CSM/SP: Registro de imóveis – Venda de imóvel de pessoas físicas para a união – Necessidade de escritura pública – Inaplicabilidade do art. 74 do Decreto-lei n.º 9.760/1946 – Recurso desprovido.


  
 

Apelação nº 1002453-42.2021.8.26.0348

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1002453-42.2021.8.26.0348

Comarca: MAUÁ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1002453-42.2021.8.26.0348

Registro: 2023.0000320685

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1002453-42.2021.8.26.0348, da Comarca de Mauá, em que é apelante UNIÃO FEDERAL – PRU, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MAUÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).

São Paulo, 13 de abril de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1002453-42.2021.8.26.0348

APELANTE: UNIÃO FEDERAL – PRU

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mauá

VOTO N.º 38.977

Registro de imóveis – Venda de imóvel de pessoas físicas para a união – Necessidade de escritura pública – Inaplicabilidade do art. 74 do Decreto-lei n.º 9.760/1946 – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação (fls. 93 a 104) interposta em face da sentença (fls. 86/88) que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mauá, impedindo o registro de certidão de contrato de compra e venda do imóvel da matrícula n.º 39.024 daquela serventia, celebrado entre Oto de Souza Azevedo e Shirlei de Castro Parilla Azevedo, como vendedores, e a União, como compradora.

O título foi qualificado negativamente pela exigência de escritura pública de compra e venda para a aquisição de imóvel pela União, não se lhe aplicando o artigo 74, do Decreto-lei nº 9.760/1946.

Alega a apelantea, em síntese, que a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) tem competência administrativa ex lege para lavrar em livro administrativo próprio o conteúdo jurídico-contratual de compra e venda, com os mesmos efeitos de escritura pública de Tabelionato, e mesmo que a União esteja na posição contratual de compradora, tal como deflui do disposto no inciso IV do artigo 13 do Decreto-lei n.º 147/1967, c.c. o artigo 2º da Lei n.º 9.636/1998 e com o inciso III do artigo 39 do Decreto n.º 7.675/2012.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 127/129).

É o relatório.

No mérito, a exigência deve prevalecer.

A Constituição Federal tratou dos bens da União no artigo 20, dispondo, no inciso I, in fine, que são bens da União os que lhe forem atribuídos.

Ser-lhe-ão atribuídos os que, por exemplo, vier a adquirir, e, em se tratando de bem imóvel, a aquisição da propriedade deverá se dar conforme o disposto no artigo 1.227 do Código Civil Brasileiro:

“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Não se discute que a aquisição da propriedade imobiliária, ainda que pela União, ocorra pelo registro do correspondente título no Oficial de Registro de Imóveis competente.

A discussão refere-se ao título exigível para formalizar a vontade das partes, no caso, das pessoas físicas vendedoras do imóvel, e da União, como compradora.

A aquisição de imóvel superior ao valor de trinta salários mínimos exige, como regra, a lavratura de escritura pública, nos termos do que estabelece o artigo 108 do Código Civil, e a aquisição de imóvel pela União não excepciona a regra, apesar do quanto invocado nas razões recursais.

Os diplomas legais invocados pelo recorrente e que dispõem sobre o patrimônio da União são o Decreto-lei n.º 9.760/1946 e a Lei n.º 9.636/1998.

As ementas de ambos os diplomas legais mencionam expressamente que eles estabelecem disposições sobre os bens imóveis da União. Confira-se:

1) Decreto-lei n.º 9.760/1946: “Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências”.

2) Lei n.º 9.636/1998: “Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos- Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências”.

E só passam a integrar o patrimônio da União os imóveis que sejam regularmente adquiridos, ou seja, mediante a lavratura de escritura pública e registro no cartório de imóveis competente.

Antes de integrar o patrimônio da União, os imóveis não estão submetidos à disciplina dos diplomas legais em referência, assim como não estão submetidos a qualquer ingerência dos procuradores da Fazenda Nacional e, portanto, ao que estabelece sua lei orgânica, no caso, o Decreto-lei n.º 147/1967. Nem mesmo a leitura dos artigos de lei de cada diploma legal permite conclusão diversa.

O artigo 74 do Decreto-lei n.º 9.760/1946 tem a seguinte redação:

“Art. 74. Os termos, ajustes ou contratos relativos a imóveis da União, serão lavrados na repartição local ao S. P. U. e terão, para qualquer efeito, força de escritura pública, sendo isentos de publicação, para fins de seu registro pelo Tribunal de Contas”.

Resta claro que o artigo trata, especificamente, de imóveis da União, isto é, que já sejam de sua propriedade. E no caso não se trata de imóvel de propriedade da União, mas de imóvel pertencente a duas pessoas físicas, que o aliena à União.

A regra do artigo 2º da Lei n.º 9.636/1998 não tem aplicação na hipótese vertente, haja vista se referir especificamente ao processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União.

A questão presente é outra, refere-se à mera aquisição de imóvel de terceiros.

O Decreto-lei n.º 147/1967, que instituiu a lei orgânica da Procuradoria da Fazenda Nacional, apenas dá competência aos seus procuradores, no artigo 13, VI, para “fazer lavrar, no livro próprio da repartição competente, os atos relativos à aquisição, alienação, cessão, aforamento, locação, entrega e outros concernentes a imóveis do patrimônio da União, que terão força de escritura pública”. Novamente a questão: a competência só se exercita perante os imóveis do patrimônio da União.

Por oportuno, a referência ao artigo 39, III, do Decreto n.º 7.675/2012, ou mesmo ao artigo 102, III, do Decreto n.º 9.745/2019, não merece maior consideração porque ambos os diplomas já estão revogados. O decreto atualmente em vigor é o 11.344/2023, mas ele não repete a competência antes atribuída à Secretaria do Patrimônio da União para fazer lavrar, com força de escritura pública, os contratos de aquisição, alienação, locação, arrendamento, aforamento, cessão e demais atos relativos a imóveis da União e providenciar os registros e as averbações junto aos cartórios competentes.

E ainda que assim não fosse, a questão seria resolvida pela mesma ótica da análise feita quanto ao Decreto-lei n.º 147/1967.

No mais, a assertiva de que o serviço público federal prestado pela Secretaria do Patrimônio da União tem fé pública e, por consequência, asseguram os valores jurídicos de autenticidade, veracidade, legalidade e segurança jurídica, tanto quanto possui fé pública o serviço público estadual delegado exercido pelo Tabelião e, por isso, não haveria que se exigir a escritura pública para a aquisição de bem imóvel pela União, é falaciosa.

A fé pública de que goza o Tabelião de Notas faz presumir verdadeiros os fatos que o notário declarar como ocorridos em sua presença, como ensina Leonardo Brandelli:

Tem a ato notarial o condão de preconstituir prova dotada de fé pública, isto é, os fatos que o notário declarar que ocorreram em sua presença presumem-se verdadeiros, tornam-se críveis, até que se prove o contrário. Por isso, diz-se que a ata notarial tem a característica de perpetuar o fato no tempo, com força de fé pública” (Atas Notariais, in Ata Notarial, Coor. Leonardo Brandelli, Porto Alegre: IRIB: S.A. Fabris, 2004, p. 55).

A presunção de veracidade de que gozam os atos praticados pelos servidores públicos, todavia, é um tanto diversa.

Não é dado aos servidores públicos praticarem atos administrativos não relacionados à gestão dos bens e serviços públicos.

O Tabelião, quando faz lavrar a ata notarial, faz referência a fatos que ocorreram em sua presença e que não se relacionam, a princípio, com a própria gestão de seus interesses, mas de terceiros. Assim, por exemplo, se lavrada uma escritura de compra e venda é porque dito negócio ocorreu na presença do Tabelião e pelas condições por ele narradas. Trata-se de ato que consubstancia a vontade de terceiros, com referência ao interesse deles próprios.

O servidor público da União não está autorizado a gerir bens de pessoas alheias à própria União, daí porque só lhe é permitido lavrar termo de venda e compra dos bens do patrimônio da pessoa jurídica de direito público da União.

Em suma, por qualquer ângulo que se analise a questão, a regra do art. 108 do Código Civil só admite exceções nos casos expressamente previstos em lei especial. E não se pode interpretar extensivamente uma regra excepcional, como quer fazer a União.

A escritura pública, portanto, era mesmo exigível.

Nesse sentido:

“Registro de Imóveis Doação de imóvel do Município para a União Necessidade de Escritura Pública Inaplicabilidade do art. 74, do Decreto-lei n. 9.760/46 – Necessidade, ainda, de pagamento dos emolumentos – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – Recurso desprovido (Apelação nº 0020409-22.2014.8.26.0320; Relator Desembargador PEREIRA CALÇAS; data do julgamento: 10 de novembro de 2016)”.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 21.06.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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