toda a matéria de Registros Públicos de Empresas Mercantis.

Para regular tais registros e outras funções relacionadas à atividade comercial no Brasil, criou-se o Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis do Comércio (SINREM). O Órgão central do SINREM é o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) que possui como principais funções a supervisão, orientação e normatização, no plano técnico; e supletivamente, no plano administrativo. Em cada uma das unidades da Federação, ou seja, em cada um dos Estados, existem ainda as Juntas Comerciais, que são atribuídas de funções de execução e administração dos serviços de registro.

As juntas comerciais são, portanto, subordinadas tecnicamente ao DNRC, e tem como principal finalidade é efetuar os registros pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. É na junta comercial, por exemplo, que deve o empresário individual fazer a sua inscrição, bem como a sociedade empresária arquivar seu contrato social, além disso, também é na junta comercial que se registra alterações na pessoa jurídica, como endereço, capital social, objeto social, troca de sócios (quando sociedade empresária). Pode-se também alterar a natureza jurídica da empresa, seja de empresário (antiga firma individual) para sociedade limitada ou vice-versa.

Percebe-se, então, que desde sempre houve uma diferenciação entre as pessoas jurídicas de natureza civil e as pessoas jurídicas de natureza comercial. Tal separação é justificada pela separação de matérias que compunham o Código Civil 1916 e o Código Comercial de 1850. Ainda que muito tenha sido mudado com as inovações trazidas pelo Código Civil atual, desde muito em vigor, restam ainda alguns resquícios e alguns hábitos e práticas do século passado, a exemplo da separação do registro de sociedades civis e empresariais.

Entende o Conselho Superior da Magistratura paulista que cabe ao RCPJ registrar pessoas jurídicas de direito privado, com exceção da sociedade empresária, que tem assentamento perante o Registro Público de Empresas Mercantis, cujo registro fica a cargo da Junta Comercial, órgão estadual, sendo regido pela lei 8.934/94, regulamentada pelo decreto 1.800/96.

Questões remanescentes ainda existem sobre o órgão que deve ficar responsável pelo registro de cooperativas que, de acordo com o Código Civil, são sociedades simples. Assim, como houve mudança do regime jurídico, deveriam estar sendo assentadas perante o RCPJ. Todavia, continuam sendo registradas perante a Junta Comercial, em razão do disposto no artigo 1093 do Código Civil, combinado com o artigo 18 da lei 5.764/71 (lei do cooperativismo). Existe posicionamento da doutrina que nos dois sentidos, da manutenção do registro como é feito agora e das mudanças devido à classificação das cooperativas como sociedades simples.

Como vimos até agora, a questão do sistema dicotômico atual está enraizado na história do sistema jurídico pratico. Na próxima oportunidade, procuraremos abordar acertos e desacertos da unificação das pessoas jurídicas de Direito Privado num único sistema registral, para bem da própria sociedade.

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

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1SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Associações e Fundações no RCPJ. Disponibilizado no Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.

 

2; Art. 1º da lei 6.015/73, lei dos Registros Públicos.

 

Fonte: MIgalhas I 15/10/2013.

 

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