CSM/SP: Registro de imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida procedente – Especialidade objetiva – Título que não permite identificar o lugar da servidão no imóvel serviente – Óbice mantido – Apelação não provida.


  
 

Apelação Cível nº 1003716-84.2018.8.26.0358

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003716-84.2018.8.26.0358
Comarca: MIRASSOL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003716-84.2018.8.26.0358

Registro: 2023.0000816491

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003716-84.2018.8.26.0358, da Comarca de Mirassol, em que é apelante TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRASSOL – SP.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 14 de setembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003716-84.2018.8.26.0358

APELANTE: Triangulo Mineiro Transmissora S/A

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e anexos da Comarca de Mirassol – SP

VOTO Nº 39.098 

Registro de imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida procedente – Especialidade objetiva – Título que não permite identificar o lugar da servidão no imóvel serviente – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Triângulo Mineiro Transmissora S.A. contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Mirassol/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de servidão administrativa junto à matrícula nº 1.178 da referida serventia extrajudicial, ante a precariedade da descrição da área (fls. 81/83).

Afirma a apelante, em síntese, que o caso deve ser examinado a partir do princípio da legalidade e da supremacia do interesse público porque a servidão administrativa é modo de intervenção do Estado na propriedade privada, não sendo aplicáveis as regras do direito civil para justificar as exigências apresentadas, mas as de direito administrativo. Nesse sentido, alega certeza acerca da servidão que recai sobre o imóvel tratado nos autos, o que foi constatado por perícia feita na ação de desapropriação, além de se tratar de servidão aparente, em relação à qual não houve qualquer impugnação dos proprietários do imóvel ou de seus confrontantes tanto no que se refere à extensão da faixa serviente quanto à interferência com os prédios lindeiros. Afirma que a dita faixa de servidão foi apurada com precisão geodésica, segundo as normas vigentes, tais como exigidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Aduz que não cabe à recorrente fazer com que a descrição do imóvel serviente indique com precisão os pontos atingidos pela servidão: com efeito, esse dever toca ao dono, que, ele sim, tem de fazer localizar a linha de eletricidade dentro de seu imóvel, quando proceder ao levantamento das coordenadas georreferenciadas, providência a qual, aliás, não cabe nesse momento ao proprietário, pois a lei só exige o procedimento nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, providência para a qual, ademais, ainda não se consumou o prazo regulamentar, estendido, para a hipótese, até novembro de 2023 (fls. 86/102).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 126/130).

É o relatório.

A apelante, concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica, por sentença proferida em ação judicial teve instituída, em seu favor, servidão administrativa sobre uma faixa de terras, declarada de utilidade pública, inserida em imóvel rural objeto da matrícula nº 1.178 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mirassol/SP.

Contudo, o mandado judicial expedido nos autos da ação de instituição de servidão administrativa (Processo nº (0007959-30.2014.8.26.0358), da Comarca de Neves Paulista/SP), apresentado a registro pela apelante, foi negativamente qualificado pelo Oficial Registrador, que expediu nota devolutiva (fls. 41) nos seguintes termos:

“1) Inviável identificar a área da servidão no imóvel objeto da matrícula nº 1.178, face a precariedade da descrição do imóvel nesta, devendo, s.m.j., precedentemente, a descrição de referido bem de raiz ser objeto de retificação, em obediência aos princípios da especialidade objetiva, da publicidade, da segurança jurídica e da disponibilidade qualitativa,

2) Cumprido o item 1, juntar os documentos correspondentes, como o levantamento da área total, locando a área da servidão”. De início, saliente-se que se controverte, aqui, sobre título de origem judicial (na espécie, mandado de averbação para fins de constituição de servidão administrativa referente ao imóvel objeto da matrícula nº 1.178, do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mirassol/SP) o qual também se submete à qualificação registral, conquanto essa esteja limitada a recair, em tal caso, sobre: (a) a competência judiciária, (b) a congruência entre o título formal e o material apresentados ao ofício de registro, (c) os obstáculos registrais e (d) as formalidades documentárias (cf. Ricardo Dip, Registros sobre Registros (Princípios) II, Descalvado: Primus, 2018, p. 206, n. 447, e item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ).

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência nem descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apel. Cív. n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apel. Cív. n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apel. Cív. n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

No caso concreto, a descrição da faixa desapropriada (cf. fls. 20 e 36/37) consta do título apresentado ao ofício de registro de imóveis, confirmando sua relação com o imóvel objeto da matrícula nº 1.178.

Ao contrário do que pretende a apelante, contudo, essa relação entre o título e a matrícula não basta para atender o princípio da especialidade e, consequentemente, permitir o pretendido registro stricto sensu.

Como diz a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 225, § 2º, “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.

Ou seja, para que se respeite ao princípio da especialidade, não basta que se admita uma relação qualquer entre o título e a matrícula, mas é preciso que – no caso específico da servidão de duto de eletricidade, que é contínua e aparente – a descrição dada pelo título permita situar o direito por constituir dentro da área que já está matriculada: só assim, com efeito, é que a “caracterização do imóvel” (rectius, do direito por inscrever) “coincidirá” (rectius, guardará congruência) com o que está no “registro anterior”. Porém, essa necessária congruência não ocorre na hipótese destes autos, pois existe apenas descrição da faixa afetada pela servidão, sem que, porém, se tivesse especificado onde é que ela recai dentro da área matriculada, concretamente.

Portanto, o problema não se coloca na existência ou não de georreferenciamento do imóvel da matrícula nº 1.178. Ainda que houvesse coordenadas georreferenciadas para o todo, o pretendido registro stricto sensu só teria lugar se o título também trouxesse o lugar da servidão no imóvel serviente. No entanto, isso não se fez, e agora não é lícito deferir-se o registro pretendido, que estaria então em desacordo com a exigência legal de especialidade dos direitos reais inscritos (cf. Lei nº 6.015/1973, artigo 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º a 5º e 13, e artigo 225; NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, itens 10.1, 10.1.1, 10.3, 54.3, 54.5, 56 III, 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70).

Acrescente-se que a imposição de georreferenciamento da área do prédio serviente não é sequer cabível, porque, conforme a sua extensão, o prazo para tanto só se encerra em novembro de 2023 (Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, com a redação dada pelo Decreto nº 9.311, de 15 de março de 2018), e essa é outra circunstância a confirmar que a deficiência impeditiva da inscrição está na má formação do título, e não, propriamente, na matrícula nº 1.178.

Em suma: ainda que por fundamento distinto daquele que constara na nota devolutiva e fora confirmado pelo r. decisum apelado (isto é, a necessidade de retificação da matrícula com georreferenciamento da área do imóvel serviente), não se pode deferir pretendido registro stricto sensu, por deficiência do relativo título (que não dá especialidade ao direito por inscrever), e a recusa tem de ser mantida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 14.11.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.