Tributário – ITBI – Base de cálculo – Compra e venda de loteamento inconcluso – Adoção, pelo município, do somatório dos valores dos lotes – Desconsideração do preço ajustado na escritura de compra e venda e também do valor de mercado divulgado no sítio eletrônico da prefeitura – Inobservância de lei municipal e do art. 148 do Código Tributário Nacional – Ação procedente para que sejam revista a base de cálculo e repetido o indébito – Negociado loteamento inconcluso, se o Município deseja empregar base de cálculo de ITBI diversa do preço ajustado na escritura pública e do valor de mercado constante em seu próprio sítio na rede mundial de computadores (somatório dos valores de todos os lotes), deve antes submeter o tema à Comissão mista estabelecida no Código Tributário local e observar as balizas do art. 148 do CTN. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002314-84.2020.8.26.0038, da Comarca de Araras, em que é apelante GINO BOLOGNESI PARTICIPAÇÕES LTDA, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE ARARAS.

ACORDAM, em 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente o Dr. Rogério Alessandre de Oliveira Castro – OABSP nº 121.133.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente) E BURZA NETO.

São Paulo, 13 de maio de 2021.

BOTTO MUSCARI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível nº 1002314-84.2020.8.26.0038

Apelante: Gino Bolognesi Participações Ltda

Apelado: Prefeitura Municipal de Araras

Comarca: Araras

Voto nº 34

TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. COMPRA E VENDA DE LOTEAMENTO INCONCLUSO. ADOÇÃO, PELO MUNICÍPIO, DO SOMATÓRIO DOS VALORES DOS LOTES. DESCONSIDERAÇÃO DO PREÇO AJUSTADO NA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA E TAMBÉM DO VALOR DE MERCADO DIVULGADO NO SÍTIO ELETRÔNICO DA PREFEITURA. INOBSERVÂNCIA DE LEI MUNICIPAL E DO ART. 148 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. AÇÃO PROCEDENTE PARA QUE SEJAM REVISTA A BASE DE CÁLCULO E REPETIDO O INDÉBITO.

Negociado loteamento inconcluso, se o Município deseja empregar base de cálculo de ITBI diversa do preço ajustado na escritura pública e do valor de mercado constante em seu próprio sítio na rede mundial de computadores (somatório dos valores de todos os lotes), deve antes submeter o tema à Comissão mista estabelecida no Código Tributário local e observar as balizas do art. 148 do CTN.

Trata-se de apelação interposta por Gino Bolognesi Participações Ltda. contra a r. sentença de fls. 190/196, que julgou improcedente ação de revisão da base de cálculo de ITBI, c/c pedido de repetição de indébito, proposta em face do Município de Araras.

Afirma a recorrente que: i) em 4 de outubro de 2019, celebrou compromisso de venda e compra de área relativa ao inconcluso Loteamento Jardim Vista Araras, formado por 466 lotes (460 residenciais; 6 comerciais), com área total de 371.613,95 metros quadrados (matrícula 54.139/R.I. de Araras); ii) aos 19 de novembro de 2019, Notário desta Capital finalizou minuta de escritura de compra e venda; iii) de posse da minuta, a Divisão de Tributação do Município de Araras encaminhou guia de recolhimento de ITBI em seu nome, com abusivo valor de R$ 1.346.248,98; iv) questionada, a referida Divisão informou que considerara a metragem quadrada de cada lote individualizado, não a área total do loteamento; v) não tinha alternativa ao pagamento do imposto e o fez; vi) junto com a vendedora São José Desenvolvimento Imobiliário 75 Ltda., fez lavrar escritura pública em 22 de novembro de 2019, pagando R$ 18.000.000,00 pelo imóvel e R$ 5.000.000,00 relativos à cessão de direitos do plano de loteamento e outras avenças; vii) considera totalmente incorreta a base de cálculo empregada pelo Município, ensejando lançamento arbitrário, ilegal e inconstitucional; viii) comprou o bem de raiz como um todo, não lotes individualizados, algo perfeitamente possível à luz do Direito; ix) tanto o Decreto-lei n. 58/37 quanto a Lei Federal n. 6.766/79 alude a “propriedade loteada”; x) quem compra um loteamento se torna dono do todo, não de lotes individualizados, segundo a melhor doutrina; xi) assumiu obrigação de ultimar obras de infraestrutura, proceder à venda da maior parte dos lotes e, ao cabo, outorgar escrituras aos compromissários compradores; xii) adotada alíquota de 2% sobre a (correta) base de R$ 23.000.000,00, chega-se a um ITBI de R$ 460.000,00, em lugar dos R$ 1.346.248,98 exigidos pelo apelado; xiii) existe matrícula una da área global; xiv) por força de lei, base de cálculo do imposto é o valor pactuado no negócio ou o valor de mercado do imóvel negociado à vista em condições normais de mercado, se for este maior; vx) o Município de Araras não empregou nem o valor de seu cadastro, nem o do negócio concretamente celebrado; xvi) certidão de valor venal obtida no site da própria Prefeitura de Araras revela que o valor de mercado, justamente para fins de ITBI, corresponde a R$ 5.405.370,17; xvii) o imóvel está cadastrado como um todo no sistema do recorrido; xviii) o Município induziu em erro o Magistrado sentenciante; xix) quando lança IPTU, o apelado entende e concorda em que existe imóvel com loteamento a ser implantado, considerando a área total (carnê uno de IPTU, não fracionado para cada lote); xx) nossa Carta Maior veda o confisco; xxi) muito embora no exercício 2021 (bem depois do negócio de que tratamos) os lotes tenham sido individualizados no cadastro do recorrido, seguem matricula do todo na Serventia Predial e identificada área total no sítio eletrônico da Prefeitura; xxii) não se pode perder de vista o objeto da compra; xxiii) o critério adotado por seu adversário justificar-se-ia se houvesse negociação de lotes residenciais entre consumidores e loteador, depois de finalizado o empreendimento; xxiv) faz jus à restituição de R$ 886.248,98; xxv) merece lembrança a Súmula 546/STF; xxvi) o MM. Juiz a quo adotou o Direito Urbanístico, em vez do Tributário, para solucionar conflito versando base de cálculo de ITBI na compra de imóvel como um todo (fls. 202/237).

O Município de Araras ofereceu contrarrazões nas quais requer o não conhecimento do apelo, por ausência de impugnação específica, ou seu improvimento (fls. 245/253).

É o relatório.

Conforme decidiu esta Câmara, “se o recorrente impugna especificamente a sentença, contrastando com argumentos os fundamentos ali motivados, não há defeito que imponha o não conhecimento do recurso, vez que devidamente observado o princípio da dialeticidade” (Apelação Cível n. 1502323-20.2018.8.26.0115, j. 26/01/2021, rel. Desembargador ROBERTO MARTINS DE SOUZA).

Quem lê atentamente as razões de apelação constata que “Gino Bolognesi” não se limitou a reproduzir argumentos expendidos na petição inicial e na réplica: censurou a r. sentença (vide, por exemplo, o subitem 5.8 de fls. 215, o subitem 5.9 de fls. 215, o subitem 5.10 de fls. 215/216 e o subitem 5.16 de fls. 217).

O Código de Processo Civil de 2015 positivou o princípio da primazia da decisão de mérito em seu art. 4º (“As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”). Nesta quadra procedimental, observância da primazia significa conhecer do recurso sempre que possível, evitando pronunciamentos impedientes do rejulgamento da causa pelo juízo natural colegiado.

Em suma, não vinga a preliminar de fls. 247, subitem II.I.

Passando ao mérito recursal, assiste razão à apelante.

O compromisso de venda e compra celebrado pela autora deixa expresso que o Loteamento Jardim Vista Araras não estava finalizado ao tempo do negócio (“existem ainda obras de infraestrutura que precisam ser finalizadas” – fls. 27, n. IV). Também a escritura pública indica que “a COMPRADORA assume as obrigações ajustadas pela VENDEDORA com o Município de Araras relativas ao término das obras de infraestrutura do loteamento” (fls. 76).

Na Serventia Predial existe uma única matrícula para a gleba toda (fls. 41/56), na qual se acha registrado o Loteamento (fls. 44 R.07).

Certidão obtida no site da Prefeitura dá conta de que o valor de mercado do terreno, justamente para fins de recolhimento do ITBI, correspondia a R$ 5.405.370,17 no exercício 2019 (fls. 83).

Ainda que se admitisse ao Município apartar-se do valor do negócio celebrado e também daquele divulgado em seu sítio eletrônico, por entender que a compra e venda versava imóvel de valor substancialmente maior, haveria procedimento indispensável que não foi observado.

O art. 222 do Código Tributário de Araras (instituído pela Lei n. 3.362/01 e, no que interessa a este recurso, alterado pela Lei Complementar n. 22/2012) dispõe: “A base de cálculo do imposto é o valor pactuado no negócio jurídico ou o valor de mercado do bem ou direito negociado à vista em condições normais de mercado, se este for maiorI – O valor de mercado mencionado no caput deste artigo será apurado por meio de Comissão de Valores Imobiliários que será composta por dois membros da Administração Pública e três membros da Sociedade Civil, sendo dois indicados pelos representantes das Imobiliárias do Município de Araras e um indicado pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Araras, os quais serão nomeados pelo Executivo, a fim de assegurar sua compatibilização com os valores praticados no Município e será regulamentada por Decreto; II A cada revisão dos valores dos imóveis, o órgão responsável do Poder Executivo fará a publicidade da respectiva tabela” (destaquei).

Vê-se claramente que, para adotar os R$ 67.312.448,86 referidos no documento de fls. 69, o apelado deveria antes submeter o tema à Comissão formada por dois de seus membros e três representantes da sociedade civil.

A certidão de fls. 124 e seguintes, expedida pelo Presidente da Comissão de Avaliação de Bens Imóveis da Prefeitura, não legitima a vultosa base de cálculo adotada em desfavor da apelante, pela boa razão de que nela consta, com todas as letras, que os lotes do Loteamento Jardim Vista Araras foram incluídos na planta genérica de valores do Município para o exercício de 2020* (fls. 124).

Registrada a escritura de venda e compra em 2019* (fls. 56 R.14), chega a ser óbvia a imprestabilidade da planta modificada no ano subsequente.

De acordo com o art. 148 do Código Tributário Nacional, suspeitando ou tendo certeza de que compradora e vendedora declararam valor incompatível com a realidade de mercado, pode o Município proceder ao arbitramento (“Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”).

Contudo, é preciso ter em mente lição de RICARDO ALEXANDRE: “Realizado de forma legítima o procedimento de arbitramento, deve-se assegurar ao sujeito passivo o exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório, conforme se extrai do art. 148 […], uma vez que este garante, em caso de contestação, ‘avaliação contraditória, administrativa ou judicial’” (Direito Tributário, 15ª ed., JusPODIVM, 2021, p. 492 ênfase minha).

A lição transcrita nas contrarrazões (fls. 252, initio) revela que os trabalhos da Comissão prevista em lei municipal não foi informado pelo contraditório. Algo aliás patente pelas vãs tentativas da autora no sentido de obter esclarecimento sobre a metodologia empregada na definição da base de cálculo do imposto (v. e-mails de fls. 71 e 72).

Tendo pago tributo substancialmente maior do que deveria (fls. 70), a apelante faz jus ao reembolso da diferença mencionada no subitem 6.6 da petição inicial, com correção monetária desde o desembolso (Súmula 162/STJ) e juros a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ).

Para evitar dúvida ou controvérsia sobre critérios empregáveis no cômputo do valor restituendo, vale recordar: “A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso” (STJ – REsp. n. 1.932.582, j. 26/04/2021, decisão monocrática proferida pelo Ministro OG FERNANDES).

Por todo o exposto, meu voto dá provimento à apelação para, afastada a base de cálculo adotada pelo Município de Araras, condená-lo à devolução nos moldes referidos acima, além do pagamento de honorários advocatícios no percentual estabelecido pelo digno Juiz sentenciante (fls. 196, item III).

BOTTO MUSCARI

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1002314-84.2020.8.26.0038 – Araras – 18ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Botto Muscari – DJ 20.05.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.