TJ/SP: Apelação Cível e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre imóvel – Inexigibilidade da cobrança – Não configurada a ocorrência do fato gerador do ITBI – Ausência de registro imobiliário relativo à transmissão de direitos reais sobre o bem – Observância ao disposto no art. 35, I, do CTN e art. 1.245 do Código Civil – Jurisprudência, nesse sentido, dos E. STJ e TJSP – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade não providos.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1051223-44.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, é apelada MARTA ENIA SCHOR FISZMAN.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente sem voto), REZENDE SILVEIRA E GERALDO XAVIER.

São Paulo, 1º de março de 2023.

SILVANA MALANDRINO MOLLO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível / Reexame Necessário nº 1051223-44.2022.8.26.0053

Apelante/ Recorrente: Municipalidade de São Paulo e Juízo Ex Officio.

Apelada/Recorrida: Marta Enia Schor Fiszman

Comarca: São Paulo

Juiz (a) de origem: Luis Manuel Fonseca Pires

VOTO Nº 16.496

APELAÇÃO CÍVEL e REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre imóvel – Inexigibilidade da cobrança – Não configurada a ocorrência do fato gerador do ITBI – Ausência de registro imobiliário relativo à transmissão de direitos reais sobre o bem – Observância ao disposto no art. 35, I, do CTN e art. 1.245 do Código Civil – Jurisprudência, nesse sentido, dos E. STJ e TJSP – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade não providos.

Trata-se de Reexame Necessário e Recurso de Apelação interposto pela Municipalidade de São Paulo, em face da r. sentença de fls. 62/65 destes autos digitais, que, em Mandado de Segurança impetrado por Marta Enia Schor Fiszman contra ato do Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, julgou procedente em parte o pedido, concedendo a segurança “para determinar à autoridade impetrada que considere quanto à cessão de direitos provenientes de contrato de compromisso de venda e compra dos imóveis descritos a impossibilidade de cobrança do ITBI”.

A Municipalidade apelante alega, em síntese, que, nos termos do art. 156, II, 3ª parte, da Constituição Federal, art. 35, III, do Código Tributário Nacional, e art. 2º, IX, da Lei Municipal nº 11.154/91, a cessão de direitos à aquisição de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis é hipótese de incidência do ITBI. Assevera que a Constituição Federal não exige, para fins de incidência do ITBI, que os direitos cedidos pelo contribuinte (cedente) sejam, eles próprios, direitos reais. Defende que o ato de registro imobiliário não se destina, por si próprio, à transmissão da propriedade, mas visa, tão somente, a garantir a publicidade e segurança dos negócios jurídicos, e que, para fins de incidência do ITBI em questão, é absolutamente irrelevante que tenha levado a registro o respectivo título, sob pena de se criar subterfúgios para o não pagamento do imposto. Subsidiariamente, sustenta que o ITBI incidente sobre a cessão de direitos à aquisição de imóvel deve ser recolhido no momento do registro da escritura pública. Requer, ao final, o provimento do recurso, a fim de que seja denegada a ordem pretendida.

O recurso tempestivo foi regularmente recebido e processado, sobrevindo a oferta de contrarrazões a fls. 105/113.

É O RELATÓRIO.

Deixo de remeter os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça, tendo em vista a disponibilidade do direito discutido, inclusive enfatizada pelo Parquet, a fls. 59/60.

Depreende-se dos autos que Marta Enia Schor Fiszman impetrou Mandado de Segurança, visando o reconhecimento da inexigibilidade do ITBI sobre a cessão de direitos proveniente de contrato de compromisso de compra e venda dos imóveis descritos na petição inicial.

A fls. 32/34, foi deferido o pedido liminar, no sentido de afastar o recolhimento do ITBI, tal como almejado pela impetrante.

Após requerer seu ingresso no feito na qualidade de assistente litisconsorcial, a Municipalidade de São Paulo apresentou informações/defesa (fls. 41/54), sobrevindo, em seguida, a r. sentença alhures referida, objeto dos recursos voluntário e oficial, que passo a analisar em conjunto.

Pois bem.

A questão sub judice cinge-se à possibilidade da incidência do ITBI sobre negócio jurídico de cessão de direitos possessórios.

Com efeito, o ITBI é previsto pelo artigo 156, inciso II, da Constituição Federal:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”

Determinada a competência municipal para a instituição do tributo, o Código Tributário Nacional, lei complementar que traz normas gerais em matéria de legislação tributária, estabelece, em seu art. 35, a definição dos fatos geradores do ITBI, in verbis:

“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.”

Da conjunção desses dois dispositivos, tem-se que o ITBI é instituído por lei municipal e incide sobre a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, ou ainda de direitos reais sobre eles, bem como a cessão de direitos relativos a essas transmissões.

A Constituição Federal tem supremacia hierárquica em relação a todo o restante das leis, sejam estas complementares ou ordinárias, tanto em seu aspecto formal quanto material, de modo que todas elas devem se conformar às disposições daquela, sob pena de serem inconstitucionais e expurgadas do ordenamento.

Não é outro o sentido do que dispõe o artigo 110 do CTN, ao rezar que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado de alguma maneira utilizados pela Constituição Federal. Ora, se a lei fundamental utiliza um conceito em determinado sentido, qualquer lei hierarquicamente inferior que o utilize de forma diversa, contrariando o que está nela disposto, será inconstitucional.

Por isso, quando o artigo 156, inciso II, da CF, fala de transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, sem fazer maiores esclarecimentos acerca da definição desses conceitos, ele os está tomando do direito privado (Código Civil), tal qual definidos no ordenamento jurídico brasileiro.

Ali, os direitos reais constam no artigo 1.225.

Além disso, o artigo 1.227 do mesmo Diploma Civilista dispõe que os “direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

Depreende-se, pois, que a incidência do ITBI, segundo a disciplina do CTN, só terá lugar: (I) quando houver a transmissão da propriedade, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis; (II) quando ocorrer a transmissão de um dos direitos reais elencados pelo art. 1.225 do CC, também devidamente registrada, ou; (III) quando forem cedidos direitos relativos à transmissão da propriedade ou de outros direitos reais.

In concreto, o caso se trata de cessão de direitos possessórios, que o Município considera como fato gerador do tributo, ao passo que a contribuinte, não. Ora, diante do quanto aqui exposto, evidenciase que as cessões de direitos que se amoldam à hipótese de incidência do ITBI são aquelas de direitos reais, e a posse não é um direito real, uma vez que não consta do rol deles contido no artigo 1.225 do CC.

Vê-se, portanto, que, enquanto o direito de uso é um dos direitos reais elencados pelo Código Civil, a posse não o é.

Essa distinção fundamental entre os direitos reais e os que não os são, como aqueles relacionados à posse, torna impossível sua equiparação, não havendo dúvida, na jurisprudência, de que só a transmissão de direitos reais enseja a incidência do ITBI.

Confira-se o que diz o E. Superior Tribunal de Justiça a respeito:

TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE CESSÃO – NÃO INCIDÊNCIA – Promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI” (AgRg no REsp nº 327.188/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJe 24/06/2002).

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI). BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. FATO GERADOR. REGISTRO DA TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. SUMULA 83/STJ.

1. O valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes do STJ.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico no ofício competente.

3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, ‘in casu’, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: ‘Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.’

4. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea ‘a’ do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010.

3.Recurso Especial de que não se conhece.”

(REsp. nº 1670521/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27/06/2017, DJe 30/06/2017) (g.n.)

Nessa trilha, diversos são os julgados desta E. Corte Paulista, dentre os quais, destacam-se:

“APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO – Insurgência em face da sentença que julgou procedente o pedido – Descabimento – Mera cessão de direitos não caracteriza fato gerador – O ITBI é exigível no momento do registro da venda e compra – Sentença mantida, pois consentânea com o entendimento firmado pelo julgamento do Tema 1.124 pelo STF, que fixou a tese, segundo a qual “o fato gerador do imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” – No caso concreto, trata-se de cessão de direitos de promitente vendedor de unidades autônomas a serem ainda individualizadas, não caracterizando o fato gerador Remessa necessária, que se considera interposta, e recurso voluntário da municipalidade improvidos.” (TJSP; Apelação Cível 1023054-47.2022.8.26.0053; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/11/2022; Data de Registro: 30/11/2022)

“Apelação. Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis. Escritura pública de cessão de direitos possessórios. Não incidência do tributo. Instituto da posse que não se equipara a propriedade, a domínio útil ou a direito real. Inteligência do disposto no artigo 156, II, da Constituição Federal, no artigo 35 do Código Tributário Nacional e no artigo 1.225 do Código Civil. Precedentes da corte. Recurso denegado.” (Apelação / Remessa Necessária nº 1000852-18.2018.8.26.0247, rel. Des. Geraldo Xavier, j. 7.11.2019).

“APELAÇÃO CÍVEL – Ação Declaratória – ITBI – Lançamento do tributo com base em instrumento particular de cessão de direitos possessórios – O fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro no Cartório de Registro de Imóveis – Ausência do fato gerador do tributo – Impossibilidade de cobrança – Precedentes do STF, do STJ e desta 15ª Câmara de Direito Público – Inversão dos ônus de sucumbência – Sentença reformada – Recurso provido.” (Apelação Cível nº 1000264-24.2019.8.26.0587, Rel. Des. Eutálio Porto, j. 5.11.2019).

Ademais, em recente julgado, o E. STF reafirmou sua pacífica jurisprudência no sentido de que o ITBI só é devido a partir da transferência da propriedade imobiliária, efetivada mediante o registro em cartório, por força do julgamento do ARE nº 1294969, com repercussão geral (Tema 1124), que fixou a seguinte tese:

“O fato gerador do imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”

Logo, não tendo havido a transmissão de direitos reais sobre o bem imóvel, não ocorre o fato gerador do ITBI, sendo descabida sua cobrança pela Municipalidade. Nesse sentido, não merece qualquer reparo a r. sentença recorrida, que bem apreciou a questão, restando insubsistente, pelos mesmos fundamentos já colocados, o pedido subsidiário da apelante no sentido de que o ITBI seja recolhido no momento do registro da escritura pública da cessão de direitos à aquisição de imóvel.

Ante o exposto, nego provimento aos Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade.

Silvana M. Mollo

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1051223-44.2022.8.26.0053 – São Paulo – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Silvana Malandrino Mollo – DJ 06.03.2023

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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