CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Compra e venda de imóvel loteado, com cessão do loteamento – Possibilidade, em tese – Ausência, porém, de prova do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” – Necessidade, ademais, de apresentação dos documentos pessoais do cessionário do loteador, previstos no artigo 18 da Lei nº 6.766/79 – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.221-6/8, da Comarca de ITAQUAQUECETUBA, em que é apelante OSNAIDE JORGE PRIMO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores VIANA SANTOS, Presidente do Tribunal de Justiça, e MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 13 de abril de 2010.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Compra e venda de imóvel loteado, com cessão do loteamento – Possibilidade, em tese – Ausência, porém, de prova do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” – Necessidade, ademais, de apresentação dos documentos pessoais do cessionário do loteador, previstos no artigo 18 da Lei nº 6.766/79 – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Osnaide Jorge Primo contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada em razão da recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil da Pessoas e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaquaquecetuba em promover o registro de escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 12.687 do Registro de Imóveis de Poá, em que registrado o loteamento “Jardim Tamem”, porque os lotes somente podem ser vendidos separadamente e porque não foi comprovado o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”.
O apelante alega, em suma, que a compra e venda abrangeu a totalidade do imóvel loteado, como permite o artigo 29 da Lei nº 6.766/79, razão pela qual o adquirente sucedeu ao loteador em todos os direitos e obrigações. Assevera que a aquisição da propriedade loteada não se confunde com a dos lotes que, por sua vez, não foram alienados separadamente pelo loteador original. Esclarece que o adquirente assumiu perante a municipalidade, de forma expressa, todos os encargos decorrentes do loteamento, o que permite o registro pretendido. Afirma, por outro lado, que a escritura de compra e venda foi lavrada em 10 de outubro de 1997 e que em razão da prescrição qüinqüenal não está obrigado a guardar e exibir o comprovante do pagamento do imposto de transmissão “inter vivos”. Requer a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro da compra e venda. A douta Procuradoria Geral de Justiça, ressalvando a possibilidade da compra e venda recair sobre a totalidade do imóvel loteado, opina pelo não provimento do recurso porque não foi comprovado o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”.
É o relatório.
A dissensão entre o apelante e o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itaquaquecetuba versa sobre a natureza do negócio jurídico celebrado pelas partes da escritura pública de compra e venda, uma vez que para o primeiro a alienação abrangeu o próprio imóvel loteado, com substituição da figura do loteador, ao passo que para o segundo disse respeito aos lotes isoladamente considerados, sem, portanto, implicar na cessão da posição do loteador.
Com efeito, o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, em razão da ausência da expressão “cessão de direitos sobre o loteamento” na escritura pública, entendeu que a compra e venda incidiu sobre cada um dos lotes isolados, ficando, portanto, mantida a condição de loteador pelos alienantes. Nesse sentido, consta na suscitação da dúvida que:
“(…) outra circunstância seria se a escritura tratasse de cessão de direitos sobre o loteamento,o que ensejaria, também, ato de averbação, e obrigaria a apresentação de todos os documentos de natureza pessoal em nome do cessionário, nos termos do artigo 18 da Lei 6.766/79, o que não é o caso;” (fls. 04).
Contudo, apesar da ausência da expressão “cessão de direitos sobre o loteamento”, a escritura pública de compra e venda permite entender que a real vontade das partes consistiu na transmissão do próprio loteamento ao comprador, com sub-rogação dos direitos e deveres do loteador original.
Assim porque apelante e sua mulher, Tamem Mussi Jorge, por meio da escritura pública de compra e venda lavrada às fls. 065/069 do Livro nº 227 do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Guaianazes, Comarca de São Paulo, venderam para Luiz Herrera, casado com Juraci Bergamini Herrera, o imóvel consistente em:
UM TERRENO, situado no Bairro do Pinheiro ou Pinheirinho, loteamento denominado JARDIM TAMEM, no Município de Itaquaquecetuba, Comarca de Poá, deste Estado, consistente em 17 (dezessete) quadras, a saber: (…)” (fls.06-verso).
Além disso, as partes fizeram constar da escritura de compra e venda: “Que o loteamento foi havido pelos vendedores conforme escritura do 2. Tabelião de Poá, deste Estado (…)” (fls. 09) e, também, que: “(…) pelo outorgado comprador em foi dito que assume e se compromete a realizar todas as benfeitorias no loteamento acima mencionado, concordando com a caução averbada sob n. 08 na matrícula n. 12.487 do Registro de Imóveis de Poá” (fls. 09/10).
A indicação de todo o imóvel loteado como consistente na coisa que foi vendida e a assunção, pelos adquirentes, das obrigações próprias do loteador, consistentes na realização das benfeitorias no loteamento que, observa-se, são as obras de infra-estrutura previstas no respectivo projeto, permitem reconhecer que a compra e venda abrangeu a cessão do loteamento, com intenção de substituição do loteador original pelo adquirente da propriedade loteada (artigo 29 da Lei nº 6.766/79).
Excluem-se da compra e venda celebrada, por certo, as áreas que passaram ao domínio público em razão do registro do loteamento (artigo 22 da Lei nº 6.766/79), o que não altera a natureza do negócio jurídico consubstanciado na escritura pública apresentada para registro.
Por outro lado, como bem afirmou o douto Procurador de Justiça em seu r. parecer, o fato da compra e venda ter abrangido todo o imóvel loteado não implica na necessidade de especialização, com descrição de sua área, porque já realizado o registro do loteamento na matrícula nº 12.687 do Registro de Imóveis de Poá (fls. 11/13).
Isso, contudo, não permite, no presente caso concreto, o registro da compra e venda e a averbação da cessão do loteamento.
Primeiro porque não consta na escritura de compra e venda que foi exibido pelas partes, ao Tabelião de Notas, o comprovante de pagamento do imposto de transmissão “inter vivos”, nem se encontra o traslado apresentado para registro instruído com esse documento.
A prova do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”, porém, é requisito previsto nos artigos 289 da Lei nº 6.015/73 e 30, inciso XI, da Lei nº 8.935/94, e não pode ser dispensada (cf. CSM, Apelação Cível nº 579-6/3, da Comarca de Ribeirão Pires, de que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas).
Essa exigência, por sua vez, não é afastada pela alegação de prescrição porque o procedimento de dúvida tem natureza administrativa e não se presta para sua a declaração, até porque dele não participa o credor tributário. Nesse sentido foi o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 551-6/6, da Comarca de São Bernardo do Campo, de que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, assim fundamentado:
Ademais, a prescrição e a decadência de tributos podem ser reconhecidas somente na via jurisdicional, pois extrapolam os estreitos limites deste procedimento administrativo de dúvida registrária. Assim decidiu este Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 000.460.6/0-00, “verbis”: Registro de imóveis – Dúvida julgada improcedente – Formal de partilha – Inexistência de prova do recolhimento do imposto de transmissão “causa mortis” – Prescrição do imposto que não pode ser reconhecida neste procedimento de dúvida, de que não participa a Fazenda do Estado – Provas, ademais, insuficientes para reconhecer a inexistência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição – Recurso provido para julgar a dúvida procedente.
(…)
Ao oficial de registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, e dentre estes impostos se encontra o de transmissão “causa mortis”, cuja prova do recolhimento, ou isenção, deve instruir o formal de partilha.
Inexistente tal prova, correta a recusa manifestada pelo Sr. Oficial ao registro do título porque não tem, entre suas atribuições, a de reconhecer prescrição de crédito tributário. Neste sentido o seguinte trecho do v. acórdão prolatado por este C. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 154-6/4, da Comarca de Lorena, que relatei:”O art. 289 da Lei de Registros Públicos é categórico ao estabelecer que “cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.
Por outro lado, não lhes compete, evidentemente, o reconhecimento de eventual prescrição de créditos tributários, matéria estranha, de todo, à atividade registrária. Cogita-se de questão que só pode ser objeto de discussão e decisão em esfera própria, a qual, sem dúvida, não coincide com o restrito âmbito de atuação dos registradores”.
É inviável, ademais, o reconhecimento da prescrição neste procedimento de dúvida porque, a par da natureza administrativa, dele não participa o credor tributário que é o titular do direito cuja pretensão a apelada pretende seja declarada extinta
”.
Ademais, a transferência da propriedade por ato “inter vivos” decorrerá do registro da compra e venda (artigo 1.245 do Código Civil), o que impede o reconhecimento da prescrição do imposto que tem nessa transmissão o seu fato gerador.
Por seu lado, o registro do loteamento tem como requisito o atendimento dos diferentes requisitos, de ordem urbanística e de outra ordem jurídica, previstos na Lei nº 6.766/79.
Entre os requisitos de ordem jurídica distintos daqueles de ordem urbanística se encontra a comprovação, pelo loteador, de que não são movidas ações reais relativas ao imóvel, nem lhe são movidas ações penais e pessoais que possam atingir os futuros adquirentes dos lotes e, desse modo, comprometer o sucesso do empreendimento (artigo 18, inciso III, alínea “b”, e inciso IV, alíneas “a” a d” da Lei nº 6.766/79).
O loteador, por iguais razões, deve apresentar as certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais relacionadas no artigo 18, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 6.766/79.
E o cessionário do loteador por ato “inter vivos”, porque assumirá sua posição jurídica, deve, de igual forma, comprovar o atendimento dos requisitos que lhe são inerentes.
Cuida-se, destarte, de exigência que, além de já antevista pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Itaquaquecetuba (fls. 04), tem sua razão de ser na proteção dos futuros adquirentes dos lotes, o que será feito, conforme o teor das certidões que forem apresentadas, pela recusa do registro do loteamento (ou, no presente caso concreto, de sua cessão), ou mediante arquivamento de documentos que permitirão aos interessados conhecer a situação jurídica daquele que assume a posição jurídica de loteador e aquilatar os riscos decorrentes de eventuais ações, pessoais ou penais, que forem movidas (artigos 18, parágrafo 2º, e 24, ambos da Lei nº 6.766/79).
A admissão da cessão da posição do loteador sem a apresentação e qualificação dos documentos pessoais do cessionário, previstos no artigo 18 da Lei nº 6.766/79, ademais, permitiria, em tese, que eventual pessoa impedida de lotear se tornasse loteador pela aquisição de imóvel objeto de parcelamento do solo urbano já registrado, o que é vedado pelo artigo 166, inciso VI, do Código Civil que prevê a nulidade de negócio jurídico que tiver por objetivo fraudar lei imperativa.
Por fim, o loteamento em tela foi registrado, na matrícula nº 12.867 do Registro de Imóveis de Poá em 25 de janeiro de 1985 (fls. 12), ao passo que na escritura pública de compra lavrada em 10 de outubro de 1997 constou a assunção, pelo comprador, da obrigação de promover as obras do loteamento, embora já ultrapassado, naquela ocasião, o prazo do artigo 18, inciso V, da Lei nº 6.766/79.
Em razão disso, a averbação da cessão da posição do incorporador, ainda neste caso concreto, não prescinde da comprovação, mediante termo expedido pela Prefeitura Municipal, de que foram realizadas as obras a que se refere o artigo 18, inciso V, da Lei nº 6.766/79.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O

Trata-se de recurso interposto por Osnaide Jorge Primo contra a r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Comarca de Itaquaquecetuba, que recusou o registro de compra e venda de imóvel loteado, objeto da matrícula nº 12.687, na medida em que os lotes devem ser objeto de alienação própria, além de que se faz necessária a comprovação do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”.
Sustenta a recorrente, em suma, que o objeto da alienação refere-se à totalidade do imóvel, sendo certo que tal negócio não envolve os demais lotes, separadamente considerados. Acrescenta que os encargos oriundos da alienação foram assumidos pelo adquirente. Aponta, ainda, a ocorrência da prescrição qüinqüenal, razão pela qual não está obrigado a apresentar os comprovantes de recolhimento do imposto respectivo, posto que a escritura de compra e venda fora lavrada em 10 de outubro de 1997.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso, pela ausência do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”.
É o breve relatório.
Acompanho o nobre Relator, o recurso não comporta provimento, conforme ressaltou.
Por proêmio, cumpre ressaltar que, a despeito de não ter constado na escritura de compra e venda que o negócio jurídico envolveu “cessão de direitos sobre o loteamento”, em verdade, da leitura deste documento, infere-se que se buscou com a alienação, a transmissão do loteamento ao adquirente, com sub-rogação dos direitos e deveres do loteador original.
De outra parte, quanto à necessidade de especialização, a despeito do negócio jurídico envolver o imóvel loteado, tal providência é dispensável, na medida em que a descrição da área foi efetiva no registro do loteamento na matrícula nº 12.687 do Registro de Imóveis de Poá, sem que, contudo, in casu, possa ser realizado o registro da compra e venda e a averbação da cessão de loteamento.
Quanto ao recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”, é exigência prevista no artigo 289 da Lei nº 6.015/73, bem assim, no inciso XI, do artigo 30, da Lei nº 8.935/94, não podendo ser reconhecida a ocorrência da prescrição no estrito âmbito das dúvidas registrárias, a uma porque possuem natureza administrativa e, a duas, porque não há intervenção do credor tributário, sem se olvidar de que o fator gerador decorre do registro da compra e venda.
Acrescenta-se, ainda, que, na espécie, tanto o loteador quanto o seu cessionário, devem apresentar certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais, nos termos do que dispõe o artigo 18, III, “a”, da Lei nº 6.766/79.
Em arremate, nota-se o descumprimento do prazo previsto no artigo 18, V, da Lei n. 6.766/79, porquanto registrado o loteamento aos 25 de janeiro de 1.985, lavrou-se a escritura pública de compra e venda apenas em 10 de outubro de 1.997, situação que condiciona a averbação da cessão da posição do incorporador à apresentação de termo de que foi cumprido o disposto no artigo 18, V, da Lei nº 6.766/79, expedido pela Prefeitura Municipal.
Desse modo, não se poderia adotar solução diversa da oferecida pelo ilustre Relator, segundo anotado.
(a) MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. (D.J.E. de 01.06.2010)

Fonte: Blog do 26 | 14/05/2014.

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CGJ/SP: RUBRICA. Não é exigida pela lei e NSCGJ – Dispensa.

Acórdão – DJ nº 0026786-24.2013.8.26.0100 – Apelação Cível

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0026786-24.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante YK – REDE PARK ESTACIONAMENTO LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.    

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0026786-24.2013.8.26.0100

Apelante: YK – Rede Park Estacionamento Ltda.

Apelado: 1o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Voto nº 33.958

REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de locação – Exigência de rubrica da locadora nas páginas do contrato – Desnecessidade – Exigência que não encontra respaldo na Lei nº 6.015/73 nem nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Assinatura da locadora devidamente reconhecida por notário – Recurso provido

Trata-se de apelação interposta por YK – Rede Park Estacionamento Ltda. contra a r. decisão de fls. 61/63 que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital e manteve a recusa do registro do contrato de locação por meio do qual Terezinha Soares de Araujo aluga à apelante o imóvel situado na Ruas Humberto I, n. 217.

Aduz, em suma, que a recusa deve ser afastada porque a assinatura de locadora no contrato está reconhecida por notário; a Lei nº 6.015/73, especialmente o art. 169, III, não veda o registro de instrumento particular que não esteja rubricado em todas as suas folhas; a boa-fé se presume; os requisitos formais foram atendidos; a locadora tinha inteiro conhecimento do teor do contrato; o contrato foi redigido pela procuradora da locadora, que o ratificou como testemunha; a locadora é morta e seus herdeiros não querem assinar o contrato porque já alienaram o imóvel.

Contrarrazões às fls. 197

A Procuradoria Geral de Justiça pugnou pelo não provimento do recurso (fls. 203/205).

É o relatório.

A despeito dos argumentos da r. decisão e das jurídicas ponderações da Procuradoria Geral de Justiça, o recurso comporta provimento.

A Lei de Registros Públicos disciplina os documentos que são admitidos a registro em seu art. 221:

Somente são admitidos registro:

II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;

Como se vê, a Lei de Registros Públicos não faz menção à rubrica das partes ao longo do contrato; apenas exige que o documento esteja assinado com as firmas reconhecidas.

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça reproduzem, no item 102, o teor do art. 221 supra:

Somente serão admitidos a registro:

b) escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento de firma quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH)

Assim, embora altamente recomendável, não há exigência – legal ou normativa – de que o instrumento particular esteja rubricado por aqueles que participaram do negócio jurídico.

A única exigência legal e normativa incidente no caso, portanto, era o reconhecimento das firmas das partes, o que restou devidamente atendido como se pode verificar na última folha do contrato, em cujo verso consta o reconhecimento da firma da locadora Terezinha Soares de Araujo pelo 11º Tabelião de Notas da Capital (fls. 30/31).

A consideração de que a assinatura da locadora foi aposta em local não usual é subjetiva e escapa do âmbito da qualificação registral. Assim, eventual suspeita de falsidade – vício de natureza intrínseca do título – deve ser discutida nas vias próprias por quem se sentir prejudicado.

Verifica-se, assim, que a exigência é desprovida de amparo legal ou normativo e, por isso, deve ser afastada, a despeito do zelo do Oficial de Registro de Imóveis.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro do título.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: TJ/SP | 25/03/2014.

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Artigo – O pacto antenupcial de separação de bens quando os nubentes estão sujeitos à separação obrigatória de bens – Por Letícia Maculan

* Letícia Maculan

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

Nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme estabelece o art. 6º da Lei 8.935/94.

É indispensável o pacto quando os nubentes querem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil. 

O pacto não é necessário quando as partes pretendem se casar pelo regime da comunhão parcial ou nos casos da separação obrigatória, pois ambos os referidos regimes decorrem de lei.

A questão a ser analisada neste artigo é a possibilidade da lavratura de pacto antenupcial nos casos em que a lei determina a aplicação do regime da separação obrigatória de bens e o regime que deveria constar no registro de casamento, lembrando que o referido registro é atribuição do Oficial do Registro Civil.

A pergunta é importante, pois os regimes de separação obrigatória de bens e de separação consensual de bens são diversos, de modo que é impossível constar no registro que o casamento estará regido pelo regime de separação obrigatória de bens e também que há pacto antenupcial de separação consensual de bens, por total incompatibilidade.

DAS DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS E DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL

Os regimes da separação obrigatória de bens e da separação consensual de bens são diversos.

Nos termos do art. 1641 do Código Civil de 2002, por razões de ordem pública, visando proteger o nubente ou terceiro, o legislador impôs a separação obrigatória de bens.

Determina o referido art. 1641:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Logo, as pessoas inseridas nas situações previstas no art. 1641 do Código Civil terão que suportar os efeitos da imposição legal do regime, já que o legislador excepcionou a regra da livre manifestação de vontade dos consortes, estabelecendo a separação compulsória de bens.

A primeira diferença entre os regimes é a questão sucessória. No caso de separação consensual de bens, a lei é clara ao afirmar que não há meação. Já na separação obrigatória, grande parte da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, entende ser ainda aplicável a Súmula 377 do STF, de modo que é devida a partilha igualitária do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento de outro.

O Superior Tribunal de Justiça publicou, nesse sentido, o acórdão cuja ementa abaixo se reproduz (no original não há grifos ou negritos):

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO.

1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.

2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.

3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso.

4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial.

6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC/02, correspondente ao art. 271, V, do CC/16, aplicável na espécie.

7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha.

8. Recurso especial de G. T. N. não provido.

9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido. (Processo REsp 1171820 / PR – RECURSO ESPECIAL 2009/0241311-6 – Relator Ministro SIDNEI BENETI (1137) – Relatora para Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI – Órgão Julgador -TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 07/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 27/04/2011 – LEXSTJ vol. 262 p. 149)

Outra diferença importante é a que se refere à necessidade ou não da outorga do cônjuge para a alienação de bens imóveis. A doutrina e a jurisprudência já se posicionaram no sentido de que o art. 1647 do Código Civil, ao dispensar a outorga do cônjuge para alienação de bens, abarcou apenas o regime da separação consensual, isso porque, em virtude da Súmula 377 do STF, o regime da separação obrigatória de bens não é de “separação absoluta”:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis

É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa abaixo se reproduz (sem grifos ou negritos no original):

Ementa: RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE. RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

2. Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF.

3. Casamento regido pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ.

4. Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária.

5. Interpretação do art. 1.647 do Código Civil.

6. Precedente da Terceira Turma deste Sodalício: "A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil." (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010).

7. Recurso especial improvido. (Processo REsp 1199790 / MG – RECURSO ESPECIAL 2010/0118288-3 – Relatora Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) – Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 14/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011 – RMDCPC vol. 40 p. 106)

Por fim, há diferença no que se refere à herança. No regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge não é herdeiro; já no regime da separação consensual de bens, o cônjuge é herdeiro, nos termos do art. 1829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (sem grifos ou negritos no original)

A corroborar o entendimento acima apresentado, há o recente acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cuja ementa abaixo se reproduz:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DIREITOS SUCESSÓRIOS – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 – INTERPRETAÇÃO – CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA – HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO – NECESSIDADE.

A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. (Processo: Agravo de instrumento 1.0701.13.009162-5/001, 0820985-66.2013.8.13.0000, Relator Desembargador Geraldo Augusto, DJe 12/12/2013)

Conclui-se que os regimes de separação consensual e de separação obrigatória de bens não se confundem, sendo somente o regime de separação consensual uma separação verdadeiramente absoluta, já que o regime da separação obrigatória, tanto em virtude da Súmula 377 do STF, quanto em decorrência do determinado no art. 1647 do Código Civil, não leva, na realidade, a uma separação de bens.

POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS DAQUELES QUE ESTÃO SUJEITOS, EM VIRTUDE DA LEI, AO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

Demonstrado, pois, que os regimes da separação consensual e da separação obrigatória não se confundem, resta examinar a possibilidade de opção pela separação consensual daqueles que, em virtude do determinado no art. 1.641 do Código Civil, teriam que se submeter à separação obrigatória.

A primeira questão a ser observada é que o objetivo da lei ao impor o regime da separação de bens é proteger o nubente ou terceiros.

Assim, se um casal opta pelo regime da separação consensual, que na realidade é o regime da separação absoluta de bens, não está sendo ferido o objetivo da lei, ao contrário, tal objetivo está sendo plenamente observado. O casal que se encaixa nosrequisitos do art. 1641 do Código Civil pode optar pelo regime da separação consensual, seja para evitar transtornos de anuência do cônjuge sempre que houver alienação de imóveis, seja para que cada um administre seus bens, seja ainda para proteger o patrimônio no caso de eventual separação, sem que haja, para eles ou para terceiros, qualquer prejuízo.

A segunda questão a ser analisada é o fato de existir questionamento sobre a constitucionalidade da separação obrigatória de bens, havendo grande tendência, pois, em ser declarada inconstitucional a imposição do referido regime. Em razão disso, pode ocorrer que um casal QUE EFETIVAMENTE QUEIRA A SEPARAÇÃO DE BENS, mas que não pôde escolhê-la por ter sido a ele imposta a separação obrigatória de bens, venha a ter também a separação obrigatória afastada, por inconstitucionalidade.

DO EXAME DA QUESTÃO EM CASO CONCRETO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA E PELA JUÍZA DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE BELO HORIZONTE

Em caso concreto ocorrido no Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte-MG, a Oficial, autora do presente artigo, apresentou à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos consulta sobre a possibilidade de opção de casal sujeito à separação obrigatória de bens pelo regime da separação consensual de bens.

A Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Douto Ministério Público, que assim se manifestou:

Através do presente procedimento, a Oficiala do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro formula "Consulta" à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos desta Capital, a respeito da possibilidade de se realizar sob a égide da Separação Consensual de Bens, em caso de obrigatoriedade de Separação de Bens, nos moldes do art. 1641 do Código Civil.

Conforme despacho de fls. 09, a Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Ministério Público, para que este requeira o que entender de direito.

É o breve relato.

A princípio, cabe esclarecer que, como bem salientou a Oficiala, os regimes da Separação Obrigatória de Bens e Separação Consensual são diferentes, em que pese haver, em regra, a não comunhão de bens do casal.

A Súmula 377 do STJ e o art. 1.647 do Código Civil, ambos em pleno vigor, são suficientes para demonstrar que a separação obrigatória de bens não é tida como um separação absoluta, ao contrário da Separação Consensual devidamente optada através de um Pacto Antenupcial.

Isto é, a Separação Consensual, por se tratar de uma separação absoluta, abarca os efeitos da Separação Obrigatória de Bens, nos moldes do art. 1.641 do Código Civil, não havendo razão para se preterir a Separação Consensual em face da Separação Obrigatória, se os nubentes pretendem que o casamento seja regido pela Separação Consensual.

Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens.

Após receber o Parecer Ministerial, a Exma. Juíza decidiu:

Vistos etc,

Defiro o pedido nos termos do requerimento da ilustre Oficial e do parecer ministerial. Deve ser ressaltado na certidão de casamento o regime de separação consensual de bens, pois resulta da incomunicabilidade pactuada dos bens adquiridos antes, na constância e após o casamento, de modo que os bens de cada cônjuge constituem acervos distintos. Vê-se que até mesmo os bens adquiridos durante a vigência do casamento figurarão. Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens".

CONCLUSÃO

Examinada a questão por todos esses ângulos, conclui-se que não há qualquer prejuízo para os nubentes ou para terceiros em se admitir que as pessoas às quais seria imposto o regime da separação obrigatória de bens optem pelo regime da separação consensual de bens. Também o objetivo da lei seria preservado, pois a separação consensual é MAIS AMPLA do que a separação obrigatória de bens.

Estaria, ainda, sendo observada a autonomia da vontade, garantindo àqueles que querem ter patrimônios SEPARADOS que assim ocorra, facilitando também a negociação de imóveis, se essa for a vontade dos nubentes, posto que a separação consensual de bens afasta a necessidade de outorga conjugal, o que não ocorre no regime da separação obrigatória de bens.

Ocorrendo tal opção pela separação consensual de bens, e sendo juntado aos autos do processo de habilitação para casamento o pacto antenupcial, deverá o Oficial do Registro Civil fazer constar que o regime do casamento é o da SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS, não podendo ser admitido que seja registrado “regime da separação obrigatória com pacto”, pois os regimes são diversos e a falta de clareza poderia levar a grandes transtornos para o casal. 

Apesar de a interpretação acima parecer ser a melhor, como não há lei expressa sobre a questão, cabe ao Oficial de Registro, diante de um caso concreto, consultar o Poder Judiciário, por meio do Juiz de Direito competente para Registros Públicos, a fim de que seja fixada a interpretação sobre o tema. 

Apesar de haver posicionamento isolado do Superior Tribunal de Justiça, no RESP 992749/MS, DJe 05/02/2010, no sentido de que tanto no regime da separação consensual quanto no da separação obrigatória o cônjuge não herda, não tem sido esse o entendimento da doutrina e jurisprudência majoritárias.

A consulta foi autuada sob o nº 8002126.84.2014.813.0024.

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Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro.
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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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