CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Imóveis rurais – Escritura de compra e venda – Qualificação negativa – Adquirente pessoa jurídica brasileira que tem como sócia majoritária empresa estrangeira, com sede no exterior, cuja única sócia é outra empresa estrangeira, também sediada no exterior – Equiparação para efeito das restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiro – Inteligência do art. 1º, § 1º, da Lei nº 5.709/71 – Óbice mantido – Nega-se provimento à apelação.


  
 

Apelação Cível nº 1005468-45.2019.8.26.0362

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1005468-45.2019.8.26.0362

Comarca: MOGI GUAÇU

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005468-45.2019.8.26.0362

Registro: 2021.0001026744

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005468-45.2019.8.26.0362, da Comarca de Mogi-Guaçu, em que é apelante PARTY NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI GUAÇU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 14 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1005468-45.2019.8.26.0362

Apelante: Party Negócios e Participações Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi Guaçu

VOTO Nº 31.648

Registro de Imóveis – Dúvida – Imóveis rurais – Escritura de compra e venda – Qualificação negativa – Adquirente pessoa jurídica brasileira que tem como sócia majoritária empresa estrangeira, com sede no exterior, cuja única sócia é outra empresa estrangeira, também sediada no exterior – Equiparação para efeito das restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiro – Inteligência do art. 1º, § 1º, da Lei nº 5.709/71 – Óbice mantido – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Party Negócios e Participações Ltda. contra a sentença (fl. 176) que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo a qualificação negativa formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis de Mogi Guaçu/SP em relação ao registro da Escritura de Compra e Venda datada de 08 de janeiro de 2019, lavrada pelo 16º Tabelião de Notas de São Paulo/SP, no Livro 4767, fl. 243, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 65.366 e 65.369 junto à referida serventia imobiliária.

Alega a apelante, em síntese, que não é empresa nacional controlada por pessoa jurídica com capital majoritariamente estrangeiro, razão pela qual não se faz necessária a autorização do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para aquisição de imóveis rurais, como exigido pelo registrador. Nesse sentido, ressalta que, diferentemente do quanto entendido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, sua sócia majoritária tem como única sócia uma empresa, cuja totalidade das ações pertence a um brasileiro (fl. 184/189).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 204/207 e 231).

Os autos foram redistribuídos a este Conselho Superior da Magistratura (fl. 212).

É o relatório.

2. Cuida-se de dúvida suscitada após negativa de registro de Escritura de Compra e Venda datada de 08 de janeiro de 2019, lavrada pelo 16º Tabelião de Notas de São Paulo/SP, no Livro 4767, fl. 243, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 65.366 e 65.369 junto ao Oficial de Registro de Imóveis de Mogi Guaçu/SP.

Dispõe a Lei nº 5.709/71 que:

“Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

§ 2º – As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º”.

A matéria relativa à interpretação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71, que para efeito das restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiro equipara a pessoa jurídica brasileira que tenha sede no exterior ou cuja maioria acionária seja estrangeira, foi objeto de apreciação pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP; Mandado de Segurança Cível 0058947-33.2012.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do Julgamento: 12/09/2012; Data de Registro: 05/10/2012).

Em consonância com o entendimento adotado por referido órgão julgador, sobreveio orientação normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido de que: “o § 1.° do artigo 1.° da Lei n.° 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte a dispensar os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.° 5.709/1971 e pelo Decreto n.° 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior.” (Parecer nº 461/2012-E, proferido nos autos do Processo CG nº 83.224/2010, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, por decisão datada de 05.12.2012).

O tema voltou a ser debatido perante o Supremo Tribunal Federal, em virtude de ação ajuizada pela União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra contra o Estado de São Paulo (Ação Civil Originária nº 2.463), visando a declaração de nulidade da orientação normativa contida no Parecer nº 461/2012-E da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, acima transcrito, para o fim de lhes assegurar a atribuição de autorizar, ou não, a aquisição de propriedade rural, no Brasil, por pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros residentes no exterior ou com sede em outro país.

Em atenção à liminar[1] deferida pelo ilustre Ministro Marco Aurélio nos autos da referida ação, foi publicado o Comunicado CG nº 1577/2016 (DJe de 08.09.2016), nos seguintes termos:

“COMUNICADO CG Nº 1577/2016 – PROCESSO Nº 2010/83224

A Corregedoria Geral da Justiça COMUNICA que, nos Autos da Ação Cível Originária ACO 2463 Distrito Federal, foi deferida pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, liminar suspendendo os efeitos do Parecer nº 461/12-E, de 03/12/2012, acolhido por r. decisão de 05/12/2012, do Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os Tabeliães e Oficiais de Registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5709/1971 e pelo Decreto nº 74965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, até o julgamento definitivo da ação.”

Ou seja, a orientação que dispensava os Tabeliães e Oficiais de Registro de observar as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, está suspensa.

Logo, estando suspensa a dispensa antes autorizada, prevalecem as restrições e determinações trazidas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 que, assim, devem ser observadas pelos Tabeliães e Oficiais de Registro.

E considerando que, até a presente data, não há notícia do julgamento da ACO 2463 pelo E. Superior Tribunal Federal[2], tal orientação vem sendo cumprida pelas serventias extrajudiciais do Estado de São Paulo. Nesse sentido, é o Parecer nº 182/2018-E nos autos do Processo nº 2018/00063613 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

No caso concreto, a Ficha Cadastral Simplificada fornecida pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (fl. 51/53), que reflete a 32ª Alteração e Consolidação do Contrato Social de “Party Negócios e Participações Ltda.” (fl. 76/96), confirma que a empresa nacional adquirente dos imóveis rurais tem como sócia majoritária a pessoa jurídica estrangeira Landale Bussiness S/A., com 99,999% de suas cotas sociais, enquanto o outro sócio e administrador, Daniel Steinbruch, detém apenas 0,0001% dessas cotas.

Ressalte-se que a sócia majoritária, Landale Bussiness S/A., está sediada em Belize (fl. 76) e tem como única sócia uma outra empresa estrangeira, a pessoa jurídica Landair Holding Ltd. (fl. 187), também sediada no exterior, de maneira que, diferentemente do quanto sustenta a apelante, não há que se falar em aquisição dos imóveis rurais por pessoa jurídica brasileira controlada por capital nacional.

Destarte, havendo expressas disposições legais e normativas sobre o tema, mostra-se correta a recusa formulada pelo registrador, devendo ser mantida a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Andamento processual: 01/09/2016 – Liminar deferida – Por MIN. MARCO AURÉLIO. Em 1/9/2016. “…3. Defiro a liminar pleiteada para suspender os efeitos do parecer nº 461/12-E da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, até o julgamento definitivo desta ação. 4. Considerada a identidade de objetos, apensem este processo ao revelador da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 342, para julgamento conjunto. 5. Pronunciem-se os autores acerca da contestação. 6. Vindo ao processo a manifestação, colham o parecer da Procuradoria-Geral da República. 7. Publiquem.”

[2] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4598070 (DJe de 15.03.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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