CSM/SP: Registro de Imóveis – Formal de Partilha – Proprietária casada no regime da separação obrigatória de bens – Bem adquirido na constância do casamento – Cônjuges falecidos – Inventário da falecida esposa por meio do qual a totalidade do imóvel é partilhada – Impossibilidade de registro – Aplicabilidade da Súmula 377 do STF – Comunhão que se presume – Necessidade de prévia inscrição do formal de partilha extraído do inventário do marido pré-morto – Apelação não provida.


  
 

Apelação Cível nº 1044962-24.2019.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1044962-24.2019.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1044962-24.2019.8.26.0100

Registro: 2019.0000936702

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1044962-24.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante BEATRIZ SOARES HUNGRIA GIANNETTI E OUTROS, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de novembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1044962-24.2019.8.26.0100

Apelante: Beatriz Soares Hungria Giannetti e outros

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 37.945

Registro de Imóveis – Formal de Partilha – Proprietária casada no regime da separação obrigatória de bens – Bem adquirido na constância do casamento – Cônjuges falecidos – Inventário da falecida esposa por meio do qual a totalidade do imóvel é partilhada – Impossibilidade de registro – Aplicabilidade da Súmula 377 do STF – Comunhão que se presume – Necessidade de prévia inscrição do formal de partilha extraído do inventário do marido pré-morto – Apelação não provida.

Inconformados com a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral [1], Beatriz Soares Hungria Giannetti e Outros interpuseram apelação [2] objetivando o registro do formal de partilha e respectivo aditamento extraído dos autos da ação de inventário dos bens deixados por Magdalena Gigliola Beccaria Guimarães, que tramitou perante a 5ª Vara de Família e Sucessões da Comarca da Capital. Alegam, em síntese, que a falecida casou-se com Ruy Ferreira Guimarães, sob o Regime da Separação Legal de Bens, em 06.11.1969, quando já era acionista da empresa Cia. Mercantil e Imobiliária Hungria. Então, em 20.12.1969, houve a liquidação da sociedade, com a consequente conferência de bens aos acionistas, de forma que Magdalena recebeu, como parte do pagamento de suas ações, o imóvel objeto da Matrícula nº 97.719 do 5º Registro de Imóveis da Capital, conforme escritura pública lavrada em 30.04.1970. Por se tratar de imóvel adquirido em sub-rogação aos bens particulares, ainda que em data posterior ao casamento, não há que se falar em participação do cônjuge, sobretudo porque ausente a comprovação do esforço comum. Acrescentam que Ruy faleceu em 30.09.1990, sem deixar bens ou herdeiros, certo que, até a presente data, ninguém manifestou interesse em relação a esse imóvel ou qualquer outro relacionado no formal de partilha dos bens deixados por Magdalena, o que vem a confirmar que ele não tinha qualquer participação na referida empresa.

A Procuradoria de Justiça, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação [3].

É o relatório.

Apresentado o formal de partilha para registro, o título foi negativamente qualificado, tendo sido expedida nota de devolução com exigência da apresentação do formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Ruy Ferreira Guimarães, em que conste que sua esposa recebeu a totalidade do bem imóvel matriculado sob nº 97.719, em atendimento ao princípio da continuidade registrária [4].

O imóvel objeto da matrícula n° 97.719 [5] foi adquirido pela de cujus, no estado civil de casada, sob o regime da separação obrigatória de bens, com Ruy Ferreira Guimarães. Consta dos autos que o casamento celebrado entre a falecida e seu marido pré-morto se deu ainda sob a égide do Código Civil de 1916 [6], de modo que se aplica ao caso o art. 2039 do Código Civil:

“Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n° 3.071, de 1°de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.”

Tendo sido o imóvel inventariado adquirido na constância do casamento, em regime de separação obrigatória, incide, na hipótese, a interpretação da Súmula nº 377 do Eg. Supremo Tribunal Federal, quanto à comunicação dos bens adquiridos onerosamente em regime da separação legal. O registro do título aquisitivo faz presumir a propriedade e produz todos os efeitos legais enquanto não for cancelado, ainda que, por outro modo, haja prova de que o título foi desfeito, anulado, extinto ou rescindido (art. 252 da Lei nº 6.015/73).

Portanto, a matrícula faz presumir que a de cujus adquiriu a metade ideal do imóvel, quando era casada pelo regime da separação legal de bens, fato ocorrido na vigência do Código Civil de 1916. Incidem, neste caso, os arts. 195 e 237 da Lei n° 6.015/73, que assim dispõem:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

(…)

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Igual conclusão decorre da lição de AFRÂNIO DE CARVALHO: “O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público”. (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed.Forense, 1998, p. 253).

Embora haja certa discussão doutrinária a respeito da aplicabilidade dessa Súmula após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a posição deste C. Conselho Superior da Magistratura é a de que ela ainda produz efeitos. Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Compra e venda de imóvel – Espólio que promoveu a venda autorizado por alvará expedido em inventário judicial – Imóvel, porém, que foi parcialmente adquirido, a título oneroso e na vigência do Código Civil de 1916, por pessoa casada em regime de separação obrigatória de bens – Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal – Presunção de comunicação dos aquestos – Falecimento da esposa sem que promovido o inventário da meação na parte do imóvel adquirida por seu marido a título oneroso – Pretensão de registro de venda da integralidade do bem, pelo espólio do marido posteriormente falecido – Ausência de menção, na matrícula do imóvel, da partilha relativa à metade ideal adquirida a título oneroso – Afronta ao princípio da continuidade – Dúvida procedente – Apelação não provida.” (TJSP; Apelação Cível 1135175-81.2016.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 10/04/2018; Data de Registro: 16/04/2018).

“Registro de Imóveis – Proprietária casada no regime da separação obrigatória de bens – Bem adquirido na constância da união – Cônjuges falecidos – Escritura de inventário da falecida esposa por meio da qual a totalidade do imóvel é partilhada – Impossibilidade de registro – Aplicabilidade da Súmula 377 do STF – Comunhão que se presume – Necessidade de prévia inscrição do formal de partilha extraído do inventário do falecido marido, no qual sua parte no imóvel será dividida – Alegação de prescrição da ação de sonegados – Matéria estranha ao procedimento de dúvida – Apelação desprovida.” (TJSP; Apelação Cível 1027173-17.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 02/02/2017; Data de Registro: 14/02/2017).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de escritura pública de alienação de imóvel sem prévio inventário do cônjuge pré-morto. Regime de separação legal de bens. Imóvel adquirido na constância do casamento. Comunicação dos aquestos. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao princípio da continuidade. Registro inviável. Recurso não provido.” (Apelação nº 0045658-92.2010.8.26.0100, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. em 27/10/2011).

No caso concreto, estabeleceu-se entre os cônjuges uma comunhão, que não se confunde com o condomínio. Acerca da distinção, ensina LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO: “No condomínio há sempre duas facetas: a pluralidade de situações jurídicas e a pluralidade de sujeitos associados e organizados (Massimo Bianca). Preserva-se a possibilidade de personificação, mas esta não é necessária nem constitutiva de condomínio enquanto realidade. Na comunhão, não há essa possibilidade, porque os interesses não são unidirecionais e não há situações jurídicas diversas para pessoas diversas, mas as mesmas situações pertencentes simultaneamente a mais de uma pessoa. Na comunhão verifica-se uma situação jurídica em que o mesmo direito sobre determinada coisa comporta diferentes sujeitos. No condomínio ressalta-se o estado de indivisão de coisa, com direitos distintos, incidindo sobre partes do mesmo objeto, direitos estes que pertencem a sujeitos igualmente diversos” (Direito das Coisas; 2ª ed. rev. atual. E ampl.; Editora Revista dos Tribunais; 2012; p. 454).

Ao inventário é levado o todo, somente sendo apurada a parte pertencente a cada um dos cônjuges com a extinção da comunhão. Necessário, assim, que seja registrada, primeiramente, a partilha dos bens deixados por Ruy Ferreira Guimarães, falecido no estado civil de casado com Magdalena Gigliola Beccaria Guimarães, pelo regime da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 258 do Código Civil de 1916, vigente à época.

É que, em virtude do quanto disposto na Súmula 377 do E. Supremo Tribunal Federal, tendo o bem sido adquirido na constância de casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, presume-se a comunicação, de modo que, em princípio, nenhum dos cônjuges pode, sozinho, transferir a integralidade do imóvel a seus herdeiros.

Correto, portanto, o posicionamento do Oficial de Registro, uma vez que a meação do cônjuge participa do estado indiviso do bem levado à partilha, salvo se, de forma diversa, vier a ser expressamente decidido pelo juízo do inventário, o que não ocorreu no presente caso.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações

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