1VRP/SP: Registro de Imóveis. A cláusula restritiva de inalienabilidade somente se aplica a atos de liberalidade, implicando impenhorabilidade e incomunicabilidade, como se vê do Código Civil em vigor, notadamente da regra de seu artigo 1.911.

Processo 1002251-96.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Flip Negocios Imobiliarios Ltda – Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, mantendo o óbice. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: RAMIRO FREITAS DE ALENCAR BARROSO (OAB 33119/DF)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Processo Digital nº: 1002251-96.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Flip Negocios Imobiliarios Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Flip Negócios Imobiliários Ltda, tendo em vista negativa a requerimento de ingresso de instrumento particular de parceria imobiliária para exploração do imóvel objeto da matrícula n.120.118 daquela serventia.

O Oficial informa que o contrato em questão objetiva reforma e comercialização futura do imóvel, com estabelecimento de regras próprias entre os contratantes. A recusa se funda na ausência de previsão da hipótese no artigo 167 da Lei de Registros Públicos e porque há estipulação de cláusula de inalienabilidade, a qual é vedada em negócios onerosos.

Documentos vieram às fls. 06/38.

A parte suscitada manifestou-se às fls. 39/50, explicando o modelo de negócio formatado no instrumento particular, por meio do qual o proprietário admite a limitação do gozo e da alienabilidade do bem. Sustenta que não há impedimento à averbação da avença e que a modificação da situação jurídica do imóvel é necessária para preservação da boa-fé e da função social do contrato, bem como para publicidade das restrições acordadas. Defende a viabilidade da averbação da cláusula de inalienabilidade independentemente de se tratar de contrato oneroso diante da existência de previsão legal sem ressalvas (artigo 167, II, 11, da LRP), notadamente diante da justa causa decorrente da função social do contrato.

O Ministério Público opinou, primeiramente, pelo recebimento do feito como pedido de providências e, no mérito, pela manutenção do óbice (fls. 167/170).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, é importante ressaltar que este caso não envolve registro em sentido estrito justamente por não tratar de constituição ou modificação de direito real relativo a imóvel, o que, ademais, exigiria forma especial, nos termos do artigo 108 do Código Civil.

Como a impugnação deixa claro, o que se busca é averbação visando publicidade das restrições estipuladas por instrumento particular de parceria imobiliária.

O procedimento de dúvida registral, portanto, é inadequado, devendo o feito prosseguir como pedido de providências.

Também é importante destacar que, neste âmbito administrativo, não é analisada a relação obrigacional definida pelas partes, mas apenas a habilidade do título para ingresso no fólio real.

No mérito, o óbice deve ser mantido. Vejamos os motivos.

Não se desconhece que as hipóteses descritas no art. 167, inciso II, da Lei n. 6.015/73, que dizem respeito às averbações no registro de imóveis, são meramente exemplificativas.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):

“Como se sabe, as hipóteses de registro são previstas, de modo taxativo e exaustivo, nos diversos itens do inciso I do artigo 167 da LRP, constituindo numerus clausus.

O mesmo não ocorre, entretanto, nos casos de averbação, onde as hipóteses descritas no inciso II do mesmo artigo 167 são meramente exemplificativas, constituindo numerus apertus.

Termos em que, é manifesta a inviabilidade do registro do termo de constituição de garantia de alienação fiduciária de lavouras e produto (fls. 15/23).

Nesse sentido, a lição de Afrânio de Carvalho: (…) o registro não é o desaguadouro comum de todos e quaisquer títulos, senão apenas daqueles que confiram posição jurídico-real, como os constantes da enumeração da nova Lei do Registro (art. 167) – Registro de Imóveis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 236.

Na mesma direção, já decidiu a Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG nº 167/2005), como se observa: Tal dispositivo legal atribui ao elenco de hipóteses de averbação discriminadas na Lei de Registros Públicos o caráter de rol meramente exemplificativo, diversamente do que se passa com as hipóteses de registro do art. 167, I, enumeradas em caráter taxativo (cf. Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 50, nota 111; Valmir Pontes, Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 178, nota 2) – grifos não originais (…)” (Apel. Cível n. 0035067.98.2010.8.26.0576, DJ: 11/08/2011 – Relator: Maurício Vidigal).

Enquanto o registro de direitos e ônus reais sobre imóveis submete-se aos princípios da tipicidade e da legalidade, uma vez que restrito a rol taxativo (conforme tipos rígidos e exaurientes definidos em lei), os atos de averbação, por sua vez, são de natureza acessória e estão previstos em rol exemplificativo (numerus apertus), já que dizem respeito a mutações relativas a direitos e fatos anteriormente inscritos.

A regra do artigo 246 da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Medida Provisória n.1085/2021, assim estabelece:

“Art. 246: Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do artigo 167, serão averbados na matrícula as subrogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel”.

Temos, assim, duas formas de ingresso de títulos no fólio real, as quais cobrem situações jurídicas distintas, com finalidades próprias:

“Embora uma e outra cubram mutações jurídico-reais, a primeira destina-se a certas mutações e a segunda a outras diversas. A inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante, cobre as aquisições e onerações de imóveis, que são os assentos importantes, ao passo que a averbação cobre as demais, que alteram por qualquer modo os principais. A nomenclatura binária condiz com a diferença entre a principalidade dos primeiros atos e a acessoriedade dos segundos. Essa diferença, derivada da consideração recíproca dos atos, implica outra de natureza temporal, pois o que altera é necessariamente posterior ao alterado. Assim, pressupondo a inscrição, a averbação lhe é posterior, devendo consignar fatos subsequentes. A nova lei registral confirma esse conceito, visto como, após referência a casos expressos de averbação, a prevê para ‘as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro’ (art. 246). (…)

A averbação não muda nem a causa nem a natureza do título que deu origem à inscrição, não subverte o assento original, tão somente o subentende (…)” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª edição, Rio de Janeiro: editora Forense, 1998, página 117).

Há que se observar, porém, que, por se tratar o Direito Registral de ramo do Direito Público, a interpretação correta do princípio da legalidade é aquela pela qual somente se podem admitir hipóteses de registro e de averbação autorizadas por lei.

A propósito, decisão proferida pela E. Corregedoria Geral da Justiça (CG n. 39.751/2015, em parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Akel, destaques nossos):

“Não é isso o que a recorrente deseja. Ela quer a averbação – não o registro – do bem de família legal ou involuntário, aquele previsto na Lei 8.009/90. Diz que não há vedação legal à sua pretensão. Olvidou-se a recorrente, contudo, de que o Registrador deve agir segundo o princípio da legalidade. O rol de direitos passíveis de inscrição no folio real é taxativo. Não fica a critério do interessado ou do Registrador escolher quais títulos ou direitos registrar ou averbar. Aqui, não vale a regra de que o que não é vedado por lei é permitido. Ao contrário, no direito registral, no que respeita aos atos de registro ou averbação, só são permitidos aqueles expressamente previstos por lei”.

No caso concreto, inexiste supedâneo legal para o ato registral pretendido: estipulação de cláusula de inalienabilidade como garantia do pagamento, pelos proprietários, do investimento feito pela empresa parceira na reforma do imóvel (negócio oneroso).

A cláusula restritiva em questão somente se aplica a atos de liberalidade, implicando impenhorabilidade e incomunicabilidade, como se vê do Código Civil em vigor, notadamente da regra de seu artigo 1.911.

É certo que o título traz disposições relativas ao uso do bem (cessão da posse e restrição à ocupação), as quais, em tese, poderiam ter ingresso no fólio real por implicarem limitação ao domínio. Contudo, considerando que integram um único negócio jurídico atípico e se complementam para formar a vontade dos contratantes, impossível cindir o título para ingresso parcial.

Voltando à questão da averbação da cláusula de inalienabilidade, em que pese a ausência de ressalvas na previsão do artigo 167, II, item 11, da LRP, uma interpretação sistemática, atenta aos princípios que regem o Direito Registral e o direito de propriedade, notadamente sua função social sob o aspecto da responsabilidade patrimonial do proprietário, revela que referido dispositivo não pode ser aplicado em disposição voluntária, feita pelo próprio titular do domínio, como bem observa Ademar Fioranelli, amparado em doutrina nacional autorizada sobre o tema (destaque nosso):

“Se é certo que a lei não proíbe expressamente a imposição de cláusula restritiva pelo titular do domínio do imóvel, não menos certo é que a proibição para tanto está inserida nos princípios que regem o direito de propriedade, e em geral. Admiti-la, afora o instituto do bem de família, seria contrariar princípios de direito e normas legais; apoiar-se tal posição seria facultar ao devedor isentar seu bem de responder por uma dívida, quando o princípio normativo é no sentido de que o patrimônio do devedor responde por suas obrigações. Chegaríamos, assim, às raias da imoralidade” (Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil / Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, página 171).

Não é possível, portanto, mediante negócio privado firmado com o intuito de lucro, blindar o patrimônio do devedor em face de outros credores que não participaram da avença. Referida cláusula de inalienabilidade configura, assim, simples obrigação de não fazer, de cunho eminentemente pessoal e não real, pelo que impossível acesso à matrícula do imóvel.

A jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura segue tal entendimento:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Contrato particular de parceria em empreendimentos imobiliários – Título representativo de direito obrigacional – Pretensão de prevalência perante terceiros, visando assegurar o recebimento de suposto crédito – Recusa do registro – Ausência, ademais, dos requisitos para a realização de averbação preventiva – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1017364-22.2018.8.26.0071; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Conselho Superior de Magistratura; Julgamento: 25/07/2019).

Não bastasse todo o exposto, vale ressaltar que nosso sistema legal prevê outros direitos reais destinados a vincular bem imóvel como garantia de investimento aportado, os quais podem ter acesso ao fólio real, inclusive estabelecendo preferência, mas sem desassistir outros eventuais credores.

Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, mantendo o óbice. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de março de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 14.03.2022 – SP)

Fonte: DJe/SP.

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INSTITUCIONAL BOLETIM ELETRÔNICO INR CLASSIFICADORES INR SALAS TEMÁTICAS SERVIÇOS BASE DE DADOS CONSULTORIA INR (TRIBUTÁRIA, TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA) CONSULTORIA NOTARIAL E REGISTRAL. INR CONTÁBIL Apelação – Tutela cautelar em caráter antecedente – ITBI – Imunidade tributária – Entidade religiosa – Sentença de procedência – Alegada ausência de prova da destinação do imóvel – Hipótese que não afasta a aplicação da regra imunizante, prevista no art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal – Presunção de que o patrimônio é utilizado em prol das finalidades essenciais da entidade – Recurso não provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010377-55.2020.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante MUNICÍPIO DE SOROCABA, é apelado CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente) E MÔNICA SERRANO.

São Paulo, 16 de dezembro de 2021.

JOÃO ALBERTO PEZARINI

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Voto nº 35809 [DIGITAL]

Apelação nº 1010377-55.2020.8.26.0602

Apelante: Município de Sorocaba

Apelada: Congregação Cristã no Brasil

Comarca: Sorocaba

APELAÇÃO – Tutela cautelar em caráter antecedente – ITBI – Imunidade tributária – Entidade religiosa. Sentença de procedência. Alegada ausência de prova da destinação do imóvel. Hipótese que não afasta a aplicação da regra imunizante, prevista no art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal. Presunção de que o patrimônio é utilizado em prol das finalidades essenciais da entidade. Recurso não provido.

Apelação em face de sentença (fls. 110/14) que julgou procedente tutela cautelar em caráter antecedente para reconhecer imunidade tributária da autora [1], com fundamento no art. 150 VI, “b” da Constituição Federal, declarando a inexigibilidade de certidão de dívida ativa relativa a débitos de ITBI, além de determinar o cancelamento do protesto extrajudicial.

Em razão da sucumbência, o Município foi condenado ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa.

Alega que a autora não comprovou ter conferido “destinação religiosa” ao imóvel, necessária para reconhecimento da imunidade tributária. Ainda, defende o cabimento do protesto extrajudicial, nos termos da Lei Federal nº 9.492/97, modificado pela Lei nº 12.767/2012.

Pede reforma.

Contrarrazões às fls. 136/147.

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

Nos termos do artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto, com a restrição estatuída no § 4º:

“As vedações expressas no inciso VI, “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.

Veja-se, a propósito, o conceito de finalidades essenciais para os fins previstos no artigo 150, VI, “b”, § 4º, da Constituição Federal:

“Templo de qualquer culto é, no dizer de Aliomar Baleeiro, ‘o edifício e suas instalações ou pertenças adequadas àquele fim’; templo, assim, ‘compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função’.

O patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que afetados a essas finalidades vale dizer, o prédio onde se realiza o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis” [2].

Cabe destacar que a alegada ausência de prova da destinação do imóvel às finalidades essenciais da entidade, por si só, não afasta o direito à imunidade.

Nesse sentido, entendimento do STF:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE TEMPLOS RELIGIOSOS. IPTU. IMÓVEL VAGO. DESONERAÇÃO RECONHECIDA.

O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que não cabe à entidade religiosa demonstrar que utiliza o bem de acordo com suas finalidades institucionais. Ao contrário, compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem gravado pela imunidade. Nos termos da jurisprudência da Corte, a imunidade tributária em questão alcança não somente imóveis alugados, mas também imóveis vagos. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 800395 ES. Relator Min. Roberto Barroso, j. 28.10.2014)

Portanto, sendo a apelada entidade comprovadamente religiosa, impõe-se a presunção de que toda seu patrimônio esteja vinculado à realização das finalidades essenciais, cabendo ao Município apresentar prova em contrário, o que não ocorreu.

Sobre o tema, veja-se decisão do Supremo Tribunal Federal:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. IMUNIDADE. IGREJA. AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL NÃO EDIFICADO. PRESUNÇÃO DE DESTINAÇÃO ÀS FINALIDADES ESSENCIAIS DA INSTITUIÇÃO. NÃO UTILIZAÇÃO TEMPORÁRIA DO BEM. SITUAÇÃO DE NEUTRALIDADE QUE NÃO ATENTA CONTRA A RATIO DA REGRA IMUNIZANTE. CABE AO FISCO PROVAR EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” [3]

De rigor, portanto, a manutenção da sentença de improcedência, majorando-se a verba honorária em 1%.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso.

João Alberto Pezarini

Relator

Notas:

[1] Valor em 18.3.2020: R$ 1.699,99.

[2] Regina Helena Costa, in Imunidades Tributárias, 2ª Ed., Malheiros Editores, p. 157/158.

[3] ARE 876253 ED/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 24.11.2015. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1010377-55.2020.8.26.0602 – Sorocaba – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. João Alberto Pezarini – DJ 20.01.2022

Fonte: INR Publicações.

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16 Mitos e Verdades sobre a União Estável feita em Cartório

A União Estável feita em Cartório ainda desperta muita curiosidade. Ela faz parte de diversos outros assuntos muito importantes oriundos do DIREITO DE FAMÍLIA que podem ser tratados na seara EXTRAJUDICIAL sem a necessidade de se buscar o já assoberbado JUDICIÁRIO e infelizmente muitos colegas advogados desconhecem, refletindo com isso no prejuízo para a Sociedade que muitas vezes deixa de resolver seus problemas (ou mesmo PREVENI-LOS) já que o profissional consultado não conhece os caminhos disponíveis do Extrajudicial. A União Estável tem regramento legal em dois diplomas antigos (Lei 8.971/94, Lei 9.278/96, Código Civil, além dos par.3º e 4º do art. 226 da Carta Magna). Muitos outros atos normativos (especialmente do CNJ) ajudam a colorir o embasamento para essa forma de família.⁣

Neste brevíssimo ensaio vamos pontuar, no que diz respeito à União Estável feita em Cartório, alguns dos fatos mais comuns que podem ser considerados MITO e VERDADE, rogando desde já que os interessados se aprofundem no tema (já que meu objetivo sempre vai ser encaminhar você à leitura!!!). Vamos lá:⁣

1. SOMENTE A UNIÃO ESTÁVEL FEITA EM CARTÓRIO, POR ESCRITURA PÚBLICA, PODE SER RECONHECIDA POR LEI – MITO: a Lei não exige em qualquer momento ESCRITURA PÚBLICA para que o relacionamento de União Estável seja reconhecido. Basta a leitura do art. 1.723 do CCB para ver que tal formalidade não está dentro dos requisitos reclamados por Lei (“convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”). O que de fato está a Lei fala, quando fala em DOCUMENTO é o CONTRATO ESCRITO (art. 1.725) e mesmo assim não exige que seja por ESCRITURA PÚBLICA (ou seja, pode ser sim por Instrumento Particular). Diante da possibilidade enorme de ser um documento mal feito, a recomendação é que seja feita por alguém que conheça do assunto e também que seja feito por ESCRITURA PÚBLICA já que sendo assim ela ficará eternizada no acervo do Cartório (ou seja, sumiu basta pedir uma Certidão (popularmente chamada de “segunda via”) a qualquer momento…. e o Cartório tem que ter esse “original” sempre para possibilitar a expedição das certidões;⁣

2. É POSSÍVEL ESCOLHER REGIMES DE BENS COMO A SEPARAÇÃO DE BENS, A COMUNHÃO TOTAL DE BENS ETC – VERDADE: ressalvada a hipótese onde a Lei impõe a SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (vide art. 1.641 do CCB) o casal poderá escolher qualquer um dos regimes que o Código Civil já oferece (separação de bens, comunhão total/universal de bens, comunhão parcial, participação final nos aquestos) e ainda CRIAR UM REGIME DE BENS misto, tal como acontece no Casamento;⁣

3. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL TEM QUE SER FEITA NO CARTÓRIO DO DOMICÍLIO DO CASAL – MITO: a Lei não faz essa exigência em qualquer momento. Sendo feita por ESCRITURA PÚBLICA são atraídas as regras do art. 8º da Lei de Notários e Registradores (“Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio”), dessa forma – para o bem e para o mal – ela pode ser feita em QUALQUER CARTÓRIO DE NOTAS. Como não há qualquer sistema que controle e interligue a realização de Escrituras de União Estável em diversos Cartórios / Estados (e também pela possibilidade de ser feito por Instrumento Particular, o que esvaziaria suposta eficiência de um sistema interligando) isso também pode ser um problema;⁣

4. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA INTEIRAMENTE ON-LINE, SEM PRECISAR IR AO CARTÓRIO – VERDADE: especialmente no momento de PANDEMIA que vivemos passou a ser possível a realização de diversos atos notariais e registrais pela via eletrônica. Coube ao CNJ a tarefa de normatizar isso através do PROVIMENTO CNJ 100/2020 (que suplico desde já que os colegas LEIAM pois é muito bacana). Aqui cabe uma observação: para a realização de atos pelo formato eletrônico deverão ser observadas as regras dos arts. 19 e seguintes do provimento para fins de TERRITORIALIDADE (isso também já causou e pode estar causando muita dor de cabeça entre os colegas cartorários…);⁣

5. É OBRIGATÓRIO ADVOGADO PARA A REALIZAÇÃO DA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL – MITO: pouquíssimas vezes enquanto Cartorário eu vi um casal vir ao Cartório acompanhado de Advogado para realizar a Escritura Declaratória de União Estável. É preciso considerar que não é obrigatória a presença mas ela também não é PROIBIDA: sim, orientação jurídica nunca é demais. Vejo como o contexto ideal quando o casal realiza o ato (com a presença ou não) do Advogado mas através de ESCRITURA PÚBLICA feita em Cartório com base em MINUTA preparada pelo Advogado, conhecendo este os detalhes e objetivos do Casal;⁣

6. OBTER UMA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL É UM PROCEDIMENTO CARO, BUROCRÁTICO E DEMORADO – MITO: um dos atos notariais mais céleres e dinâmicos que existe é a lavratura da Escritura de União Estável. O Cartório geralmente já tem uma minuta pronta (lamentável usar “modelinhos” prontos mas costuma ajudar em muitos casos: o ideal é o casal fazer um documento voltado para os detalhes do casal e suas necessidades específicas). A Escritura fica pronta em MINUTOS. Claro que é preciso considerar as peculiaridades do Cartório e outros pontos, mas não é nem de longe um ATO COMPLEXO como um Inventário, Usucapião, Compra e Venda, Usufruto etc. Não é CARO pois é tecnicamente o que se chama de uma “Escritura sem valor declarado” já que não há transação imobiliária etc. A cobrança como em qualquer outro ato notarial é regrada por normas ESTADUAIS, então variará conforme o Estado. CONSULTE SEMPRE O TABELIONATO ANTES!⁣

7. SÓ CONSIGO FAZER A ESCRITURA SE EU FOR SOLTEIRO OU DIVORCIADO. CASADO SEPARADO DE FATO NÃO PODE – MITO: a Lei permite expressamente (art. 1.723, § 1º do CCB) que a UNIÃO ESTÁVEL se configure mesmo se algum deles (ou os dois) ainda for casado porém SEPARADO DE FATO (e basta uma declaração para isso, sem qualquer comprovação. A palavra das partes tem valor e o Tabelião não deve e nem pode, nesse caso, realizar “investigações”. Ele registra a declaração das partes apenas, que ali estiveram naquele dia e na sua presença disseram aquilo tudo, SOB AS PENAS DA LEI). Nessa hipótese de separados de fato só não recomendo a possibilidade de adoção de regime de bens com comunhão (para evitar confusão patrimonial. Imagine-se um separado de fato adotando a comunhão universal…. esquece!);⁣

8. POSSO MUDAR MEU NOME ACRESCENTANDO SOBRENOME DO MEU COMPANHEIRO ATRAVÉS DA UNIÃO ESTÁVEL – VERDADE: muita gente não sabe mas a modificação do nome é possível e há decisões do STJ sedimentando essa possibilidade (vide REsp 1306196/MG e REsp 1206656/GO, por exemplo);⁣

9. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME GARANTE TODOS OS DIREITOS DE PESSOA CASADA (PARTILHA, HERANÇA ETC) – MITO: não é certo dizer que a ESCRITURA garante. Quem garante é a configuração da União Estável através da reunião dos requisitos que a Lei exige. A Escritura é um importante instrumento que JUNTAMENTE COM AS DEMAIS PROVAS vai robustecer o conjunto probatório para configurar a União Estável e o casal precisa saber disso. ORA, o Instrumento isoladamente não configura e nem poderia. Lembre-se que a União Estável já foi chamada de “União Livre” em comparação ao casamento e com toda razão já que ela diferencia-se do casamento pela ausência de formalidades… o melhor conselho para quem vive em União Estável é sim cuidar das provas pois elas serão necessárias para a comprovação da sua configuração e através disso garantir que os direitos dela decorrente sejam usufruídos;⁣

10. NÃO POSSO FAZER UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO SE TIVER FILHOS MENORES – MITO: é plenamente possível fazer Escritura de União Estável em Cartório mesmo com filhos menores do casal. Observe-se que na hipótese estamos FAZENDO – e não DESFAZENDO – uma União. Sempre recomendei nesses casos que o casal juntasse no dossiê, além dos documentos de identificação e comprobatórios dos fatos, as Certidões de Nascimentos dos filhos, no caso. RECOMENDAÇÃO e não obrigatoriedade;⁣

11. POSSO ALTERAR A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO – VERDADE: infelizmente tivemos alguns casos onde os juízes não autorizavam a alteração utilizando-se ANALOGIA para aplicar (a restrição!!!) do que ocorre com a alteração do regime de bens em Casamento. Vejo como um equívoco já que não podemos aplicar restrição por analogia… é regra basilar de direito. De toda forma, basta pensar: se não posso alterar, então vou dissolver e fazer outro com as modificações pretendidas – ou seja – acaba-se com isso obrigando o casal a simular uma dissolução, ter mais trabalho e gasto de tempo e dinheiro para chegar no mesmo objetivo… um desserviço;⁣

12. POSSO REGISTRAR MINHA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL NO MEU REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E NO REGISTRO DE IMÓVEIS – VERDADE: muita gente também não sabe e desconhece o PROVIMENTO CNJ 37/2014 que tem a seguinte ementa: “Dispõe sobre o registro de união estável, no Livro E, por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais”. ORA, é plenamente possível o registro. No Registro de Imóveis também é possível. No Rio de Janeiro a possibilidade está regulada pelo PROVIMENTO CGJ 03/2019. Aqui cabe ponderar sobre o ponto seguinte:⁣

13. SÓ A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME PERMITE CONVERTER UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO – MITO: novamente não é o título (Escritura) que vai permitir ou não a Conversão da União Estável em Casamento. A Lei permite expressamente aos interessados (já que não se trata de obrigatoriedade mas sim facultatividade) a conversão da União Estável em Casamento. Isso pode ser feito tanto JUDICIALMENTE quanto EXTRAJUDICIALMENTE (vide o precedente do TJRJ – AgInst 0038080-09.2015.8.19.0000). No Rio de Janeiro o Código de Normas regula expressamente o procedimento EXTRAJUDICIAL de conversão nos artigos 783 e seguintes;⁣

14. PARA A DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL A PRESENÇA DE ADVOGADO É OBRIGATÓRIA – VERDADE: a regra está estatuída no art. 733 e seguintes do CPC/2015 e de fato aqui, diferentemente da Escritura DECLARATÓRIA de União Estável, a presença do Advogado é obrigatória e requisito de Lei. NUNCA É DEMAIS LEMBRAR QUE O CARTÓRIO NÃO PODE INDICAR ADVOGADO E NEM FORNECER ADVOGADO para o ato. As partes devem procurar e trazer seu profissional de confiança ou mesmo o Defensor Público;⁣

15. POSSO FAZER ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM – VERDADE: embora muitos cartórios torçam o nariz para fazer essa Escritura (e como já falei aqui, fazer cara feia ou torcer o nariz não resolve. Se é possível fazer e os requisitos foram prenchidos o Cartório TEM QUE FAZER, sob pena de responsabilização) ela é plenamente possível. Aqui no Rio de Janeiro temos desde 2014 um Parecer da CGJ/RJ deixando claro sobre a possibilidade. Vale a consulta (Parecer SN84/2014 referente ao Processo 2013-204757);⁣

16. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA COM DATA RETROATIVA – MITO: nenhum ato notarial (Escritura, Procuração, Reconhecimento de Firma etc) pode ser feito com data retroativa. Quando o cidadão vai até o Cartório e pede um reconhecimento de firma, por exemplo, ele é praticado com a data em que de fato o preposto realiza o ato (e cola a etiquetinha de reconhecimento, se esse for o caso). Da mesma forma uma Escritura Pública (seja ela de União Estável ou não): ela vai “sair” com a data do dia em que o ato foi praticado, selado e assinado – PORÉM – nada impede que sejam declarados no documento que o casal vive em União Estável há cinco anos, dez anos etc. IMPORTANTE ressaltar que os efeitos não vão retroagir já que o CONTRATO ESCRITO (aqui sob a forma pública, então) só passou a existir a partir da lavratura. No caso da adoção do regime da Comunhão Universal de Bens, por conta da particularidade deste regime (que tem a retroação de efeitos como característica, na forma da Lei) há sim retroação de efeitos para garantir meação sobre bens anteriores (vide REsp 1459597/SC). CUIDADO com a Comunhão Universal…

Fonte: Anoreg/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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