CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Suposta ofensa ao princípio da especialidade objetiva não configurada – Imóvel que sofreu pequeno desfalque – Partilha do todo remanescente – Possibilidade de verificação da disponibilidade quantitativa e qualitativa – Óbice afastado – Apelação provida.


  
 

Apelação nº 1000378-61.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000378-61.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1000378-61.2022.8.26.0100

Registro: 2022.0000723997

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000378-61.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARIA SUELI CONTI MISITI, é apelado 8º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de setembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000378-61.2022.8.26.0100

APELANTE: Maria Sueli Conti Misiti

APELADO: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 38.781

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Suposta ofensa ao princípio da especialidade objetiva não configurada – Imóvel que sofreu pequeno desfalque – Partilha do todo remanescente – Possibilidade de verificação da disponibilidade quantitativa e qualitativa – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Maria Sueli Conti Misiti contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, em razão da recusa do registro de formal de partilha e respectivo aditamento, expedidos nos autos do Processo nº 2000005-20.1979.8.26.0003 da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional III Jabaquara, Comarca da Capital, referentes à partilha do remanescente do imóvel objeto da transcrição nº 105.768 do 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo/SP (fls. 236/240).

Alega a apelante, em síntese, que o formal de partilha foi aditado e que, diante da exatidão das medidas constantes da transcrição nº 105.768 e da área destacada, a área remanescente está devidamente descrita, totalizando 276,80m². Aduz que não há risco de sobreposição de áreas, sendo desnecessária a retificação exigida pelo Oficial de Registro.

Afirma que, na matrícula aberta para a área destacada anteriormente, as medidas são exatas, com perfeita identificação das metragens perimetrais e confrontações do imóvel. Sustenta que, por se tratar de imóvel urbano, com averbação de construção, localização, nome do logradouro e numeração da edificação, não se faz necessário constar a informação do lado da quadra em que se encontra o imóvel e a distância métrica até a esquina, como consignado na sentença recorrida. Por fim, ressalta que a planta do setor técnico da Prefeitura, em que apurada a divergência de metragem apontada como óbice ao registro pelo registrador, não pode prevalecer em detrimento das medidas constantes do registro imobiliário (fls. 246/254).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 275/277).

É o relatório.

O registro do formal de partilha foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução nos seguintes termos (fls. 201/202):

“Conforme averbação nº 2 da transcrição acima, foi transmitida parte do imóvel com a área de 123,20m² e matriculada sob nº 5.483, desta Serventia. Diante disso, se faz necessária a apuração do remanescente do imóvel, por procedimento próprio previsto no artigo 213 da Lei de Registros Públicos (…), possibilitando, assim, a abertura de matrícula do terreno, cujo ato impõe uma descrição tabular capaz de afastar os riscos de sobreposição, total ou parcial, e que contenha lastro geográfico possibilitador da efetiva identificação do bem (exigência dos artigos 176, I, II, 3, “b” e 225 da Lei de Registros Públicos nº 6.015/73).”

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, que segue as regras vigentes ao tempo em que a inscrição (lato sensu) foi rogada (princípio tempus regit actum).

A despeito dos bem lançados fundamentos, a r. sentença recorrida tem de ser reformada para que, afastado o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis, seja deferido o registro stricto sensu do formal de partilha, como rogado.

Para o direito registrário, não basta que o imóvel objeto de inscrição seja determinado; é preciso que seja especializado, ou seja, que seja descrito:

“Primeiramente, observe-se que especializar, para o sistema registral, não é o mesmo que determinar o ente individuado (trate-se aqui de pessoas, fatos ou coisas). Com efeito, é de todo possível determinar sem especializar: pode dizer-se que um dado imóvel se designe ‘Fazenda Carlos de Laet’; outro, ‘Chácara Imperador Felipe II’; e esses imóveis poderão estar determinados para o registro, suposto que sociologicamente se reconheçam de modo notório (com notoriedade quoad se). E, no entanto, podem não ter, no registro, medidas de contorno, indicação de superfície, lugar ubi, parâmetros referenciais, figura, etc. Ou seja, estão determinados, mas não estão especializados.

Determinar é identificar; já especializar é individualizar de maneira característica, visando a distinguir, demarcar, estremar o ente individual […].

Todavia, se impossível é definir o ente individual, já o mesmo não se passa com sua descrição. E descrevê-lo é exatamente indicar algo singular dentro de sua especialidade, enunciar aquilo que o torna indivíduo no âmbito da espécie, ou seja, aquilo que lhe dá uma natureza concreta indivídua” (Ricardo Dip, Registro de Imóveis (princípios), tomo II, Descalvado: Primvs, 2018, p. 9-10, n. 240, grifos do autor).

O meio técnico de fazer essa descrição é o apontado pelas normas vigentes, em especial pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º a 5º e 13, e 225. Confira-se, em particular:

“Art. 176. […]

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

II – são requisitos da matrícula:

[…]

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

[…]

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.”

Isso vem explicitado pelas Normas dos Serviços Extrajudiciais, Capítulo XX, itens 10.1, 10.1.1, 10.3, 54.3, 54.5, 56 c, 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70. Dentre essas orientações, vale destacar:

“57. A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

I se urbano:

a) a localização e nome do logradouro para o qual faz frente;

b) o número, quando se tratar de prédio; ou, sendo terreno, se fica do lado par ou ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima; ou número do lote e da quadra, se houver;

c) a designação cadastral, se houver.

[…]

IV as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como

“com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando-se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.

V a área do imóvel.”

No caso concreto, mister anotar que, na transcrição nº 105.768 do 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, o imóvel identificado como lote 48 da quadra 8-B da Vila Monte Alegre, está assim descrito: “Um terreno medindo 10,00m de frente para a Rua Mauricio de Lacerda, por 40,00m da frente aos fundos de ambos os lados, tendo nos fundos a largura da frente, encerrando a área total de 400,00m², confinando de ambos os lados e fundos com Anníbal de Barros Fagundes e outros ou sucessores.” E segundo as AV-1 e AV-2, ficou constando, respectivamente, que “no terreno objeto da presente transcrição, o adquirente construiu um prédio residencial na frente e mais um nos fundos, que recebeu o nº 656, da Rua Mauricio de Lacerda” e que foi “transferida parte com a área de 123,20m², através da matrícula 5.483, de 23/06/1976, desta Serventia” (fls. 185/187).

Para o registro da referida alienação de parte da área objeto da transcrição nº 105.768 foi aberta a matrícula nº 5.483 junto à referida serventia predial, com descrição algo precária, é verdade, mas, ainda assim, com menção ao logradouro em que localizado o imóvel, número e designação cadastral, bem como às confrontações e ao cálculo de sua área: “Uma casa e seu respectivo terreno, situados à Rua Mauricio de Lacerda nº 656, medindo o terreno, que é constituído de (…) parte do lote 48 da quadra 8-B, da Vila Monte Alegre, no 42º Subdistrito-Jabaquara, medindo o terreno 8,00ms. de frente, por 15,40ms., mais ou menos da frente aos fundos em ambos os lados, tendo nos fundos a mesma largura da frente, encerrando a área total aproximada de 123,20ms2., confinando de um lado com Annibal de Barros Fagundes e outros, e do outro lado e fundos com os proprietários. Inscrito no cadastro dos contribuintes da Prefeitura Municipal sob nº 047.163.0060” (fls. 189/196).

Não se contesta que, considerado o atual estado da técnica e as exigências atuais da doutrina jurídica e do tráfego imobiliário, a descrição do imóvel na matrícula aberta deveria ser melhorada.

Entretanto, fato é que a partilha pode ser registrada, pois incidiu sobre todo o remanescente da área da transcrição nº 105.768, que foi tratado como corpo certo, sem possibilidade de erro quanto ao imóvel.

Veja-se que a área total objeto da transcrição nº 105.768 perfazia 400m², o que ensejou a abertura da matrícula nº 5.483 corresponde a uma área de, como consta do assento, aproximadamente 123,20m². No título apresentado a registro, o imóvel partilhado tem área de 276,80m² (fls. 227), ou seja, corresponde exatamente à área remanescente da transcrição nº 105.768 que, cumpre ressaltar, trazia perfeita identificação do imóvel.

Em outras palavras, a expressão “mais ou menos” utilizada para referência da metragem da frente aos fundos do imóvel objeto da matrícula nº 5.483 não é suficiente para impedir o ingresso do título que tem por objeto a área total remanescente na transcrição nº 105.768. Nem mesmo a falta de indicação do lado par ou ímpar do logradouro em que localizado o imóvel, bem como da distância métrica até a edificação ou esquina mais próxima é suficiente para a recusa do registro postulado, pois na matrícula aberta para a área destacada há menção ao nome do logradouro e número da edificação, assim como de sua designação cadastral, o que o torna perfeitamente identificável.

Ademais, a divergência dos dados cadastrais municipais relativos à testada do imóvel não afasta a presunção de veracidade do conteúdo do assento imobiliário.

Em suma, a despeito das imprecisões da descrição da área destacada, fato é que o desmembramento havido, sendo pequeno e único, ainda permite concluir que subsiste disponibilidade quantitativa e qualitativa na transcrição.

A bem ver, a solução contrária, isto é, o indeferimento da inscrição, nessas circunstâncias específicas, não só negaria eficácia à transcrição (que é válida e produz efeitos até que se desfaça, nos termos da Lei nº 6.015/1973, art. 252), como dificultaria, ainda mais, o seu aperfeiçoamento (neste caso, por negar que os herdeiros obtenham a disponibilidade de seu direito). Logo, deve-se afastar a exigência e proceder ao pretendido registro stricto sensu de partilha, relativo ao imóvel objeto da transcrição nº 105.768, como rogado.

Cabe salientar que a descrição do imóvel, tal como consta da transcrição (e, agora, do formal de partilha), não foi em nada inovada, o que poderá ser feito no futuro, mediante apuração de remanescente, sem prejuízo atual para a segurança jurídica.

Nesse sentido, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida Sucessão causa mortis Título notarial Escritura pública de inventário e partilha Óbices relativos à especialidade objetiva de dois imóveis distintos Imóvel que sofreu pequeno desfalque, sem que, entretanto, se tenha feito impossível a verificação de disponibilidade quantitativa e qualitativa Inexistência de inovação na descrição do imóvel desfalcado Prédio tratado como corpo certo, o que permite o registro da partilha Outro imóvel que, entretanto, tem área superior a cem hectares e tem de receber descrição por coordenadas georreferenciadas Exigência de georreferenciamento que também se aplica às transmissões a causa de morte Precedente Exigência mantida quanto a esse segundo imóvel Apelação a que se dá parcial provimento” (TJSP; Apelação Cível nº 1000032-10.2020.8.26.0059; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Bananal – Vara Única; Data do Julgamento: 17/09/2021; Data de Registro: 04/10/2021).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo para, afastado o óbice registral, julgar improcedente a dúvida e permitir o registro do título.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 26.10.2022 – SP)

Fonte:  INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito