Jurisprudência mineira – Retificação de registro civil – Mulher acrescia o sobrenome do marido – Costume de época – Ausência de regra quanto a constar no registro

O sobrenome familiar não pode sofrer qualquer alteração, ainda que ao longo do tempo algum membro tenha feito uso de forma diferente.

– O art. 240 do Código Civil de 1916, antes das alterações do Estatuto da Mulher Casada e da Lei do Divórcio, compreendia o fato de que a mulher assumia o casamento com os apelidos do marido, fazendo-se costume a adoção do sobrenome do cônjuge varão.

– A Lei dos Registros Públicos não permite a alteração de grafia do sobrenome, ainda que o erro tenha sido utilizado em longo decurso de tempo, sob pena de prejudicar a identificação da estirpe familiar.

Apelação Cível nº 1.0433.12.036140-0/001 – Comarca de Montes Claros – Apelante: Therezinha Lopes – Relator: Des. Marcelo Rodrigues

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 5 de agosto de 2014. – Marcelo Rodrigues – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. MARCELO RODRIGUES – Cuida-se de apelação cível interposta por Therezinha Lopes em face da sentença de f. 39/41-TJ, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido na ação de retificação de registro para facultar à requerente o direito de alterar seu registro de nascimento para constar o nome de sua genitora com a grafia correta referente ao assento de casamento, indeferindo-se os demais pedidos em razão da ilegitimidade ativa.

Em suas razões de f. 45/51-TJ, a apelante alega que é parte legítima para pleitear as retificações com base no art. 109 da Lei 6.015, de 1973, e nos arts. 4º e 12 do Código Civil de 2002.

Aponta que sua genitora Geralda Ignácia de Senna, após o casamento, passou a utilizar o sobrenome "Lopes" do marido e a se identificar como Geralda de Sena Lopes.

Sustenta que a situação de fato deve ser espelhada nos registros de casamento e óbito, bem como seu registro de nascimento, para fins de possibilitar o prosseguimento do inventário e a transmissão da herança, devendo o nome ser grafado como Geralda Sena Lopes em todos os registros familiares.

Recurso sem preparo em razão da assistência judiciária.

O Ministério Público apresentou manifestação às f. 55/56-TJ.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou às f. 62/63-TJ.

É o relatório.

Presentes os seus pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de ação de retificação de registro civil pela qual Therezinha Lopes pretende que sejam retificados seu registro de nascimento, e os registros de casamento e óbito de sua genitora para constar a grafia do nome desta como Geralda Sena Lopes. 

Pois bem.

Em que pese os fundamentos da sentença, bem como as razões do Ministério Público, tenho que a sentença merece ser reformada.

De início, pode-se afirmar que a apelante é parte legítima para requerer a retificação do assento de seus ascendentes em qualquer situação, porquanto tem interesse diretamente relacionado à correta identificação de sua linhagem familiar, desde que demonstrados os requisitos dos arts. 109 e 110 da Lei 6.015, de 1973 (Lei de Registros Públicos).

É princípio do registro o direito ao sobrenome como relação de descendência familiar, motivo pelo qual todos os ascendentes e descendentes demonstram interesse que a unidade familiar permaneça representada da maneira mais fiel possível na cadeia de registros.

Eventual inexistência dos requisitos enseja a improcedência dos pedidos, lembrando sempre que se trata de ação de jurisdição voluntária, a qual faz apenas coisa julgada formal, conforme os arts. 1.103 e seguintes do Código de Processo Civil. No caso concreto, o desacerto da sentença está na questão histórica dos fatos.

O casamento da genitora da apelante foi realizado em 31.10.1925, na vigência do Código Civil de 1916, que em seu art. 240 dispunha que:

“Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família”.

À época desses fatos, não havia, na legislação referente aos registros públicos, a obrigatoriedade, ou melhor, a orientação de constar no assento de casamento a alteração do nome da mulher para assumir o sobrenome do marido, porquanto tal situação decorria da lei e dos costumes. 

Posteriormente, com a Lei 4.121, de 1962, denominado o Estatuto da Mulher Casada, o art. 240 foi alterado para fixar a obrigação da mulher em acrescer os apelidos do marido:

“Art. 240. A mulher assume, com o casamento, os apelidos do marido e a condição de sua companheira, consorte e colaboradora dos encargos da família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta” (Redação da Lei 4.121, de 1962). Tem-se, então, que os registros e documentos posteriores em que o nome da genitora da apelante foi grafado com o acréscimo do sobrenome "Lopes" do cônjuge refletem não só os costumes da época, mas também a obrigação legal ao tempo do casamento.

Vale dizer, a lei que regia o matrimônio era cogente, de ordem pública, portanto não facultava à mulher a escolha, motivo pelo qual a alteração vai atender aos princípios dos registros públicos de espelhar o momento fático do registro.

É público e notório que até o advento da Lei dos Registros Públicos não havia preocupação na organização dos registros públicos quanto à segurança que deveria emanar na fidelidade das transcrições e registros, especialmente quanto ao nome nos encadeamentos familiares.

Todavia, a pretensão da apelante encontra óbice em um detalhe, que não admite exceção. 

O sobrenome do cônjuge da genitora não pode ser alterado para "Sena" com apenas uma consoante "n", porquanto sua grafia correta é "Senna", conforme se extrai da certidão de casamento, f. 28-TJ.

Com efeito, os apelidos de família (sobrenomes) não podem ser alterados em hipótese alguma, porquanto sua função precípua é manter a estirpe familiar.

Veja-se, por exemplo, o que dispõe o art. 56 da Lei dos Registros Públicos: 

“Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa” (grifei).

Em comentário sobre referida norma legal, Walter Ceneviva pontua que:

“Assim é porque não prejudicar corresponde a não diminuir a expressão do nome como elemento de identificação da pessoa e de seus ascendentes, na forma de lei. Os sobrenomes são preservados porque indicam a procedência da pessoa e sua origem familiar, resguardadas pela regra severa do art. 57. Assim, mesmo admitida a mudança do nome (em sentido amplo), não podem ser excluídos ou modificados” (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 203).

O sobrenome familiar não pode sofrer qualquer alteração, ainda que ao longo do tempo algum membro tenha feito uso de forma diferente, não fazendo com que tal situação possa consolidar novo sobrenome familiar. 

Conforme os ensinamentos de Humblet, citado por Serpa Lopes, ambos referenciados em minha obra Tratados de Registros Públicos e Direito Notarial:

“Tudo no sobrenome é essencial, acentua Humblet: 

A forma maiúscula ou minúscula das letras, a justaposição ou a separação das sílabas, os traços de união, acentos, tremas, apóstrofes, em uma palavra, todos os sinais gráficos que porventura revelem em sua grafia original, excetuando-se, naturalmente, os casos de erro; frisando ainda que ‘não são somente as diversas sílabas que constituem o nome e lhe dão individualidade: é também a ortografia’” (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Tratado de registros públicos e direito notarial. São Paulo: Atlas, 2014, p. 57).

Portanto, tem-se que a única grafia que pode ser autorizada a constar nos registros referentes ao nome da genitora é Geralda de Senna Lopes, porquanto o sobrenome familiar é grafado "Senna".

Anoto, por oportuno, que, conforme o art. 1.109 do Código de Processo Civil: "O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna".

Decorrendo de legislação de ordem pública a natureza cogente, bem como em observância aos princípios da legalidade, especialidade e especificidade dos registros públicos, tenho que a retificação possível de se fazer é nos registros de óbito (f. 09- TJ), de imóveis (f. 19-TJ), e de casamento, quanto ao nome que passou a assinar (f. 28-TJ).

Diante de todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pedido inicial para autorizar a retificação dos registros de registros de óbito (f. 09-TJ), de imóveis (f. 19-TJ), e de casamento, quanto ao nome que passou a assinar (f. 28-TJ), para constar o nome como sendo Geralda de Senna Lopes.

Após o trânsito em julgado, expeçam-se os competentes mandados de averbação.

Sem custas.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Raimundo Messias Júnior e Caetano Levi Lopes.

Súmula – DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Arpen/Brasil – DJE/MG | 12/09/2014.

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TJ/SP: REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE NOS TERMOS DA LEI N. 8.560/92. AVERBAÇÃO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO INEXISTENTE NA HIPÓTESE. INTERPRETAÇÃO DOS ITENS 119.4 E 126 DO CAPÍTULO XVII DAS NSCGJ – TOMO II QUE DISPENSAM A ALTERAÇÃO DAS NORMAS NESSE ASPECTO. SUGESTÃO CONHECIDA SEM A NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DAS NSCGJ.

PROCESSO Nº 2014/55358 – SANTO ANDRÉ – JUÍZO DE DIREITO DA 8ª VARA CÍVEL. 

DICOGE 5.1

PROCESSO Nº 2014/55358 – SANTO ANDRÉ – JUÍZO DE DIREITO DA 8ª VARA CÍVEL.

Parecer: (251/2014-E)

REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE NOS TERMOS DA LEI N. 8.560/92. AVERBAÇÃO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO INEXISTENTE NA HIPÓTESE. INTERPRETAÇÃO DOS ITENS 119.4 E 126 DO CAPÍTULO XVII DAS NSCGJ – TOMO II QUE DISPENSAM A ALTERAÇÃO DAS NORMAS NESSE ASPECTO. SUGESTÃO CONHECIDA SEM A NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DAS NSCGJ.

A Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca de Santo André formula sugestão de alteração das NSCGJ, para que seja expressamente afastada a exigência do trânsito em julgado nas hipóteses de reconhecimento espontâneo de paternidade ou, alternativamente, seja expedido comunicado informando que a exigência não se aplica ao caso.

Manifestação da ARPEN/SP nas fls. 18/21.

É o relatório.

A diligente Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca de Santo André apresenta sugestão de alteração das NSCGJ, a partir de dúvida do Oficial ao cumprir mandado de reconhecimento de paternidade, por ausência de menção ao trânsito em julgado da sentença.

Não obstante os argumentos apresentados pelo Oficial de Registro Civil, o item 126 do Capítulo XVII das NSCGJ – Tomo II não exige o trânsito em julgado para a averbação em questão.

Nesse sentido:

“126. A averbação das sentenças de investigação de paternidade e negatória de paternidade que constituírem nova relação de filiação será feita no Registro Civil das Pessoas Naturais que registrou o nascimento do menor, com as mesmas cautelas e efeitos do registro inicial, fazendo constar:

a) data da averbação;

b) data da sentença, Vara e nome do Juiz que a proferiu;

c) nome do novo genitor e sua qualificação se conhecida;

d) os nomes dos avós paternos, se conhecidos;

e) sobrenome que passar a possuir”.

Do mesmo modo, o item 199.4 refere-se à averbação de retificação judicial, o que não se confunde com a hipótese prevista no artigo 2º, § 3º, da Lei n. 8.560/92. Se na primeira há previsão de exigência de trânsito em julgado, na última basta a lavratura de termo de reconhecimento e a remessa da certidão ao oficial do registro, para a devida averbação. Nesse sentido é, também, o disposto no artigo 4º do Provimento n. 16 do Conselho Nacional de Justiça.

Assim, nos casos de averbação decorrente de reconhecimento espontâneo não há exigência de trânsito em julgado, ainda que determinada por mandado em sentido estrito, o que não se confunde com reconhecimento decorrente de sentença judicial, mesmo porque pode, também, ser realizado diretamente perante qualquer Oficial de Registro Civil.

Diante desse quadro, não se mostra necessária a alteração das NSCGJ, mas apenas a interpretação dos itens 119.4 e 126 do Capítulo XVII, que já regulam o tema.

Posto isso, o parecer que levo à apreciação de Vossa Excelência, é no sentido do conhecimento da sugestão, reconhecendo adequada a solução interpretativa dada pela Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca de Santo André, sem a necessidade de alteração das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Dada a relevância do tema, sugiro, ainda, seja dada publicidade ao presente.

Sub censura.

São Paulo, 18 de agosto de 2014.

Renata Mota Maciel Madeira Dezem

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, conheço da sugestão, reconhecendo adequada a solução interpretativa dada pela Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca de Santo André, sem a necessidade de alteração das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Dada a relevância do tema, publique-se a presente decisão, na íntegra. São Paulo, 22 de agosto de 2014. (a) HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: TJ/SP – Data da Inclusão: 08/09/2014.

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TJ/SC: Família tem o direito de alterar certidões de falecido com o sobrenome errado

A 5ª Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, dar provimento a recurso de mulher que pediu a reformulação das certidões de nascimento e óbito de seu bisavô, as quais traziam o sobrenome escrito de forma errada.

A autora alega que ocorreu "abrasileiramento" do sobrenome nas certidões feitas no Brasil. Explicou que o objetivo da medida é uniformizar as informações documentais de sua família para obter a cidadania italiana.

Para o relator da matéria, desembargador Sérgio Izidoro Heil, "[…] é fato notório que entre 1880 e 1930 muitos italianos chegaram ao Brasil, [¿] traduziam e adaptavam seus nomes e sobrenomes com a finalidade de evitar problemas com a imigração, razão pela qual acabou por se tornar comum a existência de incorreções nos assentos de registro civil […]".

"Por fim, importante registrar que os suprimentos requeridos pela autora não causam qualquer prejuízo à segurança dos registros públicos ou a terceiros, porquanto apenas visam resgatar a origem familiar e facilitar a obtenção da cidadania italiana." 

A notícia refere-se a seguinte apelação cível: 2011.011398-5.

Fonte: TJ/SC | 26/08/2014.

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