1VRP/SP: Registro de Imóveis. No município de São Paulo, o ITBI é regulado pela Lei n. 11.154/1991, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis e direitos reais que incidem sobre eles, quanto em casos de cessão de direitos relativos à sua aquisição ou mesmo sua adjudicação.

Processo 1058428-46.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Iglesias Artefatos de Cimento Ltda Epp – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: DANILO MARINS ROCHA (OAB 377611/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1058428-46.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Iglesias Artefatos de Cimento Ltda Epp

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Iglesias Artefatos de Cimento Ltda EPP, diante da negativa em se proceder ao registro da carta de sentença proferida em 17 de maio de 2.022, nos autos da ação de obrigação de fazer, autuada sob o Processo nº 1000750-04.2022.8.26.0005, da 3ª Vara Cível do Foro Regional de São Miguel Paulista, movida por Iglesias Artefatos de Comento Ltda em face de Ricardo Nichimura, tendo por objeto o imóvel da matrícula nº 161.115, do 12º CRI.

Os óbices registrários referem-se à divergência entre o titular de domínio que figura no registro e a parte requerida na referida ação em que foi extraída a carta de adjudicação, o que caracteriza violação ao princípio da continuidade, e à necessidade de apresentação do comprovante de recolhimento do ITBI e do IPTU. Juntou documentos às fls.08/116.

Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 15/18), a parte suscitada aduz, em síntese, que, conforme constou na sentença exarada nos autos do Processo nº 1000750-04.2022.8.26.0005, que tramitou perante a 3ª Vara Cível do Foro Regional de São Miguel Paulista, foi determinada a outorga de escritura pública do imóvel em comento ao autor, no prazo de quinze dias, sendo que, no caso de descumprimento, a sentença servirá como título para registro da adjudicação. Assevera que, ante o descumprimento da decisão judicial pelo requerido, deve ser aplicada a segunda parte do comando judicial, para registro da carta de sentença no fólio real. Sustenta que a decisão judicial transitada em julgado deve ser cumprida.

Não houve, porém, impugnação nestes autos (fls. 117).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção dos óbices registrários (fls. 121/123).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Relevante salientar, ainda, que o registro somente será possível se houver observância do princípio da continuidade, consoante explicado por Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.

Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, página 254).

O título, portanto, deve estar em conformidade com o inscrito no registro.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

No caso concreto, depreende-se dos apontamentos da matrícula nº 161.115, do 12º Registro de Imóveis da Capital, que o proprietário do imóvel em questão é Thadeu Zurlo (fl. 12).

O título apresentado, entretanto, indica adjudicação do bem pela parte suscitada em ação de obrigação de fazer, com pedido de adjudicação compulsória, movida em 2.022 em face de Ricardo Nichimura, nos autos do Processo nº 1000750-04.2022.8.26.0005, que tramitou perante a 3ª Vara Cível do Foro Regional de São Miguel Paulista.

Assim, evidencia-se que a ação foi proposta contra o cedente Ricardo, o qual não detém direito real sobre o imóvel, sem que envolvesse o titular do domínio, Thadeu Zurlo, o qual é a única parte legítima para ali figurar em atendimento ao princípio da continuidade registral:

“Adjudicação Compulsória. Sentença de indeferimento da inicial em razão da ilegitimidade passiva. Insurgência da autora. Ação movida contra quem não é titular do domínio perante o Cartório de Registro de Imóveis. Impossibilidade. Proprietária do imóvel que, conforme a matrícula é a COHAB. Eficácia de eventual outorga de escritura que resta condicionada à presença, no polo passivo, do titular do domínio. Atendimento ao princípio da continuidade registral. Ilegitimidade passiva configurada. Sentença mantida. Recurso não provido” (Apelação Cível n. 1005001-69.2016.8.26.0007 – 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Rel. Des. Ana Maria Baldy – j. 17.02.2022).

De fato, a propriedade imobiliária e o direito de promitente comprador do imóvel são direitos reais distintos (artigo 1.225, incisos I e VII, do Código Civil).

Por meio do registro, o promitente comprador alcança direito real oponível a terceiros, mas a transmissão da propriedade somente ocorrerá após a quitação das obrigações previstas no compromisso preliminar mediante outorga da escritura definitiva ou pelo exercício do direito de adjudicação compulsória, tal como previsto no artigo 1.418 do Código Civil.

Nesse contexto, cumpre ao detentor dos direitos reais de promitente comprador exigir do promitente vendedor (no caso, o proprietário tabular) a outorga da escritura definitiva de compra e venda ou obter título judicial que substitua tal escritura, conforme autoriza o Código Civil:

“Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.

Saliente-se, ainda, que nem mesmo a simples anuência do promitente vendedor em subsequente cessão do compromisso anteriormente assumido substitui a escritura definitiva de compra e venda, que é ato formal e solene exigido por lei.

A única substituição admitida é por título judicial resultante da adjudicação mencionada no artigo 1.418 do Código Civil, devendo figurar no polo passivo o promitente vendedor cuja vontade será ao final suprida pela declaração judicial.

No caso concreto, o proprietário tabular é a parte legítima para integrar o polo passivo (artigo 313, §2º, I, do CPC).

Em consequência e como os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, como já dito, realmente não há como admitir o ingresso da carta de adjudicação no fólio real sem quebra da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei n.6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ):

“REGISTRO DE IMÓVEIS Adjudicação compulsória Ação movida pelos cessionários contra a cedente do contrato de compromisso de compra e venda – Registro da transmissão da propriedade negado Princípio da continuidade Dúvida julgada procedente Apelação não provida” (CSM Apelação Cível n. 1018352-48.2021.8.26.0100 – Des. Ricardo Anafe j. 14.12.2021).

Ademais, no concernente ao recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, sabe-se que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Os direitos reais sobre imóveis somente são adquiridos com o registro no Cartório de Registro de Imóveis e, como visto, tanto a propriedade quanto o direito do promitente comprador são direitos reais (artigo 1.225, incisos I e VII, do CC).

No município de São Paulo, o ITBI é regulado pela Lei n. 11.154/1991, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis e direitos reais que incidem sobre eles, quanto em casos de cessão de direitos relativos à sua aquisição ou mesmo sua adjudicação:

“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre eles tem como fato gerador:

I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:

a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;

b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões.

II – a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis”.

“Art. 2º: Estão compreendidos na incidência do imposto:

I a compra e venda;

(…)

V a arrematação, a adjudicação e a remição;

(…)

IX a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda”.

Os artigos 170 e 171 da Consolidação das Leis Tributárias do Município aprovada pelo Decreto n. 61.810/2022 reproduzem o mesmo texto.

Assim, o lançamento de cada um desses direitos no fólio real caracteriza fato gerador distinto, sendo que, na hipótese, o recolhimento pretérito noticiado correspondeu ao ingresso do instrumento de cessão, de modo que o registro da carta de adjudicação, se formalmente hígida, faria incidir o tributo.

Em outros termos, havendo previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, seu recolhimento deve ser demonstrado ao Oficial de Registro.

Neste sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS Poder hierárquico possibilidade de anulação do decidido na hipótese de vício jurídico – Cessão de Direitos de Compromisso de Compra e Venda e Carta de Adjudicação previsão legal de incidência de ITBI em cada transmissão de direitos dever do Oficial de conferir os recolhimentos devidos – impossibilidade de exame da legalidade da norma jurídica na esfera administrativa legalidade estrita recurso não provido com observação” (CSM – Apelação n.0000027-02.2010.8.26.0238 – Des. Maurício Vidigal j. 22.08.2011).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 07 de junho de 2023.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 13.06.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

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TJ/SP: Apelação Cível e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre imóvel – Inexigibilidade da cobrança – Não configurada a ocorrência do fato gerador do ITBI – Ausência de registro imobiliário relativo à transmissão de direitos reais sobre o bem – Observância ao disposto no art. 35, I, do CTN e art. 1.245 do Código Civil – Jurisprudência, nesse sentido, dos E. STJ e TJSP – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade não providos.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1051223-44.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, é apelada MARTA ENIA SCHOR FISZMAN.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente sem voto), REZENDE SILVEIRA E GERALDO XAVIER.

São Paulo, 1º de março de 2023.

SILVANA MALANDRINO MOLLO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível / Reexame Necessário nº 1051223-44.2022.8.26.0053

Apelante/ Recorrente: Municipalidade de São Paulo e Juízo Ex Officio.

Apelada/Recorrida: Marta Enia Schor Fiszman

Comarca: São Paulo

Juiz (a) de origem: Luis Manuel Fonseca Pires

VOTO Nº 16.496

APELAÇÃO CÍVEL e REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre imóvel – Inexigibilidade da cobrança – Não configurada a ocorrência do fato gerador do ITBI – Ausência de registro imobiliário relativo à transmissão de direitos reais sobre o bem – Observância ao disposto no art. 35, I, do CTN e art. 1.245 do Código Civil – Jurisprudência, nesse sentido, dos E. STJ e TJSP – Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade não providos.

Trata-se de Reexame Necessário e Recurso de Apelação interposto pela Municipalidade de São Paulo, em face da r. sentença de fls. 62/65 destes autos digitais, que, em Mandado de Segurança impetrado por Marta Enia Schor Fiszman contra ato do Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, julgou procedente em parte o pedido, concedendo a segurança “para determinar à autoridade impetrada que considere quanto à cessão de direitos provenientes de contrato de compromisso de venda e compra dos imóveis descritos a impossibilidade de cobrança do ITBI”.

A Municipalidade apelante alega, em síntese, que, nos termos do art. 156, II, 3ª parte, da Constituição Federal, art. 35, III, do Código Tributário Nacional, e art. 2º, IX, da Lei Municipal nº 11.154/91, a cessão de direitos à aquisição de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis é hipótese de incidência do ITBI. Assevera que a Constituição Federal não exige, para fins de incidência do ITBI, que os direitos cedidos pelo contribuinte (cedente) sejam, eles próprios, direitos reais. Defende que o ato de registro imobiliário não se destina, por si próprio, à transmissão da propriedade, mas visa, tão somente, a garantir a publicidade e segurança dos negócios jurídicos, e que, para fins de incidência do ITBI em questão, é absolutamente irrelevante que tenha levado a registro o respectivo título, sob pena de se criar subterfúgios para o não pagamento do imposto. Subsidiariamente, sustenta que o ITBI incidente sobre a cessão de direitos à aquisição de imóvel deve ser recolhido no momento do registro da escritura pública. Requer, ao final, o provimento do recurso, a fim de que seja denegada a ordem pretendida.

O recurso tempestivo foi regularmente recebido e processado, sobrevindo a oferta de contrarrazões a fls. 105/113.

É O RELATÓRIO.

Deixo de remeter os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça, tendo em vista a disponibilidade do direito discutido, inclusive enfatizada pelo Parquet, a fls. 59/60.

Depreende-se dos autos que Marta Enia Schor Fiszman impetrou Mandado de Segurança, visando o reconhecimento da inexigibilidade do ITBI sobre a cessão de direitos proveniente de contrato de compromisso de compra e venda dos imóveis descritos na petição inicial.

A fls. 32/34, foi deferido o pedido liminar, no sentido de afastar o recolhimento do ITBI, tal como almejado pela impetrante.

Após requerer seu ingresso no feito na qualidade de assistente litisconsorcial, a Municipalidade de São Paulo apresentou informações/defesa (fls. 41/54), sobrevindo, em seguida, a r. sentença alhures referida, objeto dos recursos voluntário e oficial, que passo a analisar em conjunto.

Pois bem.

A questão sub judice cinge-se à possibilidade da incidência do ITBI sobre negócio jurídico de cessão de direitos possessórios.

Com efeito, o ITBI é previsto pelo artigo 156, inciso II, da Constituição Federal:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”

Determinada a competência municipal para a instituição do tributo, o Código Tributário Nacional, lei complementar que traz normas gerais em matéria de legislação tributária, estabelece, em seu art. 35, a definição dos fatos geradores do ITBI, in verbis:

“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.”

Da conjunção desses dois dispositivos, tem-se que o ITBI é instituído por lei municipal e incide sobre a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, ou ainda de direitos reais sobre eles, bem como a cessão de direitos relativos a essas transmissões.

A Constituição Federal tem supremacia hierárquica em relação a todo o restante das leis, sejam estas complementares ou ordinárias, tanto em seu aspecto formal quanto material, de modo que todas elas devem se conformar às disposições daquela, sob pena de serem inconstitucionais e expurgadas do ordenamento.

Não é outro o sentido do que dispõe o artigo 110 do CTN, ao rezar que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado de alguma maneira utilizados pela Constituição Federal. Ora, se a lei fundamental utiliza um conceito em determinado sentido, qualquer lei hierarquicamente inferior que o utilize de forma diversa, contrariando o que está nela disposto, será inconstitucional.

Por isso, quando o artigo 156, inciso II, da CF, fala de transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, sem fazer maiores esclarecimentos acerca da definição desses conceitos, ele os está tomando do direito privado (Código Civil), tal qual definidos no ordenamento jurídico brasileiro.

Ali, os direitos reais constam no artigo 1.225.

Além disso, o artigo 1.227 do mesmo Diploma Civilista dispõe que os “direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

Depreende-se, pois, que a incidência do ITBI, segundo a disciplina do CTN, só terá lugar: (I) quando houver a transmissão da propriedade, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis; (II) quando ocorrer a transmissão de um dos direitos reais elencados pelo art. 1.225 do CC, também devidamente registrada, ou; (III) quando forem cedidos direitos relativos à transmissão da propriedade ou de outros direitos reais.

In concreto, o caso se trata de cessão de direitos possessórios, que o Município considera como fato gerador do tributo, ao passo que a contribuinte, não. Ora, diante do quanto aqui exposto, evidenciase que as cessões de direitos que se amoldam à hipótese de incidência do ITBI são aquelas de direitos reais, e a posse não é um direito real, uma vez que não consta do rol deles contido no artigo 1.225 do CC.

Vê-se, portanto, que, enquanto o direito de uso é um dos direitos reais elencados pelo Código Civil, a posse não o é.

Essa distinção fundamental entre os direitos reais e os que não os são, como aqueles relacionados à posse, torna impossível sua equiparação, não havendo dúvida, na jurisprudência, de que só a transmissão de direitos reais enseja a incidência do ITBI.

Confira-se o que diz o E. Superior Tribunal de Justiça a respeito:

TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE CESSÃO – NÃO INCIDÊNCIA – Promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI” (AgRg no REsp nº 327.188/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJe 24/06/2002).

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI). BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. FATO GERADOR. REGISTRO DA TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. SUMULA 83/STJ.

1. O valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes do STJ.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico no ofício competente.

3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, ‘in casu’, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: ‘Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.’

4. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea ‘a’ do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010.

3.Recurso Especial de que não se conhece.”

(REsp. nº 1670521/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27/06/2017, DJe 30/06/2017) (g.n.)

Nessa trilha, diversos são os julgados desta E. Corte Paulista, dentre os quais, destacam-se:

“APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO – Insurgência em face da sentença que julgou procedente o pedido – Descabimento – Mera cessão de direitos não caracteriza fato gerador – O ITBI é exigível no momento do registro da venda e compra – Sentença mantida, pois consentânea com o entendimento firmado pelo julgamento do Tema 1.124 pelo STF, que fixou a tese, segundo a qual “o fato gerador do imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” – No caso concreto, trata-se de cessão de direitos de promitente vendedor de unidades autônomas a serem ainda individualizadas, não caracterizando o fato gerador Remessa necessária, que se considera interposta, e recurso voluntário da municipalidade improvidos.” (TJSP; Apelação Cível 1023054-47.2022.8.26.0053; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/11/2022; Data de Registro: 30/11/2022)

“Apelação. Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis. Escritura pública de cessão de direitos possessórios. Não incidência do tributo. Instituto da posse que não se equipara a propriedade, a domínio útil ou a direito real. Inteligência do disposto no artigo 156, II, da Constituição Federal, no artigo 35 do Código Tributário Nacional e no artigo 1.225 do Código Civil. Precedentes da corte. Recurso denegado.” (Apelação / Remessa Necessária nº 1000852-18.2018.8.26.0247, rel. Des. Geraldo Xavier, j. 7.11.2019).

“APELAÇÃO CÍVEL – Ação Declaratória – ITBI – Lançamento do tributo com base em instrumento particular de cessão de direitos possessórios – O fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro no Cartório de Registro de Imóveis – Ausência do fato gerador do tributo – Impossibilidade de cobrança – Precedentes do STF, do STJ e desta 15ª Câmara de Direito Público – Inversão dos ônus de sucumbência – Sentença reformada – Recurso provido.” (Apelação Cível nº 1000264-24.2019.8.26.0587, Rel. Des. Eutálio Porto, j. 5.11.2019).

Ademais, em recente julgado, o E. STF reafirmou sua pacífica jurisprudência no sentido de que o ITBI só é devido a partir da transferência da propriedade imobiliária, efetivada mediante o registro em cartório, por força do julgamento do ARE nº 1294969, com repercussão geral (Tema 1124), que fixou a seguinte tese:

“O fato gerador do imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”

Logo, não tendo havido a transmissão de direitos reais sobre o bem imóvel, não ocorre o fato gerador do ITBI, sendo descabida sua cobrança pela Municipalidade. Nesse sentido, não merece qualquer reparo a r. sentença recorrida, que bem apreciou a questão, restando insubsistente, pelos mesmos fundamentos já colocados, o pedido subsidiário da apelante no sentido de que o ITBI seja recolhido no momento do registro da escritura pública da cessão de direitos à aquisição de imóvel.

Ante o exposto, nego provimento aos Recursos Oficial e Voluntário da Municipalidade.

Silvana M. Mollo

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1051223-44.2022.8.26.0053 – São Paulo – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Silvana Malandrino Mollo – DJ 06.03.2023

Fonte: INR Publicações.

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Corregedoria publica Provimento sobre matrícula e registro de terra indígena.

A Corregedoria Geral da Justiça lançou o Provimento 21/2023, o qual dispõe sobre abertura de matrícula e registro de terra indígena com demarcação homologada e averbação da existência de demarcação de área indígena homologada e registrada em matrículas de domínio privado incidentes em seus limites. No documento, o corregedor-geral da Justiça, Desembargador Froz Sobrinho, levou em consideração a necessidade de alinhamento das ações institucionais do Poder Judiciário às diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, com especial atenção ao ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável), ao ODS 15 (Proteção da Vida Terrestre) e ao ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).

Considerou, ainda, o fato de que a Corregedoria-Geral da Justiça do Maranhão integra o Fórum Fundiário Nacional, que tem por função divulgar e institucionalizar as Diretrizes Voluntárias da Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no contexto da segurança alimentar nacional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), com ênfase na proteção das comunidades tradicionais e povos originários. O corregedor destacou, também, a necessidade de constante aperfeiçoamento das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais, bem como a necessidade de conferir maior segurança jurídica quando do cumprimento das disposições estabelecidas no artigo 523 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Maranhão.

Daí, resolveu o Provimento: “Todos os atos registrais de terra indígena com demarcação homologada serão promovidos em nome da União Federal, observadas as regras previstas no Provimento nº 70, de 12 de junho de 2018, do Conselho Nacional de Justiça e, subsidiariamente, neste Provimento (…) A abertura de matrícula, na hipótese de demarcação de terra indígena devidamente homologada na forma da lei, será realizada a requerimento do órgão federal de assistência aos povos indígenas e diante da comprovação do processo demarcatório, independente de ciência de eventual proprietário registral, observados alguns requisitos”.

Como dito acima, os requisitos são: I – com a subsequente averbação da demarcação da terra indígena, se o imóvel não estiver matriculado ou transcrito; II – com averbação da demarcação da terra indígena na matrícula ou transcrição existente em nome de particular, que deverá ser encerrada se atingida a totalidade do imóvel; III – com averbação do destaque na matrícula ou transcrição existente em nome de particular, quando a área demarcada não abranger integralmente o imóvel matriculado ou transcrito, independentemente de apuração de remanescente da área da matrícula que sofreu o destaque, devendo ser apurado posteriormente quando da realização de qualquer ato pelo proprietário.

IMÓVEL MATRICULADO EM NOME DA UNIÃO

Em um de seus artigos, o Provimento explicita que, se o imóvel estiver matriculado ou transcrito em nome da União Federal, será averbada a demarcação de terra indígena no registro existente. “O registro de terra indígena sem título ou registro anterior, localizada em mais de uma circunscrição imobiliária, poderá ser requerido pelo órgão federal de assistência aos povos indígenas separadamente em cada uma das circunscrições envolvidas, instruído o requerimento com os memoriais descritivos e a planta da parcela do imóvel que se localizar em cada uma das circunscrições de registro imobiliário (…) O registro efetuado na forma do artigo anterior deverá ser comunicado ao Oficial de Registro da outra circunscrição em que a terra indígena demarcada estiver situada”, diz a CGJ no documento, frisando que o requerimento deverá ser recepcionado e lançado no Livro 1, Protocolo, submetendo-se ao regime de prioridade aplicável aos títulos em geral”, versa o documento.

Por fim, o Provimento determina que a averbação da existência de processo demarcatório de terras indígenas em matrícula de domínio privado será realizada mediante requerimento do órgão federal de assistência aos povos indígenas, independente de ciência de eventual proprietário registral, instruído com: I – portaria inaugural do processo administrativo; II – indicação do número das matrículas e/ou transcrições sobre os quais a averbação deverá ser praticada, sob responsabilidade do órgão federal; III – número-código de cadastro da terra indígena no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), e, por último, relatório circunstanciado de identificação de delimitação quando já realizado e decisão administrativa declaratória dos limites da terra indígena a demarcar (conforme art. 2º, § 10, I, do Decreto Federal nº 1.775/96).

Fonte: Tribunal de Justiça do Maranhão.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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