Processo 1014323-47.2024.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro de Imóveis – 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – Luiz Fernandes da Silva – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.I.C. – ADV: LUIZ FERNANDES DA SILVA (OAB 118841/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1014323-47.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Luiz Fernandes da Silva, diante da recusa em se proceder a averbação premonitória, para fins do disposto no artigo 828 do Código de Processo Civil, noticiando a distribuição da ação de cumprimento de sentença nos autos do processo n. 0013432-77.2023.8.26.0100 da 26ª Vara Cível da Comarca Central da Capital, envolvendo o imóvel da matrícula n. 89.831 daquela serventia.
O Oficial informa que a recusa de averbação do ajuizamento da execução na matrícula foi motivada pela prévia instituição do imóvel como bem de família pelo proprietário, nos termos da escritura pública registrada sob nº 10, em 31 de outubro de 2022, na citada matrícula.
Sustenta que, embora tenha caráter acautelatório, a averbação do ajuizamento da execução prevista no artigo 828 do Código de Processo Civil é feita a requerimento do exequente com base em certidão específica expedida “para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registros de outros bens sujeitos à penhora ou arresto”. Alega que a certidão apresentada revela que a execução foi ajuizada em 29 de março de 2023, ou seja, após a instituição. Salienta que, tendo o imóvel sido instituído como bem de família, a princípio, não é passível de penhora ou arresto, impossibilitando a averbação premonitória, por estar isento de execuções por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se provierem de tributos relativos ao próprio imóvel, ou de despesas de condomínio art. 1.715 do Código Civil).
Com a inicial, vieram documentos (fls. 03/20).
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte suscitada aduz que o fato de o proprietário ter instituído bem de família não afasta a possibilidade de averbação da certidão judicial de execução por se tratar de ato de natureza meramente acautelatória, não possuindo contornos de constrição, penhora, arresto, sequestro ou qualquer outro tipo que possa implicar indisponibilidade. Sustenta que a averbação premonitória visa dar publicidade da existência de processo de execução em face do proprietário do imóvel, com o objetivo de se evitar eventuais fraudes e, consequentemente, proteger terceiros e o interesse do credor. Salienta que, apesar de o cumprimento de sentença ter sido ajuizado em 29/03/2023, a sentença em que o crédito exequendo foi constituído foi proferida em 12/01/2021 (fls. 11/b15 e 21/25). Juntou documentos (fls. 26/42 e 45/).
O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 99/102).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.
Vale dizer, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Outrossim, importante destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
O Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, Cap. XX, NSCGJ):
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o pedido é procedente.
A parte suscitada pretende a averbação premonitória, para fins do disposto no artigo 828 do Código de Processo Civil, noticiando a distribuição da ação de cumprimento de sentença nos autos do processo n. 0013432-77.2023.8.26.0100, da 26ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital, na matrícula n. 89.831 do 10º Registro de Imóveis da Capital.
O artigo 828 do Código de Processo Civil dispõe:
Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.
Destarte, a averbação premonitória visa acautelar o credor que, por meio dos bens do devedor, poderá garantir a satisfação de seu crédito ao final da ação de execução, evitando que o imóvel seja alienado a terceiros de boa-fé, mesmo que sobre ele ainda não haja penhora incidente.
Ocorre que, na hipótese vertente, o imóvel da matrícula n. 89.831 do 10º Registro de Imóveis da Capital foi instituído como bem de família pelo registro de escritura pública de 29 de julho de 2.022, lavrada pelo 13º Tabelião de Notas da Capital (R.10 – fls. 08).
O Código Civil não traz uma definição específica sobre o instituto, nem seu conceito, apenas prevendo sua existência, forma de constituição e finalidade. Nesse sentido, dispõem os artigos 1.711 e 1.712 do referido diploma legal:
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
A instituição voluntária do bem de família, com o registro obrigatório no ofício imobiliário da situação do bem, destina-se ao abrigo ou proteção familiar. Com isso, o imóvel em que a família está domiciliada torna-se impenhorável (isento de dívidas futuras, salvo obrigações tributárias referentes ao bem e despesas condominiais – art. 1.715 do Código Civil) e só poderá ser alienado com a autorização dos interessados, até a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela (art. 1.722 do Código Civil).
Como se vê, o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, sendo certo que o título apresentado a registro revela que o cumprimento de sentença foi distribuído em 29 de março de 2.023, ou seja, em data posterior ao registro da instituição de bem de família, o que afasta a possibilidade de penhora deste bem ou da averbação premonitória pretendida, em estreita observância ao princípio da legalidade.
Tampouco há como se aplicar ao caso em testilha o artigo 54, III e IV, da Lei n. 13.097/2015:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
III. averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV. averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Evidenciada a falta de subsunção do caso sob análise à hipótese do inciso III, a averbação tratada no inciso IV depende de ordem judicial, que não foi dada pelo Juízo perante o qual tramita a ação judicial.
A propósito, o Conselho Superior da Magistratura assim já decidiu:
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – REGISTRO DE HIPOTECA JUDICIÁRIA – BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL – INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJSP; Apelação Cível 1010780-45.2022.8.26.0152; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Cotia – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2023; Data de Registro: 25/08/2023)
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.I.C.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 26.02.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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