Jurisprudência mineira – Apelação cível – Compra e venda de imóvel – Doação posterior – Impossibilidade de registro – Anulação

APELAÇÃO CÍVEL – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – DOAÇÃO POSTERIOR – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO – SIMULAÇÃO – ANULAÇÃO – DANOS MORAIS – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

– A simulação, como causa de invalidade do negócio jurídico, caracteriza-se quando o ato jurídico oculta o verdadeiro caráter do negócio celebrado.

– Configura negócio simulado a doação de imóvel a terceiro, com o intuito único de impedir a transferência do registro do bem anteriormente alienado a outra pessoa.

– Cabíveis a anulação da doação posterior e a indenização do primeiro adquirente pelos prejuízos sofridos, a qual deve ser fixada em patamar razoável

– Para que se configure litigância de má-fé, é necessário que se demonstre a conduta intencionalmente maliciosa da parte ou o manejo de lide de modo temerário, bem como a existência de dano processual à parte adversa.

Apelação Cível nº 1.0525.11.016218-3/001 – Comarca de Pouso Alegre – Apelantes: Maria Francineide Garcia Correa, Lázaro Romildo Correa, José Fábio Garcia e outro – Apelante adesiva: Marquiene Morais Santos – Apelados: Marquiene Morais Santos, Lázaro Romildo Correa, José Fábio Garcia e outro, Maria Francineide Garcia Correa – Relator: Des. Estevão Lucchesi

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 2 de outubro de 2014. – Estevão Lucchesi – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. ESTEVÃO LUCCHESI – Cuida-se de ação anulatória ajuizada por Marquiene Morais Santos em desfavor de José Fábio Garcia e outros, argumentando ter adquirido um imóvel do primeiro réu, por meio de escritura pública de compra e venda; no entanto, ao tentar registrar a escritura do bem, verificou-se que este havia sido doado à segunda ré, após sua aquisição. 

Requereu a anulação da escritura de doação e sua reintegração na posse do bem, bem como a condenação dos réus em indenização por danos morais.

Após regular tramitação do feito, o Juiz julgou procedentes os pedidos iniciais, anulando a doação e condenando os réus ao pagamento de indenização.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, defendendo que a suposta compra e venda foi um negócio simulado, pois a autora se aproveitou do primeiro réu, enquanto estava embriagado, para forçá-lo a assinar o documento. Teceram considerações sobre a impossibilidade de condenação em dano moral. Requereram a reforma integral da sentença.

Por sua vez, a autora interpôs recurso adesivo, requerendo a majoração da indenização por danos morais.

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso principal.

Relatei.

Conheço dos recursos, porquanto presentes seus requisitos de admissibilidade.

Preliminar – ofensa ao princípio da dialeticidade.

Argui a apelante adesiva, em contrarrazões, preliminar de irregularidade formal do recurso principal, argumentando que as razões não guardam relação com a decisão recorrida.

Data venia, sem razão a insurgente.

Conforme dicção do art. 514, II, do CPC, in verbis:

“Art. 514. A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz, conterá:

I – […];

II – os fundamentos de fato e de direito; […]”.

Nessa quadra, o ônus da impugnação específica determina que o recorrente não apenas fundamente sua tese, mas que também indique os motivos pelos quais o entendimento adotado na decisão recorrida não deve prevalecer. A propósito, confira-se o escólio de Nelson Nery Junior:

“[…] o fim último do processo é conseguir uma sentença justa. Na hipótese de o recorrente entender ser a decisão injusta, logicamente deverá apontar essa injustiça, a fim de que o órgão ad quem examine as razões de decidir dadas pelo juiz e as confronte com as aduzidas na sede recursal, para poder julgar o mérito do recurso” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: RT, p. 316).

E a lição do processualista José Frederico Marques não discrepa:

“O recorrente precisa motivar o pedido de novo exame da questão decidida. É o que se infere da sistemática do procedimento recursal. Explícita é essa exigência em todos os recursos, para que assim se delimite, em cada um, o respectivo objeto. Como se procura, com o recurso, um reexame da questão decidida, o pedido em que se externa a interposição 'deve ser determinado em todos os seus elementos', tal como na instauração do Juízo de primeiro grau, cumprindo ainda observar que na exposição dos fatos justificativos do recurso, deve ser indicada a decisão impugnada. Recurso interposto sem motivação é pedido inepto. Impossível, por isso, admitir-se a instauração de procedimento recursal quando o pedido de reexame, por não vir fundamentado, apresenta tal deficiência. Ensina Carnelutti que é característica formal do pedido de recurso a motivação adequada, 'que compreende não só as razões que fundamentam o pedido de determinada resolução jurisdicional, como ainda aquelas que apontam os motivos pelos quais a nova decisão deve ser diversa da decisão recorrida'” (MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, p. 76-77).

Trata-se do princípio da dialeticidade, que impõe à parte, ao manifestar sua contrariedade ao provimento jurisdicional proferido, o dever de indicar os fundamentos, fáticos e jurídicos, pelos quais entende merecer reparo a decisão guerreada. Assim conceitua o festejado processualista Araken de Assis:

“Entende-se por princípio da dialeticidade o ônus de o recorrente motivar o recurso no ato de interposição. Recurso desprovido de causa hábil para subsidiar o pedido de reforma, de invalidação ou de integração do ato impugnado, à semelhança da petição que forma o processo, ou através da qual partes e terceiros deduzem pretensões, in simultaneo processu, revela-se inepto. É inadmissível o recurso desacompanhado de razões” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 3. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com as Leis nº 12.216/2009 e nº 12.322/2010. São Paulo: RT, 2011, p. 101). Nelson Nery Junior arremata:

“[…] De acordo com este princípio, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada. Na verdade, trata-se de princípio ínsito a todo processo, que é essencialmente dialético” (NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 176-178). 

Na espécie, o juiz julgou procedentes os pedidos iniciais, e a apelação principal cuidou de atacar os fundamentos da decisão combatida, estando clara a pretensão.

Assim, os requisitos essenciais do recurso de apelação se encontram inegavelmente preenchidos, razão pela qual rejeito a preliminar.

Mérito.

Inicialmente, anoto que o objeto da lide versa sobre a nulidade da doação, não sendo possível discutir, nestes autos, questões atinentes à validade ou não da compra e venda. Assim, a alegação dos réus sobre suposta simulação na formalização da compra e venda não será considerada para fins de solucionar-se a presente lide, pois foge ao objeto da demanda. 

Com efeito, análise de tal questão somente será possível se arguida pela via própria, a saber, uma ação judicial específica que comporte tal debate.

Pontuado esse aspecto, cuidam os autos de ação declaratória de nulidade da escritura pública de doação realizada pelo primeiro réu, em favor da segunda.

Como se vê dos autos, a autora e o réu firmaram escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da lide em 26.04.2011. 

Alguns meses depois, quando a apelante adesiva se dirigiu ao cartório para registrar a escritura do bem adquirido, verificou que a área havia sido doada para a segunda ré em 21.07.2011, ou seja, após a realização do negócio com a autora.

As escrituras públicas de f. 08/09 e 10/11 não deixam dúvida acerca da existência de tais fatos, sendo objeto deste recurso, inicialmente, perquirir sobre a possibilidade de anulação da referida doação.

Como se depreende da defesa apresentada pelos réus, eles não negam a existência de compra e venda entre o primeiro requerido e a autora, limitando-se a alegar vício de validade, o qual, ainda que pudesse ser reconhecido, não geraria a lisura da doação.

Assim, tendo as partes celebrado contrato de compra e venda do bem objeto da lide, por óbvio, a doação posterior não apresenta o requisito de liberalidade, pois foi realizada com intuito único de impedir a transferência do imóvel para o nome da autora.

De fato, os apelantes utilizaram-se do instituto da doação com o fim único de impedir a concretização do contrato anterior. 

Sabe-se que a doação é negócio jurídico de natureza contratual e gratuito por excelência, pelo qual o doador, movido por mera liberalidade, transfere seu patrimônio ou direito a outrem, mediante a aceitação deste. In verbis:

“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Interessante observar que as provas constantes nos autos, inclusive a testemunhal, não corroboram em nada a validade da doação, sendo certo que nem sequer os réus impugnaram especificamente esse ponto, limitando-se, ao contrário, em tecer considerações sobre o contrato de compra e venda, o qual, repita-se, não é objeto de discussão nesta lide.

Dessarte, o que se percebe é que a aludida doação foi objeto de simulação entre o primeiro e o segundo réus, pois se celebrou contrato com a única finalidade de frustrar a execução da compra e venda anterior.

Vê-se, assim, que, não obstante a dificuldade de provar a existência do vício capaz de anular o negócio jurídico, os elementos dos autos fornecem indícios suficientes para se reconhecer que a simulação do contrato de doação de fato existiu, restando apenas perquirir as consequências jurídicas dela advindas.

Partindo dessa premissa, é cediço que a simulação, como causa de invalidade do negócio jurídico, caracteriza-se quando o ato jurídico oculta o verdadeiro caráter do negócio celebrado, nos termos do art. 167, § 1º, II, do CC/2002, in verbis: 

“Art. 167.

[…]

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

[…]

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira”.

A simulação do negócio jurídico, antes tratada no Código Civil de 1916, como defeito do negócio jurídico, que o tornava anulável, ganhou novos contornos no atual Código Civil, que passou a considerá-la hipótese de nulidade, não mais anulabilidade. Sobre o referido instituto, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald lecionam que:

“Segundo a lapidar lição de Clóvis Bevilácqua, a simulação é a ‘declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado’. Fácil perceber, então, que, na simulação, há um descompasso, um desencontro, entre a declaração de vontade e o verdadeiro resultado objetivado pelas partes […]” (FARIA. Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: Teoria geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 425).

E prosseguem os ilustres doutrinadores:

“Na simulação aparenta-se um negócio jurídico que, na realidade, não existe ou oculta-se, sob uma determinada aparência, o negócio verdadeiramente desejado” (FARIA Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: Teoria geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 425).

Para Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a simulação "consiste na celebração de um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que não objetiva o resultado que dele juridicamente se espera, pois há manifestação enganosa de vontade" (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e Legislação Extravagante, p. 229).

Todavia, conforme advertem Gustavo Tepedino e outros, para que seja caracterizada a simulação, exige-se a confluência de três elementos, por eles assim identificados:

“I) a divergência intencional entre vontade e declaração, ou melhor, entre o negócio aparente e os efeitos buscados; 

II) um acordo simulatório entre os declarantes;

e III) o intuito de enganar terceiros” (TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 312).

A identificação desses elementos caracterizadores da simulação permite detectar duas espécies de simulação: a absoluta e a relativa, sendo a simulação na primeira hipótese maliciosa, configurando causa de nulidade; e, no segundo caso, chamada de inocente, por não visar enganar terceiros nem violar a lei. Aqui, um negócio jurídico é realizado para ocultar outro negócio, que fica assim dissimulado.

Dúvidas não restam de que na hipótese estamos diante de uma simulação absoluta, por se vislumbrar a intenção dos apelantes em prejudicar terceiros, no caso, a apelada, a qual foi impedida de transferir a propriedade do imóvel adquirido.

Ora, quando da assinatura da doação do imóvel, firmado entre os apelantes, estes já tinham total conhecimento a respeito da impossibilidade de transferência de propriedade, uma vez que já havia sido celebrada a compra e venda com a autora. Saliente-se que a formalização da compra e venda se encontra devidamente comprovada por meio da escritura pública de f. 10/11, negócio, inclusive, que os próprios réus não negam, limitando-se a alegar supostos vícios.

Assim, a autora comprovou os fatos constitutivos do seu direito, tendo de fato adquirido o bem, razão pela qual sobre os réus recai o ônus de elidir o direito do autor, demonstrando fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito deste.

Isso se deve ao fato de que é daquele que alega o ônus o dever de comprovar suas afirmações. Lecionando acerca do tema, Nelson Nery Júnior nos esclarece que:

“A palavra vem do latim, ônus que significa carga, farda, peso, gravame. Regra geral. Segundo a regra estatuída por Paulo, compilada por Justiniano, a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato (Dig. XXII, 3, 2). O autor precisa demonstrar em juízo a existência do ato ou fato por ele descrito na inicial como ensejar de seu direito” (NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado, p. 635-636).

Ressalte-se, ainda, inexistir obrigação de produzir provas, motivo pelo qual o supracitado jurista nos ensina ser o ônus da prova um encargo ao qual corresponde uma posição de desvantagem e não uma obrigação, senão vejamos:

“Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa” (NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado, p. 636).

E o escólio do renomado jurista Fredie Didier Jr. não discrepa, razão pela qual o fato não comprovado deve ser tido como inexistente:

“Ônus é o encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação. […] A expressão ‘ônus da prova’ sintetiza o problema de se saber quem responderá pela ausência de prova de determinado fato. Não se trata de regras que distribuem tarefas processuais; as regras de ônus da prova ajudam o magistrado na hora de decidir, quando não houver prova do fato que tem que ser examinado. Trata-se, pois, de regras de julgamento e de aplicação subsidiária, porquanto somente incidam se não houver prova do fato probando, que se reputa como não ocorrido” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2007, v. 2, p. 55) (grifamos).

Nesse caminhar de ideias, deve a lide ser decidida em desfavor daquele que tinha obrigação de comprovar suas assertivas, entretanto, não o fez:

“O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu” (NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado, p. 635).

À parte demandante cumpre demonstrar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I, CPC). Sobre o tema, colhe-se: 

“[…] A ideia de ônus costuma ser ligada a um comportamento necessário para a obtenção de um efeito favorável, ao passo que, diante do ônus da prova, a parte onerada pode obter um resultado favorável mesmo sem cumprir o seu ônus, isto é, ainda que sem produzir prova. Lembre-se que nada impede que o julgamento favorável ao autor se funde em provas produzidas de ofício ou pela parte adversa.

Isso indica, com clareza, que a produção de prova não é um comportamento necessário para o julgamento favorável – ou para o resultado favorável. Na verdade, o ônus da prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável, ou seja, o descumprimento do ônus não implica, necessariamente, um resultado desfavorável, mas o aumento do risco de um julgamento contrário, uma vez que, como precisamente adverte Patti, ‘una certa percentuale di rischio sussiste anche per La parte Che há fornito la prova’.

A ideia de ônus da prova não tem o objetivo de ligar a produção da prova a um resultado favorável, mas sim o de relacionar a produção da prova a uma maior chance de convencimento do juiz” (MARINONI, Luiz Guilherme. Prova. São Paulo: RT, 2009. p. 164-165).

No caso, repita-se, a autora se desincumbiu satisfatoriamente de seu encargo, demonstrando os fatos constitutivos de seu direito por meio da escritura pública de compra e venda acostada nos autos.

Nessa linha, prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora é ônus dos réus, já que no sistema processual civil pátrio a regra acerca do ônus da prova é de que incumbe a quem alega; todavia, não há qualquer prova nos autos apta a impedir a concretização da compra e venda celebrada.

Nessa seara, colham-se as palavras dos doutrinadores Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

“Compete, em regra, a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. A parte que alega deve buscar os meios necessários para convencer o juiz da veracidade do fato deduzido como base da sua pretensão/exceção, afinal é a maior interessada no seu reconhecimento e acolhimento. […] Mas se trouxer (o réu) fatos novos, aptos a modificar o direito do autor, extingui-lo ou impedir que ele nasça, cabe-lhe o encargo legal de prová-los, afinal de contas, é seu interesse que esse direito não seja reconhecido” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. São Paulo: JusPodivm, 2009, v. 2, p. 76-77) (grifamos).

Noutro passo, cabe discutir a questão atinente ao dano moral.

Quanto aos danos morais, é cediço que, para sua caracterização, é indispensável a ocorrência de ofensa a algum dos direitos da personalidade do indivíduo. Esses direitos são aqueles inerentes à pessoa humana e caracterizam-se por serem intransmissíveis, irrenunciáveis e não sofrerem limitação voluntária, salvo restritas exceções legais (art. 11, CC/2002). A título de exemplificação, são direitos da personalidade aqueles referentes à imagem, ao nome, à honra, à integridade física e psicológica. Com muita propriedade, Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 54) discorre sobre o tema:

“O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como ‘qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária’, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.” (Traité de la responsabilité civile, v. 2, n° 525).

Nessa quadra, restando comprovado que a conduta dos réus gerou à autora danos, surge a obrigação de indenizá-la pelos danos sofridos. Ora, inegável a lesão sofrida ao tentar a apelada registrar o imóvel adquirido a duras penas e ver-se impedida, pois o bem havia sido doado a terceiro.

Sob outro enfoque, sabe-se que a fixação do valor da indenização por danos morais é questão tormentosa e constitui tarefa extremamente difícil imposta ao magistrado. Sobre o dano moral, Sérgio Cavalieri leciona com maestria:

“Em suma, a composição do dano moral realizar-se através desse conceito – compensação – que, além de diverso do de ressarcimento, baseia-se naquilo que Ripert chamava ‘substituição do prazer que desaparece, por um novo’. Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões” (CAVALIEIRI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 76). Nesse diapasão, doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que para a fixação do valor da compensação pelos danos morais deve-se considerar a extensão do dano experimentado pela vítima, a repercussão no meio social, a situação econômica da vítima e do agente causador do dano, para que se chegue a uma justa composição, evitando-se, sempre, que o ressarcimento se transforme numa fonte de enriquecimento injustificado ou seja inexpressivo a ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa.

Em outras palavras, o valor fixado deve observar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, tal como assentado pelo STJ: 

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Civil. Indenização. Dano moral. Herdeiros. Legitimidade. Quantum da indenização fixado em valor exorbitante. Necessidade da redução. Respeito aos parâmetros e jurisprudência do STJ. Precedentes. […] 2. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito” (STJ – AgRg no Ag 850273/BA – Quarta Turma – Relator: Min. Honildo Amaral de Mello Castro – Data do julgamento: 03.08.2010).

Nesse sentido é a lição de Sérgio Cavalieri, senão vejamos:

“[…] não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas, para o arbitramento do dano moral. Esta tarefa cabe ao juiz no exame de cada caso concreto, atentando para os princípios aqui enunciados e, principalmente, para o seu bom senso prático e a justa medida das coisas” (CAVALIEIRI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 183). E o magistério de Maria Helena Diniz e de Caio Mário da Silva não discrepa:

“Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel-prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação” (DINIZ, Maria Helena. Revista Jurídica Consulex, n. 3, 31 mar. 1997). “[…] na ausência de um padrão ou de uma contraprestação que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento da indenização […]” (SILVA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, p. 316).

Na espécie, entendo que a fixação em R$4.000,00 (quatro mil reais) é adequada, razoável e atende às peculiaridades do caso, devendo ser mantida.

Por fim, verifica-se que ambas as partes requereram a condenação da parte adversa em multa por litigância de má-fé.

Todavia, data venia, não se vislumbra, no atual momento processual, conduta maliciosa ou manejo da lide de modo temerário por qualquer das partes, uma vez que ambas estão exercendo o seu direito de ação e defesa, inexistindo, ainda, comprovação de dano processual para qualquer litigante. Sobre o tema, colha-se o seguinte julgado deste egrégio sodalício:

“Ação de obrigação de fazer. Cerceamento de defesa. Ausência. Litigância de má-fé. Não configuração. Honorários advocatícios. Causa sem condenação. Art. 20, § 4º, do CPC. 1. Se a parte, devidamente intimada, não se insurgiu contra a decisão que indeferiu seu pedido de realização de prova testemunhal, opera-se a preclusão, que veda a rediscussão da matéria e afasta a alegação de cerceamento de defesa. 2. A condenação da parte por litigância de má-fé pressupõe o dolo processual e a prova de prejuízo à parte contrária, requisitos que não se fazem presentes na espécie. 3. Nas causas em que não houver condenação, os honorários devem ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz, nos termos do § 4º do art. 20 do CPC” (Apelação Cível 1.0024.07.549366-8/002 – Relator: Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes – 18ª Câmara Cível – Data do julgamento: 22.01.2013 – Data da publicação da súmula: 25.01.2013) (grifo nosso).

Por todo o exposto, nego provimento aos recursos, mantendo inalterada a r. decisão guerreada proferida pelo Magistrado Mário Lúcio Pereira.

Custas recursais de cada apelação pela parte que a interpôs, observados os termos da Lei nº 1.060/50.

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Marco Aurélio Ferenzini e Valdez Leite Machado.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 04/11/2014.

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TJ/MG. Justiça nega pedido de reparação por fim de namoro

Ruptura de relacionamento amoroso por si só não justifica indenização.

A Justiça mineira deu ganho de causa a um aposentado que estava sendo processado por ter desistido de se casar. A ex-namorada, também aposentada, sustentava que ele, depois de alimentar suas esperanças quanto ao casamento por 39 anos, enquanto eles se relacionavam, descumpriu as promessas e rompeu com ela, causando-lhe sofrimento e decepção. 

Segundo a mulher, o envolvimento começou quando ela tinha 15 anos e o parceiro, 22. Ela diz que, por orientação dele, tomou anticoncepcionais durante do início do namoro até os 40 anos, quando entrou na menopausa. Em julho de 2011, quando ela estava com 54 anos, ele sumiu, sem dar explicações. A mulher buscou a Justiça em janeiro de 2012, alegando que, como entregou “sua vida, seus sonhos e sua juventude, para se ver repentinamente abandonada e desprezada”, ela merecia uma reparação. O aposentado negou que o fim do relacionamento tivesse ocorrido de forma súbita, alegando que isso ocorreu em 2008, em decorrência do comportamento imaturo da parceira. O juiz de Direito Eduardo Veloso Lago, da 25ª vara Cível de BH, reconheceu que a aposentada poderia se sentir ressentida com a ruptura, mas afirmou que o fato não caracteriza conduta passível de ser penalizada com indenização. Para o magistrado, o estabelecimento e a manutenção de um vínculo amoroso baseia-se na liberdade e da livre escolha individual. 

A mulher recorreu, defendendo que se tratava da quebra de uma promessa e ressaltando o efeito psicológico da atitude do ex-parceiro sobre ela.

O desembargador Moacyr Lobato, da 9ª câmara Cível do TJ/MG, rejeitou recurso da aposentada. O relator esclareceu que a frustração de expectativa de casamento não justifica indenização por danos morais, porque não viola dever jurídico legítimo, já que não se comprovou haver compromisso pré-nupcial ou acerto formal entre as partes.

"Cumpre destacar que os vínculos pessoais estabelecidos entre as partes, relativos a relacionamento afetivo, podem ser rompidos por diferentes razões de cunho pessoal. Assim, nada impede que livremente as pessoas possam alterar suas convicções íntimas e pessoais quanto aos relacionamentos afetivos. O pedido de indenização por danos morais, no presente caso, mostra-se infundado."

O entendimento foi seguido pelos desembargadores Amorim Siqueira e Pedro Bernardes.

Fonte: Migalhas | 28/06/2014. 

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Entrevista: especialista vai abordar a responsabilidade civil no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família

Entre os dias 20 e 22 de novembro, em Araxá (MG), o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) promove o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família. Para explorar com profundidade e inovação o tema central desta edição “Famílias: Pluralidade e Felicidade”, os maiores juristas do Brasil irão discutir os temas de maior relevância para o Direito de Família contemporâneo. O procurador de Justiça Nelson Rosenvald (MG) vai abordar a responsabilidade civil em palestra com o tema “Dano e pena civil parental” e concedeu esta entrevsta ao portal Ibdfam, confira:

1) Qual a importância deste tema para o Direito de Família contemporâneo?

Relativamente ao modelo jurídico da parentalidade, houve uma explosão das situações jurídicas consideradas como dignas de tutela, pois a dinâmica familiar passou a atribuir peso a princípios como a paternidade responsável e o melhor interesse da criança, transformando fatos da vida em ilícitos. Há uma inexorável tendência de se extrair o menor da categoria estática, abstrata e estigmatizante de “incapaz”, para a concretude e dinamicidade de sua situação jurídica de pessoa em desenvolvimento, o que implica uma postura parental dialética, com respeito à autonomia e direitos fundamentais dos filhos.

Com o reconhecimento deste zeitgeist, a expansão das possibilidades de filhos se dirigirem contra os pais se deu de maneira acelerada. Atualmente, eles podem responsabilizar genitores por negativa de espontâneo reconhecimento ou identificação biológica do pai, alienação parental, abandono afetivo, exercício abusivo da autoridade parental, com atos de violência psicofísica ou ofensa à sua intimidade, ou mesmo quando os pais lhe transmitiram alguma enfermidade genética.

E para o futuro? Mantida esta toada, teremos tudo isto e muito mais, pois, somando a proliferação de novos danos tidos como merecedores de proteção jurídica com a flexibilidade concedida à admissão do nexo causal por nossos tribunais, já não existem filtros capazes de reter as demandas reparatórias derivadas de danos parentais.

2) A responsabilidade civil no Direito de Família tem sido bastante explorada, qual a sua opinião sobre este tema?

É extremamente proveitoso o diálogo entre o direito de família e a responsabilidade civil. Abandona-se a imunidade familiar em favor do reconhecimento da obrigação de indenizar nas relações jurídicas travadas nas diversas formas de entidades familiares.

Especificamente nas relações parentais sempre houve maior resistência à imposição de uma obrigação de indenizar, pela necessidade de se outorgar ampla discricionariedade aos pais para disciplinar e controlar os filhos.

Eventuais ilícitos eram sanados nos próprios limites do direito família (leia-se: guarda, visitação e alimentos) ou, em última instância, pelas normas de direito penal.Porém, com a evolução do direito de família, convertida de instituição fechada – voltada à preservação de sua unidade -, para instrumento de proteção e promoção das situações existenciais de cada qual de seus membros e do afeto que os vincula, paulatinamente a responsabilidade civil foi encontrando espaços para sancionar os ilícitos danosos praticados contra a autonomia de seus membros. A cada dia se amplia o rol de eventos antes considerados inerentes à existência humana e ora transferidos ao autor do fato.

3) O STJ admitiu a possibilidade da reparação civil em caso de abandono afetivo. Na sua opinião, este precedente pode ser convertido em Súmula?

A responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo – apesar de não imune a críticas vindas de vários setores da sociedade – tem sido prestigiada pela doutrina de direito privado e jurisprudência, sobremaneira após a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.159.242, de Abril de 2012 (Informativo 496 do STJ) que ofereceu bases jurídicas mais sólidas para o deslinde de colisões  de direitos fundamentais envolvendo a liberdade do genitor e a solidariedade familiar.

Em resumo, a Min. Relatora Nancy Andrighi salientou que, na hipótese, não se discute o amar – que é uma faculdade – mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Assim, considerou o cuidado como um valor jurídico objetivo, sendo que a omissão do genitor no dever de cuidar da prole atinge um bem juridicamente tutelado – no caso, o necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e companhia) – importando em vulneração da imposição legal, gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono afetivo. Acrescenta ainda que os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae.

É consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania.

Pois bem, não temos dúvidas que o mérito da decisão consiste em oferecer parâmetros objetivos para a tensão entre os princípios da liberdade e solidariedade e isto se fez, no momento em que  o fundamento da ilicitude da conduta paterna migra da metafísica ofensa a um suposto “dever de amar”, ou mesmo da violação a etérea cláusula geral da dignidade da pessoa humana, para uma objetiva conduta antijurídica consistente na omissão do dever de cuidado assinalado nos incisos I e II do artigo 1634 do Código Civil, concretamente consubstanciados na violação dos deveres de criação, educação, companhia e guarda.Todavia, esta matéria não cabe nos limites de uma súmula, pois a responsabilidade civil não se exaure na constatação do ilícito. O fato da antijuridicidade da conduta do agente é apenas o primeiro entre 04 (quatro) pressupostos da responsabilidade civil. Some-se à ilicitude, a culpa, o dano e o nexo causal. É na conjugação destes elementos que se sustenta a responsabilidade subjetiva aplicável ao direito de família.

4) Muito se fala do abandono paterno filial, mas da mesma forma e pelo principio da reciprocidade os filhos devem amparar os pais na velhice, qual a sua opinião sobre o abandono afetivo inverso?

O dado cultural da personalização da família submeteu ao império da ilicitude todo e qualquer comportamento indicativo de que o procriador não exerce o status de pai socioafetivo por deixar de adotar o próprio filho. Estas razões a meu ver, em tese justificariam a incidência do abandono afetivo inverso quando o caso concreto evidencie a ilicitude do ato antijurídico do filho, condizente em omissão do dever de cuidado perante um dos pais.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM I 04/09/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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